Autora: Milena Batista, presidente municipal da JSB-RJ
A crise da água vem causando transtornos na população carioca, já afeta mais de 70 bairros e fez as garrafas de água mineral se tornarem itens de luxo nas prateleiras dos mercados. O colapso hídrico e ambiental no Rio de Janeiro vem acontecendo faz tempo, os principais mananciais de água que abastecem a cidade estão poluídos. O governador Wilson Witzel avisou a população que a despoluição do Rio Guandu, que abastece cerca de 80% do município, depende de verba obtida com leilão da Cedae, mesmo com sua promessa de campanha dizendo que não iria privatizar a empresa.
A verdade é que a privatização da água é um grande plano nacional do governo Bolsonaro e só interessa à elite. Vão querer que você acredite que está bebendo água podre porque a empresa estatal é ineficiente. A mesma empresa que teve um lucro histórico, de R$ 832 milhões, em 2018. O governo demitiu 54 engenheiros, muitos deles especialistas no controle de qualidade da água, as indicações da companhia são todas políticas, não técnicas. O sucateamento da Cedae é obra daqueles que querem vendê-la. Não é um alerta só para o Rio de Janeiro, mas para todo o Brasil.
Sabemos dos planos do ministro da Economia Paulo Guedes: ele quer privatizar o máximo de empresas estatais brasileiras. Uma de suas apostas no Congresso Nacional é a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, que estabelece novas orientações para contratos da área de saneamento no Brasil. A principal medida é a obrigatoriedade de haver concorrência nas contratações de serviços na área. Isso significa aumento da participação de empresas privadas. Simplesmente: privatização.
O que acontece no Brasil hoje? Os prefeitos e governadores escolhem um “contrato” que permite que empresas estatais que prestam serviços de saneamento sejam contratadas sem licitação – sem concorrência privada. Como o exemplo da Cedae no Rio de Janeiro.
Outra proposta do marco legal é que o saneamento passe a ser prestado de forma regionalizada. Seriam montados blocos com cidades que prestarão os serviços do setor em conjunto – cidades vizinhas poderão compor a mesma licitação. Parece bom mas não é. Se não for atrativo para o setor privado investir em determinada cidade do interior e sua gestão não conseguir articulação com outros municípios, como vai ser? Não vai ter saneamento básico.
Outro fator absurdo foi um destaque aprovado pelos partidos PP, MDB e PTB que retirou a exigência da empresa contratada fazer a despoluição de rios causada pelo lançamento de esgoto sem tratamento como condição para validar os contratos de saneamento básico.
O setor privado vai ter licença para poluir. A privação do direito do povo ao abastecimento de água vem junto com o aumento de preço, o que impede o acesso da população mais pobre. Estamos falando de racismo ambiental e colonialismo. A privatização da água, sendo tratada como mercadoria pelo governo de Bolsonaro, vai na contramão de vários países que estão desprivatizando seus serviços públicos. Enquanto Rio privatiza, por que Paris, Berlim e outras 265 cidades reestatizaram saneamento?
O Chile é um exemplo de como a privatização da água deu errado e prejudicou os mais pobres do país. Durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, se implantou políticas neoliberais em todos as áreas. Privatizou-se as fontes e a gestão de água. Apesar de o acesso à água ser direito fundamental e humano, a Constituição chilena a trata como mercadoria desde então. O artigo 19 afirma que a água é um bem econômico, que se pode comprar. Os donos das águas no Chile são as grandes empresas agrícolas, as madeireiras, as hidrelétricas e mineradoras.
No Rio, como no Chile, onde aumenta a desigualdade social e a pobreza, quem tem dinheiro compra água potável, quem não tem bebe água contaminada. A privatização das águas também resulta em graves consequências para o meio ambiente. A maioria dos países reduz o rigor das leis ambientais para se tornar mais atraentes ao olhar do investimento estrangeiro. O que o governo brasileiro já está fazendo.
Em 2006, o ex-presidente Lula declarou no Relatório de Desenvolvimento Humano que “a água pura, acessível e a um bom preço, é um direito humano e a base do desenvolvimento econômico e social”.
É um absurdo que o atual “desgoverno” insista na privatização de um direito humano fundamental. Quase 35 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada no Brasil, enquanto isso, Paulo Guedes utiliza esse dado como argumento favorável ao seu discurso entreguista de privatização.
Mas o fato é que o novo marco legal do saneamento básico vai privilegiar os empresários, principalmente empresas estrangeiras, que estão prontas para explorar nosso território. As experiências de privatizações, inclusive parcerias público-privadas, da água em todo o mundo provam que a empresa privada não é necessariamente melhor que empresa pública.
Precisamos lutar para que a gestão da água e seu controle sejam públicos e contem com a participação da sociedade civil. Água é poder.