O Sínodo da Amazônia foi convocado pelo Papa Francisco em 2017, para debater as dificuldades enfrentadas pela Igreja para atender os povos da região, especialmente os indígenas. As preocupações do encontro são teológicas e remontam à encíclica Louvado Sejas, que aborda “o cuidado com a nossa casa comum”, considerando-se que a espécie “feita à imagem e semelhança de Deus” é a principal responsável pela avassaladora destruição dos recursos naturais, que suportam a vida.
O cumprimento da missão missionária da Igreja implica, no entanto, em questões políticas de primeira grandeza, a começar pelas relações que o santo Papa estabelece em sua encíclica entre pobreza e sustentabilidade, em um mundo no qual o modelo econômico predominante concentra renda e riqueza e dissemina desigualdade e exclusão social.
A leitura da questão ambiental feita pela Igreja tem uma acolhida relativamente pacífica entre os signatários das convenções internacionais sobre o clima e meio ambiente, mas recebe críticas de governos que se inscrevem nas tendências negacionistas, que desqualificam especialmente a urgência de medidas para reverter o aquecimento global.
O negacionismo tem sido, infelizmente, o partido tomado pelo atual governo do Brasil, cuja indiferença em relação aos desafios do clima e do meio ambiente serve de estímulo ao desrespeito à legislação ambiental, à ampliação do desmatamento, à violação de direitos de povos indígenas e à invasão de suas terras, prática de violência contra populações tradicionais.
Os prejuízos desta postura à imagem do país, aos nossos interesses comerciais, ao agronegócio brasileiro, setor extremamente produtivo e dinâmico, já foram reconhecidos inclusive por lideranças do setor produtivo, como o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi.
Por outro lado, as preocupações do governo brasileiro com a agenda do Sínodo da Amazônia se relacionam, como indicou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, a eventuais violações da soberania nacional.
O argumento, no entanto, é frágil. Ainda que não se possa fazer vistas grossas aos desafios geopolíticos na região amazônica – e que a faz objeto de interesses que não são exatamente os de sua população, do Brasil ou do planeta -, tratar a Igreja como uma potência estrangeira que se inscreva nesta perspectiva neocolonialista está evidentemente fora do razoável.
O grande problema para o governo está em outra área e se refere à abordagem humanista utilizada pela Igreja, ao lembrar que estamos absolutamente todos implicados com a obrigação de preservar nossa morada comum, além da responsabilidade ética de nos dirigirmos a povos vulneráveis com o respeito que sua condição e ancestralidade exigem.
A agenda do Sínodo da Amazônia nada tem, portanto, de especialmente crítico ou dúbio, como quer indicar o governo. É simplesmente uma chamada à sensatez e ao respeito dos direitos humanos, que causam escândalo apenas aos que parecem não comungar com nenhum desses valores.
Carlos Siqueira
Presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro – PSB