Modelo racional
A homologação pelo juiz Sérgio Moro do acordo de leniência entre a empreiteira Andrade Gutierrez e o Ministério Público Federal teve impacto no Congresso Nacional e na sociedade. O procedimento adotado pelo MP e pela Justiça atenta para alguns aspectos que precisam ser considerados na regulamentação da matéria.
O acordo de leniência tem origem no Direito americano e foi introduzido na legislação brasileira como mecanismo de manutenção da concorrência em função da prática de infração à ordem econômica. Em 2013, como respostas às manifestações sociais, foi aprovada a lei nº12.846 – Lei Anticorrupção, que assimilou o instituto.
No plano concorrencial, os ilícitos afetam interesses de empresas particulares. No campo da Lei Anticorrupção estão em jogo o patrimônio público e a moralidade administrativa. A compreensão dessa distinção é essencial para definir a modelagem constitucionalmente adequada à regulação da matéria.
A repressão aos ilícitos anticoncorrenciais é reservada à União a partir da atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), na esfera administrativa, e pelo MPF, na criminal. Para combater os ilícitos da administração pública existe uma rede de controle integrada por órgãos autônomos, nas três esferas de governo, exigindo harmonização das respectivas competências constitucionais e legais, sob pena de questionamentos no Judiciário que podem instaurar um quadro de insegurança jurídica.
O projeto de lei nº 5.208, de 2016, é uma alternativa para aperfeiçoar os acordos de leniência. A iniciativa foi elaborada por um grupo de acadêmicos e especialistas, entre advogados, juízes, ministros, conselheiros e auditores de controle externo e procuradores, após amplo debate realizado em seminário promovido pela Uerj e pelo Tribunal de Contas do Estado.
A proposta visa a assegurar racionalidade ao modelo, respeitando as diversas competências legais dos órgãos de controle, observadas as características de cada uma para definição do papel que desempenharão na prática. Garante-se, assim, amparo jurídico aos acordos e às empresas com a homologação judicial das avenças, preservando empregos, quando houver cooperação entre pessoa jurídica infratora e o poder público lesado.
Além disso, compensa os cidadãos pelos danos causados pela corrupção, com a criação de um Fundo Nacional de Combate à Corrupção, destinando os recursos das multas para várias áreas, como educação, saúde, ciência e tecnologia e meio ambiente, e também para financiamentos de pesquisa, de incentivo à cidadania e controle social da gestão pública.
Por acreditar nos benefícios que a referida proposta poderá resultar para a sociedade, defendo, após os devidos debates com os interessados, a aprovação do projeto de lei nº 5.208, de 2016.
* Artigo publicado originalmente no jornal O Globo em 16/05/2016