A nova ministra do Tribunal de Contas da União (TCU), Ana Arraes, tomou posse no cargo nesta quarta-feira (26), em concorrida cerimônia realizada no edifício-sede do tribunal, em Brasília. A presidente da República, Dilma Rousseff, e o presidente do TCU, Ministro Benjamim Zymler, dirigiram a solenidade.
Compuseram a mesa da cerimônia, o presidente do Senado, José Sarney, o presidente da Câmara, Marco Maia, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, o vice-governador em exercício do Distrito Federal, Tadeu Filippelli, o governador de Pernambuco e presidente Nacional do PSB, Eduardo Campos, e o procurador-geral do TCU, Lucas Rocha Furtado.
Prestigiaram a solenidade de posse, os governadores socialistas Cid Gomes (CE) e Renato Casagrande (ES), o vice-presidente Nacional do PSB, Roberto Amaral, e o primeiro secretário Nacional da legenda, Carlos Siqueira, além de outros membros da Executiva Nacional.
Também estavam presentes, ministros de Estado e os governadores do Sergipe, Marcelo Deda (PT), de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB).
Ana Arraes foi eleita ministra do TCU, com 222 votos, e teve sua nomeação expedida por decreto presidencial de 29 de setembro de 2011. A vaga que ocupa é decorrente da aposentadoria do ministro Ubiratan Aguiar, ocorrida em agosto. Ela é a segunda mulher a ocupar o posto de ministra da Corte e terá pela frente a função de fiscalizar obras e finanças da administração pública federal. A ministra é advogada e, em seu segundo mandato como deputada federal, foi titular da Comissão de Defesa do Consumidor e líder do bloco PSB-PTB-PCdoB.
Leia a íntegra do discurso de posse de Ana Arraes.
Senhor Presidente, Ministro Benjamin Zymler
Senhora Presidente da República, Dilma Roussef
Senhores Ministros,
Autoridades presentes
A maior virtude de um magistrado é o equilíbrio, mas com a coragem de saber decidir. Não há justiça sem equilíbrio. Chego ao Tribunal para perseguir ambos. E não há justiça possível numa Corte de Contas que tem em seu nascedouro a assinatura de Rui Barbosa, se há complacência com o mau uso dos dinheiros públicos, com a corrupção, com a improbidade.
Chego a esta Casa, portanto, para fortalecer a sua sólida tradição de combate às iniquidades de todos os quilates.
Tenham certeza os Senhores Ministros, os servidores deste Tribunal, Senhoras e Senhores, que aqui chego com as mãos honradas, com a minha história, com as pegadas que desenhei na areia, com os sonhos que alimentaram o meu ideal, com a militância política que entendo ser, toda ela, sem modéstia, um ato de devoção ao povo brasileiro, anônimo, esquecido, vítima de um desdém histórico que está na raiz de todas as desigualdades.
Desigualdade é falta de equilíbrio. Falta de justiça, pois.
Chego ao Tribunal de Contas da União para cerrar fileiras, sem tréguas, em defesa dos dinheiros públicos, para honrar o esforço e o suor dos brasileiros, submetidos a uma onerosa carga tributária e que têm o direito e, mais que isso, a prerrogativa cidadã, de vê-los aplicados no enfrentamento e na superação dos graves problemas de um País que oscila – estupefato – entre a condição de uma das maiores economias do planeta e a de ostentar indicadores sociais de fazer corar a face do mais alheio dos alienados.
Desigualdade é desumana injustiça.
Por isso, Senhor Presidente, a minha fé num Brasil justo – crença que carrego como carrego comigo as minhas mãos – não me traria até este momento, senão para reafirmar aquilo em que acredito e que aprendi muito cedo, que a função pública deve ser exercida, unicamente, como oportunidade de servir.
E ao render este tributo à mais nobre das missões desta Corte – perseguir a boa aplicação dos recursos públicos – aludo ao mandamento constitucional que ora se cumpre, que preconiza que a composição desse magnânimo Colegiado, tenha representantes do Congresso Nacional.
