A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal realizou , nesta terça-feira (31), audiência pública para rememorar os 51 anos do golpe civil e militar de 1964, que depôs o governo legalmente constituído de João Goulart.
O pedido para a audiência foi feito pelo senador João Capiberibe (PSB-AP), ele próprio vítima do regime militar. Para o senador, é preciso que os fatos acontecidos há meio século sejam lembrados e repudiados, “para que os jovens nascidos na democracia conheçam a história do seu país e contribuam para o aperfeiçoamento dela”. Ele lembrou que a ditadura de 1964/1985 deixou marcas que persistem até hoje:
“É importante que a sociedade saiba, porque a ditadura deixou consequências que duram até hoje. Por exemplo, o caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo e de milhares de outros. As execuções sumárias feitas pelos policiais. Isso é uma consequência da ditadura. Aqueles que lá atrás sequestraram e assassinaram brasileiros não foram punidos. Eles estão aí”, afirmou o senador.
Entre as falas, todas muito contundentes sobre o período sombrio da ditadura militar, uma das mais emocionadas foi a da deputada Janete Capiberibe, sobre o sequestro sofrido, juntamente com seus três filhos pequenos, quando tentava retornar do exílio.
“Não é fácil relembrar. Precisamos criar um movimento na Câmara dos Deputados para estimular a apresentação de projetos que punam os crimes ocorridos durante a ditadura militar”, anunciou a socialista, que também denunciou o atual governador de seu estado, o Amapá, por boicotar e interromper as atividades da Comissão da Verdade estadual.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) destacou a importância do debate para as novas gerações.
“Muitos jovens não têm a menor ideia do que foi a ditadura militar e reverberam o ledo engano de que não havia corrupção. Quem não conhece o passado, não reconhece o seu lugar na História. Daí a importância da memória”, ressaltou Chico que também é professor de História.
A revisão da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) foi tema de praticamente todas as falas dos participantes da audiência. Capiberibe afirmou que irá apresentar diversas propostas legislativas após analisar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes cometidos na época da ditadura. O trabalho, iniciado em 2012, foi concluído no final de 2014.
“Enquanto houver algum desaparecido político, nós não podemos cruzar os braços. Nós temos que prestar contas até o último ser humano que a ditadura desapareceu”, disse.
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) lembrou que um projeto de sua autoria, já aprovado pela CDH, revisa a Lei da Anistia e está parado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Segundo o senador, a lei, que anistiou crimes cometidos no período pelos militares, não foi aprovada no Estado democrático, mas foi, isto sim, "uma imposição de um regime arbitrário".
Crimes imprescritíveis
Em 2010, oito meses depois que o Supremo Tribunal Federal validou a Lei da Anistia, a Corte Interamericana determinou sua revisão, baseada no entendimento de que determinados atos ilícitos – como a tortura, morte e ocultação de cadáveres de adversários políticos – são considerados "crimes contra a humanidade", sendo assim imprescritíveis à luz do Direito Internacional. No final do ano passado, o ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou que corte deve voltar a examinar a Lei da Anistia.
Na audiência pública da CDH, a vice-presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato, disse que não adianta o país pedir perdão pelos erros do passado, mas não tomar uma atitude diferente no presente. Ela tem esperança de que a Lei da Anistia seja modificada no Supremo Tribunal Federal em breve.
“Há um novo componente no Supremo Tribunal Federal. Há uma condenação da Corte Interamericana determinando a revisão da Lei da Anistia, há uma disposição de muitos procuradores da República, o que nos possibilita, em breve, se Deus quiser, que haja essa modificação da Lei da Anistia no Supremo Tribunal Federal”, acrescentou ela.
Também defenderam a revisão da lei a coordenadora do Grupo Independente de Familiares dos Mortos e Desaparecidos, Eliana Castro, e a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas Dulce Pandolfi.
“Embora não concordando com Lei da Anistia, tivemos que aceitar, de modo pouco agradável, que o benefício também fosse dado para aqueles que torturaram, mataram e fizeram verdadeiro extermínio daqueles jovens, apenas porque [eles] não concordavam com o fim das liberdades no país”, recordou Eliana.
Para o jornalista e escritor Luiz Claudio Cunha, autor do livro Operação Condor – o sequestro dos uruguaios, que relatou a colaboração de agentes de repressão na prisão de opositores refugiados em países vizinhos, há omissão por parte do Parlamento. Segundo ele, apenas dois projetos de revisão da lei se encontram em tramitação: um no Senado, de autoria de Randolfe; e outro na Câmara, de iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSB-SP).
“A tortura é crime de lesa-humanidade e o Brasil é o único país do mundo em que não há um torturador na cadeia, nem condenado nem julgado”, disse.
Um país que caminhava para a vanguarda política
O jornalista e ex-deputado estadual da Bahia, Domingos Leonelli (PSB/BA) destacou o período de grandes avanços sociais em que se encontrava o Brasil à época do golpe.
“O que vivemos em 64 não foi um golpe apenas militar, uma aquartelada. Havia uma revolução social democrática em marcha. Desde Getúlio, passando por Juscelino, e principalmente com Jango, através das reformas de base, urbana e agrária, que seriam implementadas. O país caminhava para um processo de transformação bastante significativo. Que país seria este se não tivesse passado por esse golpe? O que vivemos em 64 foi, na verdade, uma contrarrevolução”, disse.
O cineasta Alípio Freire fez uma homenagem a Iramaia Benjamin, mãe de Cid Benjamim, fundadora Comitê pela anistia e também uma análise da conjuntura política atual
“Iramaia é uma das figuras mais fantásticas que conheci e que me faz falta, precisa ser lembrada sempre. Muita coisa foi tratada aqui. Não sou pessimista mas temos que dar uma aterrissada. Essas manifestações? São as redes sociais que provocam isso? Nunca. As redes sociais estão pautadas pela grande mídia”, provocou.
Ao final das mais de quatro horas de relatos e testemunhos debatidos durante a adudiência, o presidente da CDH, Paulo Paim, sugeriu que o evento tivesse o conteúdo editado em vídeo para que seja utilizado em escolas e espaços educativos.
Compareceram à audiência a professora da Fundação Getúlio Vargas Dulce Pandolfi; os jornalistas e escritores Cid de Queiroz Benjamin e Luiz Cláudio Cunha; a vice presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato; a coordenadora do Grupo Independente de Familiares dos Mortos e Desaparecidos, Eliana Castro; a representante do Comitê pela Verdade do DF, Iara Xavier, o procurador federal Luciano Maia, o deputado federal Chico Alencar, a deputada federal Janete Capiberibe, o ex-deputado Domingos Leonelli, o cineasta Alípio Freire e o ex-preso político Gilney Viana.