Um dia após o Brasil atingir o maior número de mortes em 24h desde o início da pandemia, 2.842 vítimas fatais, o líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-RR), afirmou que a situação do país “não é tão crítica” comparada a outros países e ainda acrescentou: “É uma situação até confortável”.
“É natural que haja nesse momento, de pico de pandemia, um repique. Não esperávamos ter esse aumento de casos, e acontece mundialmente. Já estamos com o sistema de UTIs mais estruturado, mas ainda assim temos tido, em alguns lugares, o esgotamento da rede”, disse o parlamentar que já foi ministro da Saúde no governo Michel Temer (DEM).
Na mesma entrevista, concedida à Globo News, o líder do governo tentou amenizar a tragédia sanitária que assola o país, limitando-se a dizer que se trata de “uma crítica permanente das decisões do governo”. A última pesquisa DataFolha aponta rejeição recorde à atuação do presidente na pandemia.
“Nosso sistema de saúde responde, está melhor no tratamento às pessoas do que a maioria dos países de primeiro mundo. Estamos com vários contratos de entrega de vacinas e alguns estão atrasados, para o mundo todo. Mesmo a Organização Mundial da Saúde não está conseguindo cumprir o seu cronograma de entregas de vacinas”, disse Barros.
A realidade, infelizmente, está muito distante do quadro traçado pelo deputado. Com a atualização do número de mortos, o país ultrapassa 280 mil vítimas da doença causada pelo novo coronavírus. “A situação é “até confortável”, disse o líder do governo Bolsonaro na Câmara, um dia após o Brasil bater outro recorde de mortes por covid. Se, para eles, é “confortável” perder 2.842 vidas, para os familiares das 280 mil vítimas é uma dor enorme. O Brasil não merece isso”, twittou o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) sobre a declaração de Barros.
Além de toda crítica e mobilização da oposição para o governo federal acelerar a vacinação da população e criar um plano nacional eficiente de combate à covid-19, o Brasil preocupa a comunidade internacional com a crise no sistema de saúde pública e privada em alguns Estados.
Recentemente, o The New York Times, em reportagem, tratou a crise da covid-19 no Brasil como um alerta para o mundo todo. “Nenhuma outra nação que sofreu um surto tão grande ainda está lidando com um número recorde de mortes e um sistema de saúde à beira do colapso. Muitas outras nações duramente atingidas estão, pelo contrário, tomando medidas em direção a uma aparente de normalidade”, escreveu o jornal.
Vacinação lenta
Por questões ideológicas, Bolsonaro atrasou a aquisição de vacinas desde o ano passado. Até o momento, o Ministério da Saúde ofereceu aos estados e municípios uma quantidade de doses suficiente para vacinar menos de 5% da população brasileira. A escassez de doses é reflexo do baixo número de contratos firmados com os laboratórios.
Com as entregas previstas para esta quarta-feira (17) do Instituto Butantan e da Fiocruz, o Brasil tem neste mês 9,6 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. As injeções entregues até o momento representam 32% das 30 milhões de doses de imunizantes já aprovadas pela Anvisa para o mês, de acordo com cronograma de entrega do Ministério da Saúde.
Barros disse ainda acreditar que o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, terá uma boa atuação à frente da pasta, apesar de ficar claro que a substituição não implicará em mudança de rumo no comando do órgão. Basta lembrar a frase do ministro que sai, o general Eduardo Pazuello, quando se recuperava de Covid: “Um manda, o outro obedece”. Ou seja, independente do ministro, quem manda é o presidente.
Ontem mesmo Queiroga afirmou que irá “executar a política definida pelo governo do presidente Jair Bolsonaro”.
Negligência gera mais fome
Além do crescente e assustador número de mortos e hospitalizados, a população ainda precisa lidar com outro drama agravado pela pandemia: a fome.
Uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva em favelas de todo o país mostra que, para 71% das famílias, a renda caiu a menos da metade durante a pandemia, e 82% dos entrevistados disseram que, sem doações, não conseguem nem mesmo se alimentar. Essas pessoas estão sobrevivendo com menos de duas refeições por dia, em média.
Com os sistemas de saúde dos Estados colapsando, é crescente o número de cidades que estão voltando ao regime de lockdown. A restrição de circulação de pessoas ocorre no mesmo momento em que há aumento no preço dos alimentos e ausência do pagamento do seguro emergencial, atrasado pela intenção do governo de garantir a aprovação de medidas de ajuste fiscal inseridas na mesma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).
A grande parcela da população que não tem emprego formal e não atua em profissões em que o home office é possível não encontra alternativas para alimentar sua família e acaba saindo de casa para buscar alguma fonte de renda, se expondo a um risco muito maior de contaminação. Sem perspectivas de mudança na condução da crise, a tragédia humana se retroalimenta.
Com informações do G1 e CNN Brasil