Em entrevista à Folha de Pernambuco, o deputado federal Tadeu Alencar (PSB-PE) destaca o Pacote Anticorrupção e os escândalos envolvendo o Congresso Nacional.
Marcelo Montatini
Após sucessivos escândalos, que envolvem o alto escalão da política brasileira, o Congresso Nacional experimenta um profundo desgaste de sua imagem, perante a sociedade. Apesar de ser interpretada como uma prática que garante, inclusive, a governabilidade, a corrupção passou a ser encarada como uma cultura que deve ser extirpada da política nacional, sob o risco de inviabilizar o desenvolvimento do País. Dentro deste prisma, o deputado federal Tadeu Alencar (PSB-PE) enfatiza a necessidade de aprofundar o debate sobre o tema em todas as esferas da sociedade.
Como o senhor observa a relação entre a corrupção praticada por políticos e as praticadas diariamente por cidadãos?
A corrupção, qualquer que seja a sua vertente, é sempre um mal a ser fortemente combatido. Seja corrupção das empresas, seja dos agentes públicos, seja a promiscuidade que a gente viu no Brasil recente e que tem provocado danos enormes ao País, seja a pequena corrupção, aquela do usuário do serviço que pergunta se quer com ou sem nota, com ou sem recibo. Na minha concepção, a raiz corrupção é sempre uma inclinação nociva para infringir as regras. A pequena corrupção aparentemente é mais inofensiva porque seu efeito tem um alcance social menor, em um plano mais restrito. Mas a raiz de toda ela é uma inclinação nociva aos valores da convivência social, do respeito ao dinheiro público.
As corrupções no plano público e privado se retroalimentam?
Sim. Na hora em que a população tem tolerância com as pequenas infrações, ela, diante da possibilidade de ser parte, instrumento ou beneficiária de uma grande infração, estaria em tese mais permeável aquele tipo de reação promíscua, reação que nega o espírito republicano. É claro que a grande corrupção tem efeitos muito mais deletérios, ela tem uma origem remota numa tolerância que a sociedade tem com as pequenas infrações. Eu acho que há uma inter-relação, a mesma raiz, que é uma inclinação à violação das regras. Por isso, é curioso que a mesma sociedade que tem mostrado uma intolerância com a corrupção dos políticos, do desvio do dinheiro público, da propina, é a mesma população que é paradoxalmente tolerante com pequenas infrações e que aparentemente não tem relação com esta outra maior. Mas acho que a raiz é a mesma. Na maior ou menor escala, elas devem ser combatidas.
A fragilidade de algumas instituições sociais favorecem a corrupção?
Eu acho que é uma questão cultural, em que ao longo da nossa história, lamentavelmente, houve certa cumplicidade da sociedade com a corrupção de baixo quilate e que termina fazendo com que não se fortaleça ou não se aposte no fortalecimento de instituições de controle. É uma novidade recente no Brasil ter órgãos de controle, como Controladoria, Tribunais de Contas sem influência grande da política. Agora, está havendo profissionalização da burocracia das carreiras de Estado, Advocacia-Geral da União, as Procuradorias, a Polícia Federal profissionalizada, o Ministério Público com prerrogativas, o Judiciário independente. Há uma estruturação destas instituições, que houve principalmente depois da Constituição Cidadã de 1988, que está permitindo o Estado brasileiro de enfrentar, coibir ou inibir a corrupção. Porque você vê que, em dado momento, ela (a corrupção) é sofisticada e aparelhada a burlar os controles e as instituições estão dando uma virada neste ciclo de impunidade. Estamos vendo uma corrupção requintada, refinada e planetária. E para isso é preciso reestruturação destes órgãos, a profissionalização destas instituições e inter-relacionamento de ordem global de convênio e cooperação, para que haja o combate, porque a corrupção extrapola o território de um País, como estamos vendo.
O pacote Anticorrupção, apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF), aprovado no Congresso Nacional e a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) retornou à estaca zero, sob o argumento de desvirtuação da proposta inicial. Essas medidas podem ser um real instrumento de combate à corrupção? Como o senhor avalia o projeto final aprovado na Câmara dos Deputados?
