A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (22) o texto -base da Medida Provisória 1026/20, que cria regras simplificadas para compra de vacinas, insumos e serviços contra a covid-19.
A proposta também facilita o registro pela Anvisa caso a autoridades sanitárias de outros países já tenham dado seu aval. O texto ainda propõe prazo de sete dias para antecipar a liberação “sem comprometer a segurança”.
O PSB teve posição favorável à matéria por considerar a necessidade de dar celeridade ao processo de vacinação no país.
No entanto, segundo o líder da bancada, Danilo Cabral (PE), o partido apresentará destaques por discordar da possibilidade de laboratórios privados adquirirem vacinas contra a covid-19.
Essa autorização foi incluída pelo relator da proposta, deputado Pedro Westphalen (PP-RS), que defende a participação do setor empresarial no Plano Nacional de Imunização.
Há duas condições previstas na proposta: os laboratórios terão que doar pelo menos 50% para o Sistema Único de Saúde (SUS) e respeitar a lista de grupos prioritários. Entretanto, Westphalen dispensa os laboratórios dessas “obrigações” desde que os segmentos prioritários estejam imunizados.
O líder do PSB manifestou “preocupação com a possibilidade da privatização do acesso à vacina”. “É uma pauta muito importante, que tem mais expectativa da sociedade brasileira para que esta Casa dê sua contribuição no sentido de garantir o acesso e o direito universal a todo o povo brasileiro à vacinação”, afirmou o líder durante a sessão.
“Nós vamos garantir através de destaques que aqueles que tenham acesso ao SUS tenham acesso à vacina. Não podemos, nesta Casa, legitimar o ‘fura-fila’. Por isso, o PSB orienta sim, mas vai apresentar destaques para não permitir a privatização do acesso à vacina”, disse.
Vacina e desigualdade social
Para o médico e pesquisador da Fiocruz Odorico Monteiro, o governo tem condições de comprar e distribuir os imunizantes a toda a população pelo Programa Nacional de Imunização, sem o auxílio da iniciativa privada. Na avaliação do ex-deputado federal do PSB, a autorização para que laboratórios privados adquiram vacinas contra o covid-19 fará aumentar a desigualdade entre ricos e pobres.
“A nossa estrutura de vacina tem que ser pública, tem que ser garantida para produção pelo SUS. Mesmo que os imunizantes sejam produzidos por laboratórios privados, o SUS é quem deve fazer a aquisição e a distribuição. Em uma pandemia como essa, onde a população mais pobre, de menor IDH, é quem está morrendo no Brasil, abrir a possibilidade de vender vacina pra quem pode pagar só aumentará a injustiça social”, avalia Monteiro, que é atual vice-presidente do PSB no Ceará.
“É fundamental que o PSB se posicione sobre esta matéria. O partido defende o SUS e já teve o ex-ministro Jamil Haddad como grande defensor da saúde pública. Nós entendemos que a saúde no Brasil, de acordo com o artigo 196 da Constituição diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, declara Monteiro.
Para o socialista, este é o momento de o Brasil investir em tecnologias e nos institutos públicos para que o país seja um grande produtor de vacinas no mundo, inclusive detendo a tecnologia de ifa’s (ingredientes farmacêutico ativo), como é o caso da Fiocruz, que atualmente produz o ifa da febre amarela mais confiável do mundo.
O posicionamento também é seguido pelo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Saúde (Conass), que diz que a disponibilização de imunizantes pela iniciativa privada vai contra o princípio de universalidade do SUS. “A imunização deve seguir critérios técnicos e não o poder de compra”, defende, em nota. “A proteção dos mais suscetíveis é a melhor forma de reduzir internações e casos graves”.
Especialistas da área da saúde defendem que o Governo precisa garantir a compra de doses suficientes para proteger a sua população e seguir uma fila única de prioridade para garantir que as populações mais vulneráveis sejam vacinadas primeiro, desafogando o sistema de saúde e estancando a dura marca de mais de 1.000 mortes diárias que o país enfrenta. Fugir dessa fila única, avaliam, pode ampliar a já caótica campanha de vacinação brasileira contra a covid-19.
Critério é “antiético” num país desigual
Na última semana, o Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês emitiu parecer contrário à participação do setor privado na vacinação. “Ao desrespeitar uma fila única para um bem escasso e necessário a todos, priorizando indivíduos com maiores privilégios ou maior poder em detrimento de indivíduos que possam mais se beneficiar, compromete também a solidariedade que gera a coesão social necessária para viver em sociedade”, diz o texto.
“É antiético em um país desigual como um Brasil colocar como critério quem pode pagar. Mas tem um problema maior, de natureza sanitária e epidemiológica”, aponta o advogado e médico sanitarista Daniel Dourado. “Toda vacina que chegar ao país precisa ir para os grupos prioritários pelo SUS para diminuir o risco de morte e a pressão sobre o sistema de saúde”, defende.
Dourado afirma que permitir a compra de vacinas privadas neste momento não ajudaria o SUS, já que existe um cenário global de escassez de imunizantes, com os grandes laboratórios sem conseguir dar conta da alta demanda mesmo com o aumento de suas plantas produtivas.
Mesmo que metade das doses adquiridas pelo setor privado seja direcionada ao SUS, Dourado vê prejuízos. “O Governo não pode se dar ao luxo de vacinar antes os jovens mesmo que seja para uma retomada da economia porque vai faltar para os idosos e profissionais de saúde, que têm mais risco de se infectar e agravar. O Governo não pode se dar ao luxo de abrir mão de nenhuma dose”, defende.
Ele diz que, no contexto atual, Estados e municípios podem e devem requisitar doses que eventualmente sejam adquiridas pelo setor privado para serem aplicadas pelo sistema de saúde público. Não se trata de um confisco, e as empresas teriam que ser indenizadas. “Seria mais caro. Ainda assim vale mais a pena do que gastar com leito de UTI e com respirador e ter mais gente morrendo. Não vejo nenhum cenário em que a vacinação privada possa ajudar neste momento”, defende.
A enfermeira epidemiologista Ethel Maciel, que participou do grupo para a formulação do plano nacional de vacinação contra a covid-19, concorda. “Se tivesse vacina sobrando, não teria problemas da iniciativa privada adquirir as doses. É um problema porque estamos em uma pandemia e precisamos garantir acesso igualitário quando a gente tem escassez de produto”, argumenta. Maciel explica que as campanhas de vacinação têm grupos prioritários e metas que precisam ser cumpridas para chegar à proteção coletiva.
A discussão sobre mudanças na legislação sobre a importação de vacinas por empresas privadas ganhou força com a negligência do governo Bolsonaro na liberação, compra de vacinas. Laboratórios e clínicas privadas tentam acelerar as importações com vacinas fora do círculo Butantan/Coronavac e Fiocruz/ AstraZeneca.
A proposta que será votada pelos deputados acelera esse processo e dispensa a exigência de que os testes de fase 3 (em humanos) sejam realizados no Brasil para obter o registro. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já eliminou essa regra para aplicação emergencial (pelo SUS), mas o parecer estende para importação privada.
A discussão sobre mudanças na legislação sobre a importação de vacinas por empresas privadas ganhou força com a negligência do governo Bolsonaro na liberação, compra de vacinas. Laboratórios e clínicas privadas tentam acelerar as importações com vacinas fora do círculo Butantan/Coronavac e Fiocruz/ AstraZeneca.
Com informações do Valor Econômico e do El País