Tal fato é de extremada significação uma vez que o constituinte brasileiro prestigiou o poder político ao determinar que na cúpula do órgão de controle externo, dois terços dos seus membros sejam legitimados pela crisma de ambas as casas legislativas.
O controle externo a cargo do Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União e em estreita colaboração com este é, assim, uma delegação do povo, um dever republicano, um mandato conferido pela sociedade para que o parlamento fiscalize a aplicação das riquezas nacionais, dilapidadas por anos de um patrimonialismo lesivo e avesso a partilhas.
E se o controle externo e a fiscalização da administração pública federal estão a cargo do Congresso Nacional, não se cumpriria com rigor tão relevante atribuição não fora a existência do Tribunal de Contas da União, com o seu acúmulo de experiência técnica, com a sedimentação da jurisprudência administrativa, a servir de guia aos gestores públicos e o relevante papel do colegiado que, embora com serenidade, vem agindo com rigor para assegurar que a atividade governamental, se faça nos estreitos limites das leis do País, inclusive como indutora de desenvolvimento com justiça social.
Assim, esta posse, investidura sobremodo honrosa, enche-me de graves responsabilidades, porque deriva – em linha direta – do mandato popular que me fora confiado pelo povo do meu Estado, Pernambuco.
Foi a política, como representação maior da sociedade, com a legitimação que deriva da investidura popular, que construiu a democracia, que fortaleceu a institucionalidade dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, o Poder Judiciário independente e soberano.
Quando faltou a política avultaram os surtos autoritários, que fecharam o Congresso Nacional, amordaçaram as instituições, perseguiram o pensamento livre e permitiram a administração dos negócios públicos ao arrepio das leis.
Quando se fez presente a política, a voz da sociedade que ressoa também nesta Casa, se fez ouvir com altivez e construiu a democracia plena que faz do Brasil um País respeitado, com suas instituições em pleno funcionamento.
Pernambuco é a raiz da minha vida. A sua notável tradição de irredentismo é a melhor herança que alguém pode desejar e receber.
Quando o Brasil engatinhava Pernambuco já liderava revoluções libertárias.
Foi assim quando da junção das três raças – o branco português, o negro e o índio – associados na luta para expulsar o invasor holandês e restaurar a dignidade pernambucana; assim se deu também no primeiro grito de república, em 1710, com Bernardo Vieira de Melo; com a revolução pernambucana, em 1817, com a Confederação do Equador, à frente o filho do Tanoeiro, Frei Caneca e com a Revolução Praieira, em 1848.
Pernambuco é sinal de ação libertária, uma terra, nas palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Veloso, “onde os homens sempre estiveram de pé“.
Orgulha-me representar o meu Estado em razão da generosidade das pernambucanas e dos pernambucanos, que, por duas vezes, me concederam a honra de me eleger deputada federal, sendo a última vez, com a força de quase 400.000 votos, a mais votada do Estado, o que me obriga, em qualquer circunstância, a defender o legado de bravura e irredentismo do Leão do Norte, onde quer que eu vá.
Agradeço a cada um dos que me confiaram o seu voto e a sua confiança, assegurando que continuarei a honrar os compromissos que assumi, despindo-me do mandato, ao qual renunciei por exigência legal, mas vestindo as vestes talares de julgadora, a toga de juíza, que, por natureza, contém os seus próprios limites, mas jamais renunciando aos votos que fiz de defender o Brasil, o seu patrimônio, os brasileiros, os recursos públicos, a decência na vida pública, a ética na política.
Transmudo o exercício do meu mandato em mandato distinto, tão elevado quanto o anterior, que me confere outro múnus público, na forma diverso, mas de igual relevo, e com origem, ambos, na fonte de onde emana todo o poder.
Antes recebi a delegação de representar o povo na defesa dos seus interesses perante o parlamento brasileiro; agora recebo deste mesmo povo e do parlamento em seu nome, a obrigação de, junto com os meus eminentes pares, fiscalizar o uso dos dinheiros por ele, povo, depositados à conta da fazenda pública, cumprindo-me concorrer para sua boa e fiel aplicação.
Digo-o sem assombros: serei implacável no combate à improbidade e ao crime.
