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Homem forjado na resistência, Miguel Arraes era um inconformado com a situação de abandono do ramal ferroviário do Nordeste. Arraes afirmava que o desmonte das ferrovias trazia enormes prejuízos para a economia da região. Os trilhos haviam sido arrancados e as estações em ruínas. Uma verdadeira sabotagem ao desenvolvimento.
Argumentava que o transporte ferroviário de cargas – muito mais econômico que o transporte rodoviário – reduzindo o custo do frete, daria condições bastante competitivas à produção agrícola e industrial do Nordeste.
Por isso, Arraes era um entusiasta de uma ideia centenária: a construção de uma ferrovia que veio a se chamar posteriormente de Transnordestina. Em 1847, o imperador Dom Pedro II havia determinado a realização de um estudo para construção de uma ferrovia ligando o Sertão ao litoral do Nordeste.
Durante as suas duas últimas administrações em Pernambuco, o governador Arraes lutou como pôde para tornar a Transnordestina uma realidade. Em 1989, quando Lula se candidatou pela primeira vez à Presidência da República, durante um encontro, o então governador do Estado lhe dirigiu um único pedido, caso fosse eleito: que viabilizasse a ferrovia.
Aliás, este foi o tema de um dos últimos pronunciamentos que fez antes de morrer, em 2005, no Plenário da Câmara dos Deputados. Na ocasião, condenou o processo de privatização dos 4.232 quilômetros da malha ferroviária nordestina, na forma feita e denunciou o seu estado de deterioração.
Arraes deixou claro seu descontentamento com o traçado geográfico da Transnordestina e o modelo de negócio escolhido para execução da obra num áspero debate que manteve com José Dirceu, então chefe da Casa Civil do governo Lula. Chegou a se retirar da reunião como protesto e bastante contrariado. Foi a última vez que esteve, em vida, em Brasília, pois logo em seguida veio a adoecer.
Em junho de 2006, começava a construção de mais um trecho da Ferrovia Transnordestina, incluída entre as três maiores obras privadas do País. O projeto da ferrovia prevê 1.728 km de extensão e ligando dois terminais portuários, o de Pecém, no Ceará, e o de Suape, em Pernambuco, ao sertão do Piauí.
Após uma década, o modelo de negócio para a construção da Transnordestina é um fracasso. Mais de 80 vagões abandonados (em Missão Velha, Salgueiro e Terra Nova), uma fábrica de dormentes desativada, trilhos fixados em barro, entre outros símbolos de descaso. A Transnordestina faz falta à economia nordestina.
O caso da Transnordestina encontra-se em julgamento perante o Tribunal de Contas da União e o procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, assim se pronunciou no caso: “É uma das maiores aberrações jurídicas e financeiras já cometidas na área de infraestrutura do Brasil” […] “Uma ferrovia de 1.753 km foi entregue a uma empresa privada sem licitação, sem aprovação de projetos e orçamentos, com contínuo encarecimento da obra, sucessivos adiamentos de seu cronograma, má qualidade de execução, enfim, tudo o que poderia estar errado em uma obra com recursos públicos está ocorrendo com a Transnordestina”.
A sua importância aumenta ainda mais com a ampliação do Canal do Panamá que irá aumentar o fluxo de navios para o Nordeste e a importância dessa malha viária, que integraria o Nordeste e também faria o escoamento através dos portos.
Por conta destes fatos, a Lei nº 12.460/2011, por iniciativa do executivo, que denomina “Ferrovia Transnordestina – Governador Miguel Arraes de Alencar” não atende às expectativas dos que admiram a história de luta e coerência deste grande brasileiro. O Instituto Miguel Arraes estará encaminhando à Presidência da República uma reclamação formal sobre o estado em que se encontra a ferrovia e, em caso de não serem tomadas medidas urgentes, pedirá, formalmente, a retirada do seu nome da ferrovia ou que deputado da bancada do PSB faça essa iniciativa, como protesto a essa situação de grave descaso.
No ano em que se comemora seu centenário de nascimento, Miguel Arraes deixa para as novas gerações um legado de resistência e mais uma bandeira de luta em defesa da ferrovia e do Nordeste brasileiro. Não podemos nos calar, nem desistir do Nordeste brasileiro.
Antônio Campos
Advogado e escritor
Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Miguel Arraes (IMA)
Autor: Antônio Campos