Essas medidas são inovações que foram propostas ao Congresso Nacional para fortalecer o combate à corrupção. A proposta tem a motivação nobre, que é combater o mal que vem causando muitos prejuízos às nações mundo afora, que é a corrupção. Agora, elas (as medidas) chegaram ao Congresso Nacional, que tem soberania de apreciar as questões que lhes são submetidas, pois quem está ali tem delegação popular para apreciar, para aprovar as medidas como chegam ou parcialmente ou até rejeitar. Acho que a Câmara dos Deputados fez alterações que, a meu juízo, eram alterações que retiravam aspectos inconstitucionais e autoritários daquelas medidas. Elas foram aprimoradas e a reação da sociedade foi mais pela forma – por ter votado numa madrugada, que não é nem novidade na Câmara, naquela noite de tragédia nacional e associando também ao projeto de Abuso de Autoridade (Projeto de Lei do Senado no 280/16). Acho que a gente errou muito mais pela forma do que pelo conteúdo. Estou seguro e convicto de que as alterações mantiveram aspectos importantes – como a criminalização do caixa dois, tornar corrupção crime hediondo e diminuir tempo de processo. Só essa criminalização de caixa dois, em outras circunstâncias, já seria um avanço institucional no combate à corrupção. Mas ela se deu em meio de um debate ruim para o Parlamento e nós temos que ter a humildade de compreender que demos um sinal trocado para a sociedade. A questão do Abuso de Autoridade precisa ser discutida, mas foi discutida em um momento em que deu a impressão de que alguns parlamentares tenham querido inibir a Lava Jato, mas não era o sentimento de muitos parlamentares que tenham consciência de que abuso de autoridade de qualquer poder tem que ser combatido. Não me filio entre aqueles que acreditam que foram completamente adulteradas. Acho que o processo de abuso de autoridade deveria discutir com tranquilidade, com diálogo com Poder Judiciário, Ministério Público, órgãos de controle de maneira geral para que a gente tenha um modelo que é também um desejo destas instituições de coibir os excessos, porque os excessos existem e só quem foi vítima de um abuso de autoridade e de exorbitância de um agente do poder público sabe o quanto é nocivo e pode prejudicar a cidadania. Por isso, acho que erramos mais pela forma do que pelo conteúdo, mas se há aprimoramentos a serem feitos ou resgatar algumas ideias que foram derrotadas na Câmara, o Senado deve fazê-lo porque devemos intensificar o diálogo, inclusive, com as instituições que viram nessa ação do Parlamento uma ação para atingir as prerrogativas funcionais de órgãos tão importantes como Judiciário e Ministério Público, principalmente.
Como observa os sucessivos escândalos de corrupção no Congresso Nacional? O que a classe política pode fazer para se reciclar em relação à corrupção?
Acho que tem jeito, sim. O importante é que a gente não perca de vista que a sociedade está a exigir que este combate seja feito de modo permanente, estamos vendo uma novidade no Brasil que é pela primeira vez os poderosos, empresários, políticos e agentes públicos estão tendo que prestar contas à lei brasileira. Isso é uma novidade porque, no Brasil, quem sempre esteve diante das garras da lei foram os pobres, os pretos. Há um avanço enorme pela afirmação da institucionalidade brasileira, não é só a Lava Jato. No Brasil há exemplos de que as instituições então funcionando e aqueles que violam as regras da democracia estão precisando prestar conta. Acho que vai se aprofundar, é uma coisa sem retorno. Mas há aprimoramento a serem feitos, como reforma política profunda, uma reforma do Estado brasileiro e acabar o foro privilegiado. Não faz sentido no Brasil tantas autoridades submetidas a um foro especial. Um deputado federal atropela alguém e vai ser julgamento pelo STF por quê? Ele tem que ser julgado na Justiça comum. O que tem que estar submetido ao Supremo é outro tipo de conduta e não a conduta ordinária de qualquer cidadão.