Não há democracia sem controle. Controle e transparência são as duas pernas do Estado democrático de direito, para não dizer sua alma, sua essência.
Controle, controle sempre, mas, permitam-me Senhores Ministros, um controle inteligente, voltado a que o Estado brasileiro cumpra o seu papel de servir à sociedade, ofertando serviços públicos de qualidade.
Por outro lado – tenho sustentado – o controle deve servir a aperfeiçoar a gestão dos governos e não a paralisá-la, quando não, inviabilizando-a, pois que é fugaz o tempo de quem governa.
Se é verdade que o tempo do controle é diferente do tempo da gestão, parece lição a ser cultivada que aproximar esses tempos, sem desfigurá-los, é tarefa do controle moderno, que busca dar materialidade ao também constitucional princípio da eficiência.
É pobre e em descompasso com o Brasil de hoje, com a maturidade da nossa democracia, o controle dissociado do compromisso com o resultado das políticas públicas.
Neste momento gostaria de fazer um registro de ordem pessoal. Adolescente, perdi minha mãe com 13 anos e vi o meu pai, de Governador eleito pelo povo, transformar-se num preso político do regime.
Todavia, ao invés de me deixar marcar apenas pela dor e pelo intangível sofrimento, nada me seria tão valioso na vida que ver meu pai, Miguel Arraes, provocado a tanto pelos militares, negar-se a renunciar e afirmar que o mandato popular havia sido concedido pelo povo e que só este o poderia retirar.
Tal conduta foi fundamental para manter-me a moral ereta, como prova de coragem, que é uma marca de Pernambuco.
Essa mesma coragem moldou o caráter dos meus dois filhos, Eduardo e Antônio.
O primeiro, Eduardo, pela segunda vez Governador, após ocupar diversos cargos, como Secretário de Estado, Deputado Estadual e Federal, Ministro de Estado, vem realizando obra de fôlego, com um modelo de gestão pública arrojado que está transformando a realidade sócio-econômica de Pernambuco.
Um orgulho de Pernambuco, o seu Governador, cujo trabalho infatigável em favor do desenvolvimento e crescimento com inclusão tem merecido o aplauso indistinto dos seus concidadãos, em especial daqueles que mais dependem da ação estatal, fazendo com que minha condição de mãe, suspeita que fosse, não me impeça de admirá-lo e saudá-lo com a bênção do meu amor maternal.
O outro filho, Antônio, advogado e escritor reconhecido, além de sólida militância nas lides jurídicas é um intelectual de escol, membro da Academia Pernambucana de Letras e também razão do meu orgulho, da minha admiração e do meu reconhecido amor.
A ambos, o meu reconhecimento e gratidão, pois são meus pilares.
Às minhas noras, Renata e Danielle, companheiras solidárias de todas as horas a minha alegria de tê-las como filhas muito queridas.
Aos meus queridos netos: Maria Eduarda, João, Pedro, Luiz Felipe, Marco Antônio e José a felicidade de tê-los. Recebam o carinho e o amor de sua avó.
Agradeço a Madalena Arraes, minha segunda mãe, a sua importante presença em nossas vidas.
Aos meus queridos irmãos e irmãs, agradeço a grande fraternidade que nos une e permitiu superarmos os grandes desafios que a vida nos deu.
Mulher – num tempo em que apesar de toda a luta pela afirmação feminina ainda é grande a discriminação e a opressão das mulheres – é um orgulho chegar ao Tribunal, trazendo no rosto as marcas de ser mulher, nordestina, com a pele tostada pelo sol da vida, e dividindo com a ex-ministra Elvia Lordello Castello Branco, o privilégio de ver as mulheres ocuparem esta digna Magistratura.
À ministra Elvia, que integrou este Tribunal de Contas da União, de 1987 a 1995, as minhas homenagens.
As minhas homenagens também à Presidenta da República, Dilma Roussef, que vem dignificando a mais alta magistratura do País com espírito público e firme comando, dando seguimento ao momento extraordinário vivido pelo Brasil, de crescimento e enfrentamento das desigualdades, a quem agradeço a deferência de prestigiar esta solenidade. O lema do seu governo de que País rico é País sem pobreza é um primor de compromisso com o enfrentamento dessa verdadeira chaga social.
