A subcomissão temporária criada para analisar a aplicação da Convenção de Haia em casos que envolvem mães brasileiras vítimas de violência doméstica no exterior realizou, nesta semana, sua segunda audiência pública. A iniciativa é de autoria do senador Flávio Arns (PSB-PR), que propôs o colegiado com o objetivo de dar visibilidade a essas situações e buscar soluções legais que garantam justiça e proteção às mulheres e crianças envolvidas.
Embora a Convenção tenha sido criada para protegê-las, sua aplicação automática e descontextualizada tem gerado graves injustiças a muitas mães e crianças brasileiras.
Adotada em 1980, a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças é um tratado internacional que busca combater o sequestro internacional de menores por um dos pais. A Convenção estabelece que, quando uma criança é retirada ilicitamente de seu país de residência habitual ou retida indevidamente em outro país, deve ser retornada rapidamente ao país de origem, para que as questões de guarda e responsabilidade parental sejam decididas pelas autoridades locais.
Segundo os debatedores, o desafio é garantir que essas decisões judiciais levem em conta a realidade da violência doméstica, com escuta qualificada de mulheres e crianças, avaliação da efetividade das medidas protetivas e uma articulação mais eficaz entre a cooperação internacional e os direitos humanos. O objetivo é assegurar que as mulheres não sejam impedidas de exercer a maternidade, e que as crianças não sejam submetidas a traumas ainda mais profundos.
O debate, que teve a participação de especialistas, acadêmicos e autoridades, evidenciou a necessidade de repensar caminhos, fortalecer garantias, capacitar operadores do direito sobre a complexidade da violência de gênero e assegurar que a aplicação da Convenção esteja alinhada ao interesse superior da criança, bem como à proteção e dignidade da mãe.
Sob o pretexto da celeridade processual e da cooperação entre Estados, mães brasileiras que buscam apenas proteger a si mesmas e a seus filhos de contextos violentos acabam sendo tratadas como criminosas, e não como vítimas. Em muitos casos, seus relatos são desconsiderados, os relatos das crianças são ignorados ou minimizados, e denúncias graves de abusos físicos e sexuais perdem força diante da presunção de legitimidade automaticamente concedida ao pai estrangeiro.
“Essa subcomissão tem como objetivo analisar como a aplicação dessa convenção tem afetado as mães brasileiras que, para escapar de agressões, retornam ao Brasil com seus filhos, mas acabam sendo acusadas de sequestro internacional”, explica o senador Flávio Arns, que é vice-presidente do grupo.
Segundo ele, o colegiado busca caminhos para a resolução desses conflitos, sempre priorizando a segurança e o bem-estar das famílias envolvidas. “Depoimentos de mães que enfrentam essa situação são alarmantes e evidenciam a urgência de mudanças na legislação. A criação da subcomissão traz esperança de que as vozes dessas mulheres sejam ouvidas e de que as soluções propostas promovam justiça e proteção efetiva a elas e a seus filhos”, afirma.
Empresária e mãe de três crianças, Maria Clara Botelho Peres teve seu caso transformado em um relevante precedente acerca da aplicação da convenção. A situação envolveu uma criança com paralisia cerebral e risco iminente de morte caso tivesse que retornar para a Colômbia, onde vive seu pai. Ela apontou “omissões” do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na análise da matéria de fato, “apesar de estar em jogo a vida, a saúde e a integridade” do seu filho Rafael. Com isso, o tribunal deixou de apreciar a gravidade concreta e comprovada da situação, limitando-se a aplicação formal da convecção de Haia, afirmou.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4245 e 7686, de 2025, reconheceu que a violência doméstica contra a mãe representa grave risco para a criança e deve ser considerada como uma exceção ao retorno, em conformidade com o artigo 13-B da convenção.
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