
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Autor: Lúcia Vânia, senadora pelo PSB-GO e presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, o Pnad Contínua, divulgados pelo IBGE, recentemente, mostram que, em 2016, o Brasil tinha 1 milhão e 800 mil crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos trabalhando. Não há uma série histórica que possibilite identificar a evolução dos dados, haja vista que o IBGE alterou a metodologia desde o último levantamento divulgado, em 2015.
Todavia, o número por si só é preocupante, considerando, que inclusive as crianças e adolescentes de 14 a 17 anos, idade em que é admitido algum tipo de trabalho, trabalhavam de maneira irregular, sem carteira assinada, o que também configura trabalho infantil.
Mais grave ainda é a situação de crianças de 5 a 13 anos de idade, cerca de 200 mil pequenos trabalhadores que a lei ainda não alcançou.
Como sabemos, a legislação brasileira proíbe que crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos trabalhem, com ou sem finalidade lucrativa, exceto quando o trabalho exercido como parte da aprendizagem; e somente para adolescentes com idade superior a 14 anos.
Mas a proteção da lei não impediu que crianças de 5 a 13 anos fossem flagradas trabalhando na agricultura, comércio e serviços domésticos por jornadas de até 28 horas semanais, conforme o levantamento. A maioria das crianças não recebia nada pelo trabalho realizado.
Sabemos que o trabalho infantil atrasa a inserção da criança na escola e é responsável pela evasão escolar. Sem contar as doenças e acidentes que ficam expostas. No entanto, constata-se a presença renitente da exploração do trabalho infanto-juvenil, apesar das proteções legais.
Segundo o relatório Crianças Fora da Escola 2012, do UNICEF, o trabalho infantil e o atendimento inadequado ou inexistente para crianças e adolescentes com deficiência são as principais razões da evasão escolar.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ayrton Sena, Unibanco e Insper revelou que 22% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola e que o país levaria 200 anos para acabar com a evasão escolar. Audiência pública realizada na Comissão de Educação, Cultura e Esporte este ano mostrou uma realidade bem mais grave: 2 milhões e 500 mil crianças e jovens entre 4 e 17 anos se encontravam fora da escola. Em momentos de crise, o número de crianças que sai da escola para trabalhar aumenta.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a evasão escolar coloca o País em situação constrangedora ante comparações internacionais. Para se ter uma ideia, na América Latina, apenas Guatemala, com 35% de evasão escolar, e Nicarágua, com 51,%, apresentam índices superiores aos brasileiros, de 24,3%. No México, essa taxa corresponde a 6%, índice semelhante ao da Argentina e Uruguai.
Ao adotar as Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, o Brasil se comprometeu a eliminar efetivamente a presença de crianças e adolescentes na lista das piores formas de trabalho e, ainda, comprometeu-se a erradicar o trabalho infantil até 2020.
Sei que avançamos desde a implantação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti, em 1996. Reduzimos muito a exploração do trabalho infantil, que em 1996 chegava a 6,6 milhões, segundo o IBGE. Mas tomar conhecimento da existência de criança de cinco, seis anos trabalhando em serviços pesados e longe da escola me entristece muito.
Em 2005, o Peti passou a ser operacionalizado de maneira integrada com o Programa Bolsa Família, numa concepção de atuação coordenada dos programas de transferência de renda. Em 2011, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) incorporou o PETI que, assim, foi incluído no ordenamento jurídico federal, e previsto para ser operado por meio do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) através de ações integradas que incluem a transferência de renda; o apoio social; e a oferta de serviços socioeducativos para crianças e adolescentes.
Estava à frente da Secretaria Nacional de Assistência Social quanto o PETI foi criado, em 1996, e atuei como relatora da proposição que incorporou o Programa à LOAS em 2011.
Mas, no momento em que a exploração do trabalho infantil se mostra resistente à força da lei e às ações governamentais, defendo a reativação do Peti, programa responsável pela retirada de mais de 100 mil crianças do trabalho escravo. Não podemos mais permitir que a exploração da mão de obra de crianças tome lugar do lápis e do papel.
* Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense em 22/12/2017