
Em fala na Conferência da Aliança Social Democrática do Mundo Árabe, no Curdistão iraquiano, Bracarense defende o fortalecimento da democracia direta no Brasil e em outros países.
O Brasil possui um dos marcos legais mais avançados do mundo em termos de participação popular nas decisões políticas. No entanto, os mecanismos previstos na Constituição, como plebiscitos, referendos, iniciativas populares e conselhos participativos, ainda são raramente ou pouco usados na prática.
Esses instrumentos, fundamentais como ferramentas de mobilização popular e de fortalecimento da democracia, tornam-se ainda mais relevantes em um contexto global marcado pela ascensão de movimentos autoritários e conservadores, que ameaçam conquistas democráticas e procuram restringir os espaços de participação cidadã.
Essa foi a avaliação do secretário de Relações Internacionais do PSB, Paulo Bracarense, durante a Conferência da Aliança Social Democrática do Mundo Árabe, realizada em parceria com a Aliança Progressista, na cidade de Sulaymaniyah, região do Curdistão, no Iraque. O evento reuniu, entre 26 e 30 de agosto, lideranças políticas de partidos progressistas e democráticos árabes e de outras regiões para debater os direitos, democracia e cidadania ativa.
Segundo Bracarense, o grande desafio dos progressistas hoje é reviver a organização popular, valorizar os movimentos sociais, “como fazíamos no passado”, e retomar as mobilizações de rua, “que hoje são mais eficazmente organizadas pela extrema direita”. Nesse sentido, ele defendeu a aplicação dos instrumentos de participação direta na definição dos rumos da nação.
Para além dos processos eleitorais, essas ferramentas são formas concretas de participação da sociedade nas decisões do Estado. “São mecanismos que fortalecem o controle social, aumentam a transparência governamental e tornam as políticas públicas mais alinhadas às necessidades da população”, declarou Bracarense, durante intervenção na mesa-redonda sobre alianças nacionais e regionais em defesa da democracia.
Apesar da importância para a consolidação da democracia, os instrumentos de participação popular previstos no texto constitucional ainda seguem pouco explorados. Plebiscitos e referendos são raros; a iniciativa popular enfrenta obstáculos burocráticos; e conselhos e conferências, embora relevantes, permanecem frágeis diante de governos que não valorizam a participação popular.
“O Brasil construiu um arcabouço legal muito sólido para garantir a participação popular nas decisões políticas. No entanto, esse conjunto de instrumentos ainda é subutilizado, tanto por barreiras burocráticas quanto por falta de vontade política em implementá-los de forma plena”, afirmou.
Constituição cidadã
Bracarense explicou na conferência que, após o fim da ditadura militar, o Brasil construiu uma Constituição fortemente influenciada pelos movimentos populares e pelos partidos que contribuíram para a redemocratização, entre eles o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT), do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, mais de três décadas após a promulgação da Carta Magna, o uso efetivo dos instrumentos de participação direta previstos no texto ainda não foram consolidados.
O país realizou apenas um plebiscito, por exemplo. Em 1993, a população optou pela manutenção do sistema presidencialista de governo, rejeitando o parlamentarismo e a monarquia. O único referendo no Brasil, promovido em 2005, consultou os eleitores sobre a proibição da comercialização de armas de fogo. A proposta foi rejeitada, o que resultou na manutenção da venda legal de armamentos no país.
A iniciativa popular é outra raridade no processo democrático brasileiro. Fruto de uma campanha nacional que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em 2010, e se tornou um marco no combate à corrupção eleitoral. “Pouquíssimas iniciativas populares viraram lei em mais de 30 anos, revelando entraves burocráticos que enfraquecem sua efetividade”, lamentou Bracarense.
No caso dos plebiscitos e referendos, a convocação depende exclusivamente da iniciativa do Congresso Nacional, o que limita a autonomia da sociedade civil para pautar temas de interesse coletivo. Já a iniciativa popular enfrenta exigências burocráticas, como a obrigatoriedade da coleta física de assinaturas em todo o território nacional e a necessidade de validação por eleitores de, no mínimo, cinco estados diferentes.

Paulo Bracarense entrega ao secretário de Relações Internacionais da União Patriótica do Curdistão, Dara Khailany, o manifesto e o programa do PSB traduzidos para o árabe.
Outro exemplo são os conselhos e conferências que, a partir dos anos 1990, se consolidaram como importantes instrumentos de democracia participativa, ao garantir a presença da sociedade civil na formulação e no acompanhamento de políticas públicas em áreas como saúde, educação e assistência social. Mas, apesar de fundamentais, esses espaços enfrentam limitações, como o caráter majoritariamente consultivo, a dependência da vontade política dos governos, além da baixa divulgação. “Nos últimos anos, sofreram enfraquecimento ou extinção em contextos autoritários, revelando vulnerabilidade institucional”, acrescentou Bracarense.
Além da burocracia, há barreiras estruturais como desigualdade educacional, informacional e tecnológica, que dificultam o acesso da população a esses mecanismos. “Isso pode transformar a democracia direta em um privilégio de setores organizados, ampliando desigualdades. As tecnologias digitais oferecem oportunidades de ampliar a participação, mas também riscos de manipulação e desinformação, como no caso do referendo das armas”, exemplificou.
Algumas soluções
Para ampliar a participação popular no processo democrático, o socialista defendeu a digitalização da coleta de assinaturas para projetos de iniciativa popular, com validação pela Justiça Eleitoral, e a possibilidade de convocação de plebiscitos e referendos por meio da própria sociedade civil, sem depender exclusivamente da vontade do Congresso Nacional.
Já os conselhos e as conferências poderiam assumir caráter deliberativo. “Esses conselhos são fundamentais para garantir a legitimidade das políticas públicas, porque promovem a escuta ativa da população e asseguram sua inclusão nos processos decisórios”, afirmou.
Bracarense ainda defendeu o investimento em educação cívica e política como ferramenta para ampliar o engajamento popular e alertou para a urgência de regulamentar o uso das tecnologias digitais, com o objetivo de evitar a captura por interesses privados e combater a disseminação de desinformação. “As tecnologias digitais oferecem oportunidades de ampliar a participação, mas também riscos de manipulação e desinformação, como no caso do referendo das armas”, alertou.
Assessoria de Comunicação/PSB nacional






