Secretário de Relações Internacionais do PSB e secretário-geral da Coordenação Socialista LatinoamericanaCinquenta anos nos separam da morte do líder socialista chileno Salvador Allende. O malfadado golpe cívico-militar chileno de 11 de setembro de 1973, interrompe, à força, uma experiência em construção de uma sociedade transformadora para entregar o poder a um grupo que pretendeu restaurar um ambiente de privilégios liderados por uma figura que honra seu lugar na lata de lixo da história, o general Augusto Pinochet, então comandante do exército.
Em um período quente da guerra fria, a América Latina é submetida a horrores humanos sob a falsa justificativa da “ameaça comunista” para subjugar as populações de seus países aos desígnios de grupos de privilegiados apoiados e dirigidos pelo “Império” em sua saga neoliberal.
Na precisa e feliz observação do poeta nos versos de “Las satrapías”, diz Pablo Neruda: “Nixon, Frei y Pinochet – hasta hoy, hasta este amargo – mes de septiembre – del año 1973, – com Bordaberry, Garrastazú y Banzer, – hienas voraces de nuestra historia, – … sátrapas mil veces vendidos y vendedores, – … – , máquinas hambrientas de dolores – manchadas en el sacrificio – de sus pueblos martirizados, …”.
Salvador Guillermo Allende Gossens iniciou suas atividades políticas ainda muito jovem. Tendo ingressado na Facultad de Medicina de La Universidade de Chile com 18 anos titulou-se médico cirurgião aos 24. Su memória se tituló: “Higiene mental y delincuencia” prenunciando o compromisso do jovem médico com as questões sociais. Durante sua época universitária, foi presidente do Centro de Estudantes de Medicina e da Federação de Estudantes do Chile. Em 1933, com 25 anos, participou da fundação do Partido Socialista do Chile, no qual permaneceu durante toda a sua vida.
Allende assumiu a presidência do Chile em 1970, prometendo uma revolução pacífica e reformas para combater a desigualdade. Sua política de nacionalização de indústrias e reforma agrária buscava redistribuir a riqueza, mas encontrou forte oposição, incluindo pressões externas dos EUA, devido também à Guerra Fria.
Pela primeira vez um político socialista chega ao poder de forma democrática na América Latina. Na ocasião 45% do capital do país estava nas mãos de investidores estrangeiros, os norte-americanos dominavam a exploração das minas de cobre, 80% das terras eram de propriedade de grandes latifundiários e a dívida do país era de 40 milhões de dólares, uma das maiores do mundo.
Eleito Allende, o governo da Unidade Popular adota uma abordagem gradual para implementar reformas sociais e econômicas. A “Via Chilena para o Socialismo” visava a construção de uma sociedade mais justa dentro de estruturas democráticas, enfatizando a importância e necessidade da participação popular.
As políticas públicas no período de 1970 a 1973, passaram por significativas mudanças e reformas em áreas como saúde, educação, moradia e transportes, para ficar somente em setores mais críticos, com foco na promoção da igualdade social e bem-estar do povo chileno.
O governo também nacionalizou o sistema educacional chileno, passando o controle da educação para o Estado, retirando-o do controle privado. Assim foi possível a universalização e a gratuidade da educação, tornando o acesso à educação mais igualitário. Também foram criados programas para expandir a educação técnica e profissional, visando preparar os jovens para o mercado de trabalho.
Foram lançados programas para fornecer habitação popular a preços acessíveis. O governo promoveu a construção de moradias populares e a regularização de ocupações informais. Os aluguéis foram congelados e o aumento dos preços dos aluguéis foi limitado tornando a moradia mais acessível para a população de baixa renda.
Assim como em outras setores, o governo Allende nacionalizou as empresas de transporte, incluindo a ferrovia e o transporte público, que se tornou mais acessível ao se congelar tarifas e melhorar a qualidade dos serviços. Foram feitos investimos importantes na infraestrutura de transporte, incluindo estradas e rodovias.
Um dos pontos centrais do programa da Unidade Popular para a democratização do país foi a proposta da constituição da Asamblea del Pueblo, uma nova estrutura do Estado em nível nacional, regional e local, com objetivo claro de promoção da democracia direta. Elas exerceram um papel importante na promoção das reformas progressistas e na defesa do governo socialista.
