
Foto: Chico Ferreira/Liderança do PSB na Câmara
Autor: Deputado federal Luiz Flávio Gomes (PSB-SP)
Líderes e chefes de Estado ou de governo, sobretudo quando não dotados de experiência empreendedora e gerencial, revelam muita dificuldade na hora de decidirem entre o urgente e o importante. Isso costuma custar muito caro para eles e para o povo. Equívoco grave, nesse sentido, está sendo cometido pelo governo Bolsonaro. Mas antes, uma história.
Numa tribo africana a falta absoluta de água se tornou o principal problema da comunidade. Para garantir a sobrevivência do grupo, o chefe da tribo escalou dezenas de pessoas para, diariamente, irem buscar água em local distante. Paralelamente convidou um especialista (radioestesista) para, com sua sensibilidade, verificar a possível existência de poços de água subterrâneos no seu território. Depois de alguns dias de exaustivas pesquisas indicou um local bem próximo que poderia ter muita água.
Seis meses depois o especialista retornou para saber o que tinha ocorrido. O chefe da tribo disse que cavar poços era muito importante, mas o urgente, urgentíssimo, era abastecer diariamente o grupo com água. Sem tempo para cuidar do importante, só se preocupou com o urgente. O especialista disse: “Todo esforço, até mesmo extraordinário, no entanto, deveria ter sido feito para conciliar as duas coisas, porque o importante, quando é realmente importante, também é urgente”.
Notre-Dame e “Les Misérables”. As elites bilionárias francesas assim como de várias outras partes do mundo, incluindo também o governo francês de Macron, prometeram bilhões prontamente para recuperar as partes destruídas da Catedral em um acidental incêndio. Isso é importante? Sim, é importante pelo seu valor artístico, cultural, turístico, histórico e por aí vai. Mas esqueceram do urgente: a aguda crise que devasta a França e o mundo ocidental em razão dos altos impostos, desigualdade econômica, desemprego, precarização do trabalho, falta de futuro para os jovens etc.
Os gilets jaunes (“coletes amarelos”) foram para as ruas com tudo: “Macron, você tira dos pobres para dar aos ricos”; “Seres humanos primeiro”; “Tudo para Notre-Dame, nada para Les Misérables” (uma referência ao romance famoso de Victor Hugo). Um manifestante disse: “Estamos esperando medidas fortes do governo que ainda não vimos, e há urgência em atuar sobre democracia, impostos, sociedade e meio ambiente”.
O que é importante para o governo Bolsonaro? A forma mais rápida de um governo se evaporar consiste em praticar a autofagia, ou seja, governo que mata a si próprio, que cria suas próprias confusões aniquiladoras da confiança.
Para Bolsonaro o importante é falar para “seu povo”, para o “povo verdadeiro da nação” (que representa um só pedaço do país). Os populistas extremados (nos EUA, na Hungria, na Polônia, na Áustria, na Rússia, na Índia, nas Filipinas, na Itália, na Venezuela, na Turquia, no Brasil etc.) possuem características comuns: são antipolítica, antiestablishment, antissistema, antielitistas e, sobretudo, antipluralistas (posto que a pluralidade conflita com a homogeneidade do povo unificado e moralmente são).
Mas cada um deles tem agenda agregada própria. Pelo tempo que gasta, o importante para o atual governo e seus gurus é a defesa da sua revolução cultural, é a guerra ao “marxismo cultural”, é o anticomunismo, é eliminar das escolas a filosofia e a sociologia, é sua revolução moralista nos costumes, o “golden shower” (urofilia), é a cor das roupas das meninas e dos meninos, é a filmagem de crianças na escola, é o ataque aos militares das Forças Armadas, ataque aos direitos das minorias, é o fim dos sindicatos e das associações profissionais, ataques à imprensa e à Corte Suprema, fim da laicidade do Estado, a difusão das armas de fogo, intervenção na Petrobras e no Banco do Brasil, é o conservadorismo extremado fundado no patriarcalismo, no machismo e no racismo e por aí vai.
As reformas e o urgente. Para as elites econômicas (capitalismo financeiro radical) o importante são as reformas da previdência, tributária, fiscal. Mas para que essas reformas liberais profundas sejam aprovadas, é preciso que o governante tenha capital político. Se o governo não dialoga com o Congresso, tudo fica mais difícil.
Todos do governo e das elites financeiras só estão pensando no “mais importante” de acordo com a visão de cada um, mas estão esquecendo por completo o urgente. A ausência de solução para problemas imediatos poderá impedir a solução de problemas estruturais (L. E. Assis, Estadão).
O urgente que está sendo totalmente negligenciado é o seguinte: baixo crescimento econômico (previsão de 1% em 2019), 13,1 milhões de desempregados (em fevereiro/19), 43 mil vagas fechadas em março, 63 milhões de devedores que não podem pagar suas dívidas, demissão em massa dos trabalhadores, trabalho precarizado, indústrias desativadas ou ociosas (11,3% do PIB, em 2018, significa o mesmo nível de 1947), comércio falindo, empreendedores desalentados, agronegócio com problemas, construção civil emperrada, corrupção sem um firme combate, serviços públicos colapsando etc.
Essa é a pauta urgente, urgentíssima. E o que está sendo feito por ela? Não se fala em nenhuma política de crédito nem incentivo aos empréstimos. Mais: querem que os abonados façam investimentos em negócios, mas, vão vender para quem o seu produto? Com o trabalhador massacrado não existe consumidor. Só o capitalismo financeiro radical e improdutivo prescinde do consumidor.
Todas as classes sociais (de A a E), sejam de esquerda ou de direita, estão sendo ferradas pelas elites governantes e financeiras. Ninguém está preocupado com o urgente, urgentíssimo. A esperança no novo governo está se transformando rapidamente em desalento (vem caindo assustadoramente); o desalento logo se converte em raiva e desta nasce a revolta.
Isso pode significar o fim precoce de mais um governo no Brasil. Com declarações do tipo “Eu não nasci para ser presidente”, será que é isso mesmo que estão querendo?