Autores: Alejandro Silva e Yara Gouvêa, da Assessoria Internacional do PSB
Lendo a notícia de que a dívida pública brasileira subiu 14,3% em 2017 para totalizar R$ 3,55 trilhões, e ainda que dos R$ 447,15 bilhões do aumento da dívida no ano, R$ 328,14 bilhões são despesas de pagamento de juros (o propalado rombo na Previdência de 2017 alcançou R$ 186 bilhões), não podemos deixar de imaginar a figura de um vampiro representando o setor financeiro, grudado na jugular de uma bela jovem, a república brasileira. Talvez nem tão jovem considerando o tempo em que essa cena já dura.
Também não podemos deixar de associar à recente entrevista do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e ex-economista chefe do Banco Mundial Joseph Stiglitz que, ao se referir a Wall Street, diz textualmente: “Devemos saber que não podemos confiar neles, que nos enganarão, que se aproveitarão da gente. A ideia de que se podem autorregular é absurda. Tem de haver regulamentação. Temos de supervisioná-los com muito cuidado. Criminalizar também os dirigentes e não só as corporações”.
No diálogo sobre o mercado de capitais e a política, Stiglitz diz ainda: “No caso de um país como o Brasil, quando Wall Street não gosta de um candidato, tiram seu dinheiro, a taxa de câmbio baixa, a gente entra em pânico… Isso pode ter um efeito muito grande no papel dos mercados e na política”.
Afirma também que a plena liberalização do mercado de capitais é particularmente perigosa e que o capital que entra e saí em um curto prazo é o que mais compromete a democracia. O tal do “hot money” do qual criamos e mantemos tanta dependência.
É também interessante nos lembrarmos de algumas idéias manifestadas por Bernie Sanders na luta pela sua indicação no Partido Democrata à Presidência dos EUA, nas últimas eleições: “A ganância, a fraude, a desonestidade e a arrogância tomaram conta do mercado financeiro.”
“Na crise de 2008, a ganância, a imprudência e a corrupção em Wall Street quase destruíram os Estados Unidos e a economia internacional. Milhões de americanos perderam seus empregos, suas casas e suas poupanças de uma vida inteira. Enquanto isso Wall Street recebeu a maior ajuda financeira vinda do governo na história do mundo, sem nenhuma contrapartida. A classe média norte-americana continua a desaparecer, a pobreza só aumenta e o fosso entre os mais ricos e o resto do povo está crescendo mais e mais”.
“A verdade é que a fraude se tornou o modelo de negócios em Wall Street. Não é uma exceção à regra. É a regra. E sem uma regulamentação mais rígida, é provável que os investidores e operadores em Wall Street continuem com comportamento corrupto que todos já conhecemos. Quantas vezes já ouvimos o mito de que os desvios em Wall Street podem até ser errados, mas que não são ilegais. Deixem-me ajudá-los a acabar com esse mito”.
Infelizmente, isso não aconteceu. Donald Trump venceu e hoje promove medidas que resultam no aumento da concentração da renda, baixando impostos dos mais ricos e cortando programas sociais. E por ter um relacionamento muito próximo com essa forma fraudulenta de agir, defende a plena liberdade de Wall Street. Com isso, dá continuidade a práticas, no mínimo, obscuras.
E Wall Street é por onde se condiciona o crédito e por onde vêm os investimentos para nosso país. Incluindo-se o dinheiro emergencial, o “hot money”, comum em tempos de crise, o que aqui se tornou constante. É ela a grande protagonista internacional do mercado de capitais que financia e explora o endividamento público brasileiro.
“O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.” Com certeza o seria se tomarmos também como nossa a bandeira dos dez pontos enunciados por Sanders para fiscalizar, regular e, se necessário, penalizar Wall Street. Quem sabe não amenizaríamos os efeitos dessa agiotagem cruel que suga nosso sangue.
Com certeza, a costura de alianças estratégicas internacionais para isso se impõe como a ação política a ser adotada por aqueles que não aceitam a atitude totalmente passiva que temos mantido diante dessa questão.
Porém, como Deus é brasileiro e com a fé de quem não desiste nunca, não poderíamos interpretar como um sinal divino as novidades que estão vindo do oriente? Precisamente da China. De seu novo posicionamento para lutar pela liderança mundial entre as nações.
O anúncio ou a proposta feita em Beijing na época natalina do ano passado, em reunião com a presença de diversos líderes representativos de grande número de países, de se trabalhar num sistema mundial de “gestão compartilhada” entre nações.
Entre outros objetivos, o de se alcançar para todas as nações o almejado desenvolvimento, mas a par e passo com o cuidado necessário com o nosso planeta, a nossa casa, o ambiente natural ao qual nós pertencemos.
Sobre essa proposta não se poderia estabelecer a hipótese de que sem trabalhar dentro de uma nova ordem o crédito internacional, ela não avançaria? Como promover a gestão compartilhada no atual sistema financeiro internacional? Afinal o mercado mundial de capitais não tem sido nos tempos atuais o mecanismo hegemônico de concentração do poder e do capital na mão de muito poucos? Da atual exploração do trabalho, de países e de povos?
Como eles chineses se regem por uma ética socialista, organizar um sistema financeiro internacional dentro de valores outros do que os denunciados por Bernie Sanders – a ganância, a fraude, a desonestidade e a arrogância – não poderia ser o fator diferenciador de uma estratégia de implementação de sua proposta de gestão compartilhada? De sua estratégia de saltar da atual condição de eminente para a de efetivo líder mundial?
Em 2017 os chineses foram os principais investidores externos no Brasil com a soma de US$ 10,7 bilhões, quase o dobro do país em segunda colocação. Isso não sinalizaria para um momento propício falarmos também do crédito de que necessitamos? E ainda não seria também interessante aprofundar o conhecimento sobre as atuais práticas de “cooperação, integração e trabalho conjunto” que caracterizam o financiamento chinês?
Além de dizer “quem viver, verá”, não seria conveniente que nós, socialistas, em face da nossa identidade de valores, agíssemos para aprofundarmos o conhecimento sobre essa questão e começarmos a construir laços de confiança com a China com vistas a uma parceria para a construção deste tão necessário e novo sistema financeiro internacional? Afinal, temos ainda o BRIC em comum e a proposta já aceita entre seus membros de criação de uma moeda de troca alternativa ao dólar norte-americano.
Além de se rever o tratado de Breton Woods, romper com a nossa dependência absoluta do mercado de capitais liderado por Wall Street seria com certeza uma ação libertadora. Também não seria isso a cara do PSB?
Como inspiração disso poderíamos refletir profundamente o que Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, disse, no final do século XVIII: “Penso que as instituições bancárias são mais perigosas para nossas liberdades do que todo um exército. Aquele que controla o dinheiro de uma nação controla a nação”.
Uma nação somente o é com a plena soberania. E para a alcançarmos não seria absolutamente necessária a superação da nossa atual relação com o sistema financeiro?
Começarmos a enfrentar isso hoje, com certeza, é o primeiro passo a ser dado de uma longa caminhada, que depende exclusivamente de nós, socialistas. É sempre bom lembrar da constatação do filósofo Rob Riemen, de que “a classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!”