Em audiência pública sobre o novo Código Florestal (PLC 30/2011), nesta quinta-feira (10), na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), sob a presidência do senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), a pesquisadora Maria Teresa Piedade, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), chamou a atenção para as florestas úmidas da Amazônia, que segundo ela ainda não foram devidamente contempladas no projeto.
De acordo com Maria Teresa, a proposta em discussão no Senado deve levar em conta que cerca 30% da bacia amazônica é formada por área úmida florestada, o que representa 1, 5 milhão de km² . Disse que nessas localidades as inundações ocorrem numa área maior que em outros biomas e se forem mantidos dispositivos do texto aprovado esta semana em duas comissões, muitas florestas da região desaparecerão.
Ela defendeu que sejam adotados parâmetros idênticos aos do Código Florestal de 1965, pelos quais as Áreas de Preservação Permanente (APPs) são medidas a partir do nível mais alto dos cursos d’água e não pelo leito regular, como consta no texto atual. A representante do Inpa sugeriu que as faixas marginais de qualquer curso d’ água natural sejam medidas desde suas bordas quando as águas se encontram em seu nível mais alto, ou uma média entre os cinco níveis mais altos.
Dessa forma, uma extensão maior de APP ficaria resguardada. "Não há justificativa para baixar esse nível e deixar de proteger as áreas úmidas. Para a Amazônia isso seria um contrasenso. A vegetação das áreas alagáveis dos grandes rios tem múltiplas funções e proporciona diversos serviços ambientais”, ressaltou.
Exceções para o bioma
Após ouvir as explanações de Maria Teresa, o senador Rodrigo Rollemberg disse que é necessário criar exceções no projeto para o bioma Amazônia, pois nos outros biomas geralmente os rios são "encaixados” e na região amazônica eles são muito extensos e provocam inundações todos os anos, por causa do alto índice de precipitação. Nesse caso, a redução das APPs nas áreas úmidas comprometeria a regulação climática.
"Nosso grande desafio é dar tratamento diferenciado para esse bioma. Precisamos buscar, por conceito ou medição, critérios para fazer as exceções necessárias, a fim de proteger as florestas em áreas inundáveis, que têm uma importante função na regulação do clima”, afirmou.O relator do código na CMA, senador Jorge Viana (PT/AC), admitiu que uma única regra para todo o país não funciona e disse que contará com a colaboração da pesquisadora do Inpa para tentar melhorar a redação do projeto no que se refere ao bioma Amazônia.
Também presente à audiência, João Gilberto Lotufo Conejo, diretor de regulação da Agência Nacional de Águas (ANA), afirmou que a agência trabalha na perspectiva de garantir o ciclo de água e que as matas ciliares têm papel fundamental na preservação ambiental e no escoamento da água. Manifestou sua preocupação com a diminuição da faixa de proteção ao longo dos rios e defendeu que seja mantida a preservação de 30 metros de mata ciliar, conforme o Código de 1965.
Pedro Ubiratan, chefe da Procuradoria do Estado de São Paulo em Brasília, também participou da reunião. Apesar de considerar que o relatório do código já trouxe avanços, criticou a anistia a quem desmatou florestas até 2008 e a proposta de redução do tamanho das APPs. Advertiu que decisão do Supremo Tribunal Federal, ano passado, considerou inconstitucional a eliminação de vegetação em APP. De acordo com ele, seria bom o Senado consultar essa decisão, com o objetivo de produzir um texto final "que não se torne alvo de contestação judicial”.
Emenda para estados legislarem
A possibilidade de os estados criarem leis ambientais para regular questões ambientais voltou à tona na discussão da reforma do Código Florestal durante audiência pública da CMA. O senador Luiz Henrique (PMDB/SC) disse que elabora uma emenda ao projeto, permitindo que as assembleias legislativas votem legislações para os casos de ocupações em áreas consolidadas que apresentam atividades de baixo impacto ambiental.
"Existem diversas situações que podem ser resolvidas pelas assembléias. Elas apresentariam propostas formuladas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente. O projeto terá embasamento do Conselho do Meio Ambiente que, no caso de Santa Catarina, por exemplo, é um órgão bastante operoso. Talvez esse seja o caminho”, destacou.
Stela Goldenstein, ex-secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, uma das convidas da audiência pública no Senado, concorda com a ideia de que os estados possam legislar de forma complementar sobre o assunto . Segundo ela, o código deveria ter um dispositivo para que União, estados e municípios façam leis referentes às áreas urbanas. Além disso, afirmou que os senadores devem fazer a integração do Código Florestal com o Estatuto das Cidades.
"Enquanto não houver regras locais, ficam valendo as do código geral. Os comitês de bacias hidrográficas vão estabelecer que áreas de florestas nas cidades serão protegidas”, observou. Ela entregou aos senadores um documento com uma série de propostas para melhorar o projeto, entre elas o uso dos recursos do pré-sal para proteger as florestas. O argumento da especialista é que a queima de combustíveis fósseis provoca o aumento do efeito estufa, o que exige uma compensação pelo dano ambiental . Pela proposta, da parcela de recursos do pré-sal que vai para a União, 1% seria destinado à mitigação por mudanças climáticas.
Conforme Stela Goldenstein, o código de 1965 nunca foi efetivamente cumprido porque fez normas para todo território, ignorando aspectos locais, como as bacias hidrológicas e a economia. O segundo motivo do fracasso da matéria teria sido porque o aparato público para sua implementação foi inadequado. Por isso, ela concluiu que no futuro código devem constar – além do comando e do controle -, medidas fiscais, tributárias e incentivos à preservação do meio ambiente.