Uma verdadeira e profunda reforma do Estado é o ponto de partida que precisaremos enfrentar para começar a resolver, de fato, o problema da saúde pública no Brasil. A avaliação é do primeiro secretário Nacional do PSB e presidente da Fundação João Mangabeira (FJM), Carlos Siqueira, ao encerrar, na sexta-feira (06), a oficina sobre Saúde – Política Essencial para o Desenvolvimento, em mais uma edição dos Diálogos sobre o Desenvolvimento Brasileiro.
“Estamos fechando a série deste ano dos Diálogos com chave de ouro”, destacou ele. “Além de o tema ser uma das principais preocupações do brasileiro atualmente, os palestrantes nos trouxeram apresentações complementares entre si, didáticas e profundas, que provocaram intensa e rica participação dos presentes”.
Ao agradecer aos convidados – o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, vice-presidente do Diretório do PSB do Rio de Janeiro; o professor-adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mário Roberto Dal Poz; e o especialistaem Inovação em serviços de saúde, Pedro Ribeiro Barbosa – Carlos Siqueira também pediu a autorização deles para dois procedimentos.
O primeiro, para que a FJM transforme as três palestras e os debates, mediados pelo prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo (PSB-RJ), que é médico, numa publicação específica, visando à distribuição e estudo da militância do PSB sobre a área.
Depois, para que as sugestões que cada um defendeu para a gestão da saúde pública no Brasil sejam incorporadas à plataforma digital Mudando o Brasil (www.mudandobrasil.com.br), na qual o PSB e a Rede estão ouvindo a população de todo o país para construir o conteúdo do programa de governo a ser trabalhado pela aliança nas eleições de 2014. “Será muito importante para nós agregar essas contribuições diferenciadas, sem dúvida irão enriquecer a nossa plataforma”, reforçou Siqueira.
Rubens Bomtempo, por sua vez, ressaltou que é fundamental dar continuidade aos debates iniciados nas oficinas da JFM, a fim de que a discussão com a sociedade reverta em mudanças concretas. “Que elas alimentem um programa de governo que vá ao encontro do Brasil real, da percepção do que esse Brasil real – o povo – está nos gritando que considera necessário”, defendeu.
Gestão da saúde pública– O vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Pedro Ribeiro Barbosa, falou aos participantes da oficina sobre Organização do Estado, Relações Intergovernamentais e o Sistema Único de Saúde (SUS): Desafios Urgentes. Em resumo, fez uma abordagem sobre o modelo de gestão, a estrutura que o Estado utiliza hoje para dar conta de gerir esse sistema universal de acesso à saúde que o SUS introduziu no Brasil a partir de 1988, com a Constituição Federal.
Também vice-presidente da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), da Fiocruz, Pedro Barbosa afirmou que o SUS é subfinanciado cronicamente nesses 25 anos e não cabe na estrutura atual do Estado. “Nós não conseguimos até hoje alargar essa estrutura para acompanha-lo, pelo motivo de que o próprio SUS implica, em si mesmo, uma verdadeira Reforma do Estado – e nós não fizemos essa reforma”, avaliou. “Não há como discutir o modelo público de saúde no Brasil fora dos princípios do SUS, não há como enfrentar arranjos sistêmicos no setor e, em particular, não há como desconsiderar o papel reitor dos gestores do Estado para garantir a complementaridade e a continuidade que o sistema exige”.
Para o especialista, o SUS constitui-se numa das mais importantes reformas por que já passou o Estado brasileiro, ao conferir direitos sociais universais e demandar novas e importantes responsabilidades e ações ao Estado. Para concretizar esse papel protagonista, no entanto, várias outras reformas e de outros setores são necessárias, já que o SUS não é apenas setorial, mas representa o objetivo de toda uma sociedade em garantir a sua qualidade de vida.
Vários problemas impedem que o sistema alcance esse status desejado pelos constituintes. Um deles, apontou Pedro Barbosa, é a inadequação e a rigidez do modelo de administração pública direta e autárquica para gerir a saúde no país. “É um modelo criado para gerir processos, dados frios, não serviços e muito menos serviços que demandam urgência e atenção humana contínua, pois envolvem a vida das pessoas”, diferenciou. Além disso, completa o especialista, a administração da saúde pública é um espaço de baixa profissionalização ainda no Brasil, onde os cargos responsáveis por gerir essa imensa e complexa máquina são, em geral, improvisados, ocupados em função de critérios políticos.
Para piorar, a integração dos serviços entre os gestores federais, estaduais e municipais do SUS é muito frágil, enfrentando, ainda, a ausência de contratos que definam as funções de cada um. Ao mesmo tempo, são escassos os mecanismos de articulação intergovernamental, revela Barbosa, o que dificulta a mudança deste quadro.
Medidas paliativas –De acordo com ele, as crises e pressões constantes que o Governo Federal enfrenta na área da saúde pública, com denúncias e ações judiciais do Ministério Público Federal (MPF), Corregedoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU), são outro fator a emperrar a boa gestão do sistema. “E isso ocorre porque, no atual modelo de gestão do SUS, as ações do governo são insuficientes e paliativas – não buscam soluções avaliando o todo, mas focam em medidas pontuais e desconexas, como concursos públicos para contratação de mais pessoal, sistemas de gratificação desse pessoal e melhorias administrativas”, detalhou.
“Iniciativas recentes, como as Organizações Sociais (OS’s), em que a administração pública outorga a gestão e operacionalização de hospitais e outros centros de atendimento a entidades sem fins lucrativos, ainda não estão consolidadas – fora o fato de ainda estarem sendo questionadas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, lembrou.
Complica ainda o quadro, apontou Barbosa, o fato de as mais importantes experiências de sucesso na administração pública em saúde, seja na área hospitalar ou demais áreas, apresentarem instrumentos e modelos questionáveis juridicamente. Como, por exemplo, as fundações de apoio, cooperativas de saúde e outras terceirizações. “São processos e modelos experimentais que escapam, além da parte legal, também dos princípios do SUS”, ponderou. “Porém, eles todos obtiveram sucesso por proporcionar mais autonomia, flexibilidade e gestão enriquecida – o que significa, por exemplo, iniciativas inovadoras, econômicas e ágeis no almoxarifado, infecção hospitalar, lavagem de roupa do hospital, administração dos remédios, sistemas de custo, etc.”.
De acordo com Barbosa, sem autonomia de gestão não há essa possibilidade de enriquecimento na área. Além disso, é preciso deslocar os controles para os resultados da gestão, para esse tipo de acertos, e não manter o foco somente nos erros e questões jurídicas.
“Nós temos hoje o desafio de conseguir planejar a saúde a longo prazo no Brasil, de pensar no longo prazo”, enfatizou Pedro Barbosa. “E nessa missão, é preciso estar ciente de que não haverá sistema universal de saúde sem enfrentarmos a dicotomia entre o público e o privado que toma o mercado da saúde atualmente”, afirmou, referindo-se à competição cada vez maior e incentivada por empresas e até mesmo pelo governo dos planos de saúde com o SUS.