Registro também as minhas homenagens ao Presidente Lula, operário, filho do povo, que com seu governo deu demonstrações de talento político e de uma obra administrativa que mudou o Brasil e sua imagem internacional.
Agradeço, de modo penhorado, às generosas palavras do Ministro Walton Alencar Rodrigues que tocaram fundo a minha emoção.
Aos demais Ministros, eminentes pares, Benjamin Zymler, Presidente da Casa, Augusto Nardes, Vice-Presidente, Valmir Campelo, Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro, José Múcio e José Jorge, agradecendo a acolhida com que fui recebida, afirmo que me guiarei, humildemente, pelas lições que sedimentaram a respeitabilidade desta Corte, procurando contribuir para o seu engrandecimento institucional.
Ao Ministro Ubiratan Aguiar, a quem tenho a honra de suceder, registro a minha calorosa saudação e o merecido reconhecimento a quem exerceu a sua judicatura com serena e mansa autoridade.
Aos Ministros Augusto Sherman, Marcos Bemquerer, André Luis de Carvalho e Weder de Oliveira registro que trago a disposição de trabalhar, de modo incansável, para fortalecer o Tribunal, a minha Casa a partir de agora, a quem me entrego sem reservas.
Aos membros do Ministério Público junto ao TCU, o Procurador-Geral Lucas Furtado, o Subprocurador-Geral Paulo Bugarin, a Subprocuradora-Geral Cristina Machado e os Procuradores Marinus Marsico, Júlio Marcelo de Oliveira e Sergio Caribé o meu tributo ao valoroso papel do Ministério Público no aperfeiçoamento do complexo ofício de julgador.
Ao corpo técnico, deixo a minha palavra de confiança e de esperança no serviço público brasileiro, pela seriedade, talento e compromisso com o Brasil e expresso a crença de que o que faz forte o Tribunal de Contas da União é a responsabilidade com que exercemos – todos nós – o nosso múnus público.
Meus sinceros agradecimentos aos deputados e deputadas, senadores e senadoras, aos partidos políticos da base governamental e da oposição que me confiaram a honra de representá-los nesta casa, ratificando o compromisso de honrar essa confiança, na busca incessante de defender os melhores interesses do meu País.
Na vida, devemos exercitar tarefas com paixão. A paixão é que move o mundo e eu tenho paixão pelo que elegi como razão da minha vida: a política. Deputada, fui eleita pelo povo para servi-lo. Até aqui fui fiel ao que o povo me confiou. Serei também fiel a este mesmo povo que me outorgou, através do parlamento brasileiro, a respeitável função de Ministra do Tribunal de Contas da União, honrando as melhores tradições das mulheres guerreiras do Brasil.
Invoco uma delas, a respeito de quem apresentei projeto ora em tramitação no Congresso Nacional, para integrar o panteão dos heróis da pátria: Bárbara de Alencar.
De Bárbara, pernambucana de Exu, conterrânea do grande artista Luiz Gonzaga, deve-se dizer que se contaminando dos ideais da Revolução Pernambucana de 1817, levantou o Cariri contra o jugo do império português e proclamou a república no Crato, em 03 de maio de 1817. Em razão dessa rebeldia, impensável num tempo em que à mulher sequer era dado o direito de velar os seus mortos, foi presa e confiscados todos os seus bens, constituindo-se na primeira presa política do Brasil.
É exemplo que deve guiar as nossas ações, pois emprestou sua vida ao Brasil livre e republicano, um sonho atual, pois que é tarefa que não cessa.
E o exemplo deste Tribunal ajuda a construir o Brasil que sonhamos.
Invoco a sabedoria de Cora Coralina para dizer: “Procuro semear o otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.”
Que Deus me conceda a graça de seguir lutando por um Brasil fraterno, solidário, equilibrado e justo.
Muito obrigada.
ANA ARRAES Ministra
* Com informações do Tribunal de Contas da União e da Liderança do PSB na Câmara.