
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Autor: Paulo Bracarense
Secretário-Geral da CSL
Secretário de Relações Internacionais do PSB
Em um mundo dominado pela lógica do acúmulo, da ostentação e do consumo como medida de sucesso, José “Pepe” Mujica se ergue como um símbolo de resistência ética e política. Ex-presidente do Uruguai, Mujica não apenas defendeu ideias transformadoras — ele as viveu, com radical coerência. Sua opção por uma vida simples não foi capricho nem romantismo: foi um enfrentamento direto à lógica do capitalismo, que transforma tudo — inclusive a vida — em mercadoria.
Essa coerência se revela desde os tempos mais duros de sua trajetória. Mujica enfrentou a ditadura uruguaia com coragem e compromisso, pagando o preço da resistência com anos de prisão e sofrimento. Mas, mesmo após a redemocratização, sua luta não cessou — apenas mudou de forma. A opção por uma vida austera e solidária é, para ele, a continuidade dessa batalha: um combate cotidiano contra os valores da sociedade de consumo, que aprisiona de forma mais sutil, mas não menos cruel. Se antes enfrentava as grades visíveis do autoritarismo, hoje combatia as correntes invisíveis do egoísmo, do individualismo e da falsa promessa de felicidade comprada.
Ao abrir mão das benesses do cargo, recusar o palácio presidencial, continuar morando em sua chácara modesta e dirigir um velho fusca, Mujica mostrou que é possível fazer política sem se submeter à ilusão de que o consumo é sinônimo de realização. Sua vida é, em si, uma denúncia viva da sociedade de consumo, que estimula a competição, a desigualdade e o vazio existencial. Para Mujica, o verdadeiro conforto não está na posse, mas na liberdade interior que nasce da simplicidade e no compromisso com causas maiores que o próprio ego.
Sua morte, às vésperas da Marcha do Silêncio em Montevidéu — no dia 20 de maio, data em que o povo uruguaio relembra os desaparecidos da ditadura — carrega uma força simbólica profunda. Mujica parte, mas deixa uma convocação viva: que sua memória alimente ainda mais a mobilização contra os regimes autoritários que marcaram com dor a história recente da América Latina. Seu exemplo reforça a urgência de manter viva a luta pela democracia, pela memória e pela justiça.
Mujica confronta o neoliberalismo com gestos cotidianos que resgatam valores esquecidos: a solidariedade, a humildade, a empatia. Ele nos lembra que uma sociedade mais justa não se constrói apenas com reformas institucionais, mas também com mudanças de mentalidade — com a coragem de questionar o que nos ensinaram a desejar. Seu modo de vida propõe um outro horizonte: aquele em que o espaço da existência é preenchido não por coisas, mas por sentido, por vínculos humanos, por causas que dignificam.
Homenagear Pepe Mujica é reconhecer que há líderes que não apenas falam em nome do povo, mas vivem com ele, de forma verdadeira e generosa. Mujica nos ensina que resistir ao sistema não é apenas uma tarefa política, mas uma escolha de vida — e que há imensa dignidade em viver com pouco, quando se vive com propósito.