Leia a íntegra da entrevista concedida pelo presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, ao jornal Valor Econômico, publicada em 19/5/2025.
‘Há escassez de lideranças jovens na esquerda’, diz Siqueira
Andrea Jubé e Fernando Exman
De Brasília
Presidente do PSB deixará comando da sigla para o prefeito do Recife, João Campos
Empossado em outubro de 2014 presidente nacional do PSB em substituição ao ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, que morreu em um acidente de avião, Carlos Siqueira deixará o comando do partido nos próximos dias. A mudança ocorre no momento em que outras legendas de esquerda, como o PT, enfrentam críticas devido às dificuldades de empreenderem um processo interno de renovação como a direita vem fazendo. No caso do PSB, contudo, quem assumirá o bastão é o prefeito do Recife, João Campos, 31 anos, filho de Eduardo. “Acho que faz parte da autorreforma do PSB a mudança geracional”, diz Siqueira ao Valor.
Para o aliado, o governo federal tem acertos, mas peca ao não conseguir vender “esperança” para a população. Ele também defende a permanência do vice-presidente Geraldo Alckmin como parceiro de chapa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026, e diz que a prioridade do partido deve ser ampliar suas bancadas na Câmara e no Senado. Afinal, acrescenta, outros partidos que cobiçam a vaga sequer sinalizam que de fato estarão com o petista na campanha à reeleição. “Por que ele [Lula] não deveria ser também mais leal a quem está sendo leal?”, pondera. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Num cenário de expansão da direita pelo mundo, o PSB decidiu renovar sua presidência depois de 14 anos. Qual é o futuro do PSB?
Carlos Siqueira: Os partidos, de modo geral, sofreram uma baixa na opinião pública muito grande. Todos eles, sem exceção. O marco do fracasso do sistema foi em 2018, quando o Bolsonaro não surgiu do nada. Ele surgiu de uma insatisfação generalizada com todo o sistema político.
Valor: O PSB se movimentou…
Siqueira: Tivemos uma articulação para a filiação do [ex-ministro do STF] Joaquim Barbosa.
Valor: Joaquim seria também um candidato antissistema?
Siqueira: Sim, a nossa ideia é que fosse isso mesmo, para que ele fosse propositor de um novo sistema político, mais sólido, com menos partidos e com a bandeira anticorrupção que ele tinha carregado.
Valor: E o futuro?
Siqueira: Percebendo essa crise, resolvi fazer uma proposta de autorreforma do partido. Oferecemos um texto básico para mudar o manifesto e o programa do PSB.
Valor: Havia pautas ultrapassadas no manifesto do partido…
Siqueira: O manifesto de 1947 falava, e na época era muito comum, em socialização dos meios de produção. Na campanha do Eduardo [Campos, em 2014] a imprensa levantou isso. E aí fizemos essa atualização, e isso durou dois anos de discussão. O PSB nasceu fazendo uma crítica à ditadura do proletariado, à falta de liberdade de imprensa, porque eram os regimes totalitários de esquerda, à proibição de religião, que era outra coisa terrível, e ao autoritarismo de modo geral. Essa questão central nós mantivemos no programa, porque ela é a essência do que significa o PSB. Tanto que a gente se diferencia ainda hoje da esquerda, quando ela defende o sistema comunista da Nicarágua ou da Venezuela.
Valor: E como ficou o novo programa partidário?
Siqueira: É uma diretriz de um programa nacional de desenvolvimento, que inclui a área de infraestrutura, segurança, o que chamamos de renascimento criativo da indústria, a Amazônia 4.0. Pegou as grandes potencialidades do Brasil, e fizemos diretrizes para orientar os governos municipais, estaduais e nacional.
Valor: Qual é a expectativa?
Siqueira: É nossa esperança para criar um sentimento de brasilidade, um sonho de transformar as potencialidades do Brasil em ações concretas de desenvolvimento e transformação. É difícil de ser aplicado, é uma coisa que serve para décadas. E agora vem o futuro, acho que faz parte da autorreforma do PSB a mudança geracional.
Valor: O senhor fala do prefeito de Recife, João Campos, que vai suceder ao senhor?
Siqueira: Quando eu fui eleito [da última vez], disse que não seria mais o presidente, que se preparassem porque no próximo Congresso, que é o que vai acontecer [no fim do mês], teremos outro presidente.
Valor: Como João foi escolhido?
Siqueira: Eu tive uma conversa com o João, já faz muito tempo, sozinho com ele, dizendo que achava que ele deveria se preparar para ser o novo presidente.
Valor: Por que ele?
