No dia em que o Brasil registra a triste marca de um total de 5.017 pessoas mortas pelo coronavírus e 474 em apenas 24h, superior ao patamar de vítimas na China, o presidente Jair Bolsonaro disse que “lamenta” mas que não faz “milagre”. As declarações do presidente provocaram reações de parlamentares e governadores socialistas, de políticos de outros partidos, inclusive governistas, e de entidades representativas da sociedade.
Ao ser questionado nesta terça-feira (28) a respeito do alto número de óbitos, o presidente respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, respondeu. Em seguida, o presidente disse que se solidarizava com as pessoas que perderam familiares por contraírem a doença, mas finalizou afirmando que “é a vida. Amanhã vou eu”.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), rebateu as declarações de Bolsonaro: “O que devemos fazer em época de pandemia é dar nossa contribuição para ampliar o isolamento social. Se for necessário sair para uma ação essencial, vamos manter o distanciamento, usar máscara e adotar procedimentos de higiene. Não precisamos de milagre, precisamos de atitude”.
Dar o status de “gripezinha” a Covid-19, classificar a cobertura da pandemia como uma “histeria da imprensa”, afirmar que o esgoto oferece imunidade à população brasileira e incentivar aglomerações ao passear cumprimentando apoiadores na capital federal são algumas das ações do presidente que mostram sua irresponsabilidade com o cidadão brasileiro, que tem sido estimulado a se expor ao risco por Bolsonaro, descumprindo a regra de isolamento social.
Sempre crítico às orientações da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde, o chefe do executivo mantém a postura negacionista e bate sempre na mesma tecla: salvar a economia. “O que estou fazendo é sugerir ao Ministério da Saúde medidas para a gente voltar rapidamente, tá? Com responsabilidade, (voltar) a uma normalidade. Como disse um parlamentar aqui, os países que adotaram o isolamento horizontal foi onde mais faleceram (sic) gente”, disse.
Diante das declarações de Bolsonaro, o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), declarou que ninguém espera que ele faça milagres, “o que se espera é o que ele não vem fazendo, que tenha um comportamento responsável, sério e consequente que ajude a proteger a vida dos brasileiros”.
No momento em que todas as nações voltam-se para o auxílio de suas populações em meio à crise de coronavírus, Bolsonaro coloca os interesses políticos e pessoais – com troca de ministros e em funções de comando de instituições como a Polícia Federal, por conta de investigações sobre seus familiares -, e ignora a prioridade que deveria ser dar apoio aos Estados e municípios, alguns, no limite do colapso sanitário.
A demora no repasse para o pagamento do auxílio emergencial criado para atender a grande parte da população que teve sua renda prejudicada durante a crise do novo coronavírus é um exemplo dessa indiferença do presidente da República e de seu governo, na opinião de Molon.
Na quarta-feira (29), Bolsonaro veio novamente a público e dessa vez o presidente afirmou que não deve ser responsabilizado pelas mortes provenientes da Covida-19. Segundo ele, “a conta” deve ser direcionada para os governadores e prefeitos que adotaram medidas de restrição ineficientes. Além da atitude pouco republicana e descomprometida, o presidente incorre num equívoco grave, pois as medidas que até o momento evitavam o avanço do contágio foram de iniciativa dos governadores e prefeitos que ele ataca.
Para Paulo Câmara (PSB), se a nação dependesse apenas da orientação de Bolsonaro, a extensão da pandemia seria ainda maior. O governador de Pernambuco, respondeu com críticas os “comentários irresponsáveis” do presidente a respeito dos gestores estaduais e prefeitos no enfrentamento ao novo coronavírus.
“No Brasil, governantes locais têm feito o mesmo que líderes de diversos países buscam cumprir: prevenção, proteção e cuidados, ampliação de leitos, compra de equipamentos, contratação de profissionais, adoção do isolamento social”, afirmou Câmara. Para o governador, Bolsonaro não desrespeita apenas as orientações da ciência, “ele falta com respeito às pessoas e à vida, ignorando a realidade cruel que se impõe”.
A disputa entre governo federal e alguns Estados causa a desorganização do sistema de saúde e quem paga o preço é a população que já morre por falta de leitos de UTIs e respiradores. Representantes de hospitais privados afirmam que o Ministério da Saúde tem sido lento em procurar a rede particular para ampliar sua capacidade de internação. Segundo dados da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), a ociosidade média nos leitos de UTI do sistema privado é de 50%, esse número traria segurança à população quando os casos começassem a subir.
Na média nacional, o SUS conta com 1,4 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes, sendo que estados no Norte e Nordeste têm menos do que isso. No setor privado, a média salta a 4,9 por 10 mil segurados, segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). No SUS, praticamente já não existe espaço em alguns grandes hospitais de São Paulo, nem nos de cidades como Manaus, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.