Também foi fundamental para o exercício do poder a mobilização dos trabalhadores através de seus sindicatos de trabalhadores e dos Comitês de Abastecimento que em resposta à oposição econômica de empresários foram formados para coordenar a distribuição de alimentos e bens essenciais à população, muito importantes para garantir o acesso aos produtos básicos em meio à pressão econômica.
Destaque-se que o período do governo da Unidade Popular foi de efervescência cultural e de expressão artística significativa na história do país. A política de Allende, que promoveu uma abordagem de socialismo democrático e igualdade social, também teve um impacto profundo na cultura popular chilena.
Foi neste período que a Nova Canção Chilena se fortaleceu, com destaque para compositores como Violeta Parra e Victor Jara e para o grupo musical Inti-Illimani, que utilizava a música para expressar temas de justiça social, igualdade e críticas à desigualdade econômica e social. Suas músicas tornaram-se hinos da luta pelos direitos dos trabalhadores e da justiça.
Programa de rádio e mídia impressa dedicados à cultura e à política social ganharam popularidade e desempenharam um papel importante na disseminação de ideias progressistas e na promoção da cultura popular. A cultura popular tornou-se uma ferramenta poderosa para expressar o desejo de justiça social e igualdade, bem como para resistir às pressões política e econômicas da época.
No primeiro ano, Allende começou a fazer as reformas e logo o país apresentou um crescimento econômico, mas em 1972 a situação se agravou, o capital estrangeiro desapareceu, a produção agrícola caiu e o crescimento cessou. A crise só se agravava e os conflitos isolados eram uma ameaça de guerra civil. Em julho de 1973 ocorreu a primeira tentativa fracassada de golpe.
Entre as causas da crise estava o boicote empresarial. Os empresários chilenos, muitos dos quais eram opositores ao regime, lançaram um boicote econômico ativo. Isso envolveu a diminuição da produção e o armazenamento de mercadorias. Empresas privadas começaram a restringir a produção e distribuição de produtos básicos, incluindo alimento, medicamentos e bens de consumo. Isso levou a uma escassez de itens essenciais no mercado, afetando a qualidade de vida da população.
Acrescente-se a este quadro de boicotes a retirada de capitais do país por empresários e elites financeiras, com a transferência de capitais para o exterior, contribuindo para a crise econômica e para a queda das reservas internacionais do Chile. Também os bancos e instituições financeiras reduziram a oferta de crédito ao governo e a empresas estatais, dificultando a capacidade do governo de financiar suas políticas e seus projetos. Em 1972 houve uma greve de caminhoneiros que paralisou o transporte de mercadorias pelo país.
Salvador Allende, o primeiro presidente socialista eleito democraticamente na América Latina, deixou um legado duradouro que continua a moldar a política chilena e a influenciar movimentos progressistas em todo o mundo. Embora sua presidência tenha sido marcada por desafios e tragédias, sua visão de justiça social e democracia permanece relevante.
Sua morte tornou-se um alerta das ameaças à democracia e aos direitos humanos. O retorno à democracia no Chile em 1990 foi, em parte, uma homenagem ao compromisso do país com a democracia. Allende é a prova viva da possibilidade da construção do socialismo pela via democrática. Um socialismo também democrático e que tenha como pilar de sustentação a participação ativa do povo na construção de uma nova sociedade mais justa e que possa fazer com que sociedade e povo tenham uma vivência mais digna e mais feliz.
O seu legado transcende as fronteiras chilenas. Ele inspira líderes e movimentos progressistas em todo o mundo até hoje. Sua busca por justiça social, igualdade e respeito à pessoa humana ressoa com movimentos contemporâneos que buscam o fim das desigualdades, a inclusão e a justiça social em um ambiente de democracia política e solidariedade.
O sue lema “A história é nossa e são os povos que a fazem” continua sendo uma poderosa declaração de empoderamento popular. A despeito de seu governo ter enfrentado desafios e sua vida tenha terminado tragicamente, o legado de Salvador Allende perdura como um lembrete da luta pela justiça social e da importância de defender a democracia e os direitos humanos. Seu nome e seu legado continuam sendo fonte de inspiração e reflexão no Chile e em todo o mundo.