Siqueira: Quando eu olho em volta no PSB, temos lideranças intermediárias, o Márcio [França], o [governador Renato] Casagrande, o [governador] João Azevêdo na Paraíba. Mas eles não representam essa mudança geracional. A nova geração tem esse aspecto, outra forma de se comunicar, de governar, de ver o mundo. E chegou o momento de o PSB oferecer essa oportunidade a uma nova liderança, que está dando muito certo, que deu certo muito novo. Não vi ninguém melhor do que ele. Para mim, é como se ele fosse a continuação da autorreforma, que tem que ser permanente, tentando fazer a renovação daquilo que achamos superado.
Valor: É simbólico. O senhor assumiu em 2014 depois da morte de Eduardo Campos, e após 11 anos, o filho dele assumirá a presidência na sua sucessão. Acha que ele terá capacidade de agregar, atrair jovens que não se identificam com outros partidos do campo progressista?
Siqueira: Essa é minha esperança, porque eu vejo do outro lado, na extrema-direita, o surgimento de várias lideranças jovens. Você tem o Nikolas [Ferreira, do PL], o André Fernandes [do PL], que quase ganhou em Fortaleza, e muitos outros. Mas na esquerda, há uma escassez extraordinária. Eu tenho investido em outras pessoas: o presidente do PSB em Santa Catarina, Israel Rocha, tem 30 anos. Tem o Caio França, em São Paulo. A Tabata [Amaral], que é presidente do PSB na capital paulista. Fazer essa mudança geracional não se resume ao presidente nacional do partido. Agora, o que eu posso dizer é que não é o fato de ele ser filho de Eduardo que o fará presidente.
Valor: Mas contribui…
Siqueira: Para mim não tem problema nenhum, porque eu era amigo do pai dele, sucedi ao pai dele, trabalhei com o pai dele, com o bisavô dele [Miguel Arraes]. Mas ele será presidente por ter demonstrado capacidade e potencial para desenvolver uma liderança que amanhã pode ser nacional, com potencial que me parece extraordinariamente bom. Essa facilidade da direita de lançar e renovar seus quadros, e o PSB na contramão de outros partidos da esquerda identificando essa necessidade. Uma das coisas que caracteriza o pensamento democrático deve ser a autocrítica. Estamos incluídos nesse sistema. Somos parte do sucesso que ele teve, e parte do que se tornou.
Valor: Queria uma avaliação do senhor sobre o governo, do qual o PSB tem a vice. O que o governo vai entregar até o fim do mandato vai influenciar os rumos do PSB e dos partidos que compõem a base?
Siqueira: O primeiro mérito desse governo é o fato de ter barrado a ameaça democrática, o que, a meu ver, não está 100% resolvido. Mas com a vitória de Lula, estancamos o processo que caminhava para um golpe de Estado.
Valor: Mas, e além disso?
Siqueira: Essa fase foi superada, mas também não se criou, até o momento, uma expectativa, um sonho, algo diferente que pudesse ser desse governo, que tem seus acertos. A reforma tributária é um legado, não é a dos sonhos, mas é um instrumento importante. Tem esse legado de ter barrado o golpe em marcha, e agora está sendo apurada a responsabilidade. É importante que se leve ao fim essa apuração. Tem a Nova Indústria Brasil, assunto que faz parte do programa do PSB, que é o Renascimento Criativo da Indústria, levada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que é ministro da área. O governo também reintroduziu programas sociais, mas as políticas estão aí para ser aperfeiçoadas, não foram ainda. O mesmo na saúde, educação e segurança pública.
Valor: O saldo não é bom…
Siqueira: Você tem essas coisas boas, mas faltou ao governo criar uma expectativa positiva diante das potencialidades que tem o Brasil, o sonho de um novo Brasil, um novo sistema político, mas não se fala nisso.
Valor: O governo não consegue gerar esperança nas pessoas?
Siqueira: Sim, esperança, expectativa de futuro, renovação de lideranças. E é por isso que, sendo o governo, sob todos os ângulos, melhor do que o antecessor, as pesquisas indicam praticamente um empate técnico entre o presente governo e o passado. Não é problema administrativo, é político. Se por um lado a direita é muito clara, e sobretudo a extrema-direita, nos seus princípios e nos seus valores, a esquerda não tem sido. A direita defende privatizações, liberalismo, Estado mínimo, valores conservadores. Teve o crescimento do protestantismo neopentecostal, que adota esses valores, se contrapondo ao identitarismo da esquerda.
Valor: Onde o senhor acha que a esquerda está errada?
Siqueira: O excesso de identitarismo é outro erro da esquerda, porque o respeito da diversidade é uma coisa. Agora não podemos colocar isso como sendo a grande bandeira da esquerda.
Valor: Qual então deve ser essa bandeira?
Siqueira: Deve ser resolver os problemas do país, estratégicos, tecnológicos, de infraestrutura, saúde, segurança, propor a diminuição da desigualdade. Algo que torne o sujeito independente do Estado, e não dependente dele. No Bolsa Família, valeria mais observar quantos saem do que quantos entram. Porque quantos saem é porque já conseguiram superar a miséria. Se estão ali, é porque continuam na miséria. E aí se torna, ao invés de um sucesso, um certo fracasso.
