Parece incrível que a três meses das eleições as pessoas se mostrem refratárias a discuti-las, ignorando os candidatos, as suas ideias, a falta delas, como se isto nada tivesse a ver com o seu próprio futuro. A sociedade está de ressaca, entorpecida ora pela frustração, ora pelo desencanto, pois a política não lhe ofertou melhores condições de vida, como reivindicara nas Jornadas de Junho de 2013; tampouco se verificou o fortalecimento da ética republicana na ação dos governos, bandeira igualmente hasteada entre os escombros daquelas desconcertantes manifestações. As depredações em Brasília e em centenas de cidades e as milhares de pessoas na rua, autoconvocadas por um sentimento de justa indignação, voltam agora na forma de um silêncio ensurdecedor, de uma indiferença brutal, de uma hostilidade mesma, como uma doença mal curada.
Nesse lustro, a vida dos brasileiros só piorou. Vivenciamos uma recessão que ceifou milhões de empregos e que mantém 28 milhões de desempregados. Ao mesmo tempo, foi se desvendando uma corrupção sistêmica que minou a confiança da população nas instituições republicanas, na democracia representativa, nos partidos políticos, uma grave crise de legitimidade, da qual não sairemos sem o resgate da confiança popular. Não será tarefa fácil. Afinal, cabe ao povo apenas prover séculos de privilégios, de compadrios, de patrimonialismo atávico? Ao povo, então, só cabe financiar o Estado caro, gorduroso, perdulário, corporativo, burocrático, injusto, corrupto e ineficaz? É esta a razão pela qual a sociedade permanece hostil à política, achando que em matéria de vigarice, somos rigorosamente iguais. Essa percepção, conquanto equivocada, é acentuada pela reprodução dos velhos modelos, métodos das velhíssimas repúblicas.
A reconquista da confiança não virá, acreditem-me, das fórmulas consagradas, da esperteza, dos fuxicos, da compra do voto, dos guarda-livros partidários, dos arranjos de cúpula cheirando a guardado. É nessa seara das esperanças perdidas, que tem colhido flores a pauta primitiva do Bolsonaro, com suas toscas ideias. E assim, para romper o desencanto, a indiferença, o risco de ser afinal tragado por essa incompreensão é fundamental decifrar o sentimento da população, o enigma da Esfinge de Tebas. Não é fácil, mas é possível. Vamos abrir as janelas e oxigenar as esperanças. “Ou mudamos, ou seremos mudados”, bem o disse, Ulysses Guimarães, um homem com o nariz na janela das ruas.
* Artigo originalmente publicado no Jornal do Commercio do Recife em 29/06/2018.