Valor: O que o senhor acha que deve ser feito de diferente?
Siqueira: Precisa formar mão de obra qualificada, investir pesadamente no empreendedorismo, capaz de dar alternativas à população que entrou nesse sistema e que não conseguiu sair ainda. Tudo isso está pendente de uma solução, e precisa ter novas expectativas, e superar esse antagonismo, porque a polarização se tornou de certa maneira conveniente para os dois lados.
Valor: O senhor não acha que um problema é o governo não se conectar com os trabalhadores? A direita capturou os trabalhadores de aplicativos, por exemplo?
Siqueira: Sim, e aí vem a falta de compreensão das mudanças tecnológicas. Com elas você tem um novo mundo do trabalho que não é necessariamente emprego. Quando o governo propôs formalizar esse setor que trabalha na uberização e outros sistemas que são decorrentes das novas tecnologias, eles reagiram mal e o governo teve que recuar. A esquerda precisa se atualizar sobre esse aspecto e compreender esse novo mundo do trabalho que se formou e que vai continuar se aprofundando, porque é da natureza do capitalismo.
Valor: Olhando para 2026, a polarização vai se repetir? O PSB quer repetir a chapa com Lula, com Alckmin como vice?
Siqueira: O cenário de polarização vai continuar bem acentuado, tanto quanto foi na eleição passada, e isso não é para se comemorar. O PSB não tem alternativa nessa polarização que não seja estar do lado que sempre esteve, das forças progressistas. Vamos trazer nossos palanques para a candidatura de Lula, até mesmo onde ele não nos apoiou, como foi na Paraíba.
Valor: E Alckmin segue na vice?
Siqueira: Vamos defender como temos feito permanentemente, eu e outros dirigentes do partido, que o Alckmin continue a ser o candidato a vice, porque ele deu a sua contribuição e continua dando ao governo, no sentido de sintonizar com setores que eu acho que não são bem representados pelo PT. Talvez Lula tenha sonhado com um vice e não tenha pensado que poderia ter um vice tão bom como ele tem: leal, correto, trabalhador e que está fazendo um trabalho extraordinário nessa área para a qual ele foi escolhido.
Valor: E o que acha dos rumores de que outro partido pode pegar a vaga de vice, e Alckmin disputaria o cargo de senador ou governador por São Paulo?
Siqueira: Eu vejo com muita ironia. Na reforma ministerial, nenhum desses partidos quis aceitar a condição de se declarar comprometido com a eleição de 2026, e por isso que a reforma empacou. Todos esses partidos que eventualmente a imprensa cita como reivindicando a vaga de vice… nenhum deles quis se comprometer. E eu acho que não se comprometerá até que chegue o momento de avaliarem para onde o vento vai soprar.
Valor: Por isso acha que Lula deveria desde já antecipar a reedição da chapa de 2022?
Siqueira: Por que ele não deveria ser também mais leal a quem está sendo leal? A quem foi leal na eleição e está sendo leal no governo? Porque nós estamos dizendo claramente que estaremos com Lula, com as forças progressistas, e esses partidos não estão. Pelo contrário, estão se negando a dizer, inclusive os que estão com dois ou três ministérios.
Valor: Ainda sobre a decadência do sistema político, estamos vendo o Congresso tomar parte do Orçamento. Isso já beneficiou segmentos importantes do Centrão nas últimas eleições e aparentemente o governo tem cedido mais espaço. Como vê isso?
Siqueira: Isso é uma deformação extraordinária do sistema político, porque nós estamos no sistema presidencialista, onde quem executa o Orçamento é o governo federal. O Congresso sempre teve o poder no regime democrático de mudar até 100% o orçamento, mas não para ele, para que o Poder Executivo execute. E agora o que nós estamos vendo progressivamente é um Poder substituindo o outro. O Poder Executivo também, nos últimos anos, atuou com excesso de medidas provisórias. Agora o Poder Legislativo abocanha uma parte significativa do orçamento. Isso impede o planejamento de um projeto de governo, não obedece a uma linha programática de um projeto de desenvolvimento nacional.
Valor: Estamos em um parlamentarismo informal?
Siqueira: Não tenho dúvida. Se queremos um sistema parlamentarista, que se defina. Mas o que está sendo feito é uma deformação. Todos os partidos se beneficiam. Todos são responsáveis pelo que está acontecendo, inclusive o governo.
Valor: Mas tem como mudar esse quadro?
Siqueira: Tudo na vida tem como mudar. Agora, para mudar, é preciso que alguma liderança importante comece a defender a mudança. Isso é que é grave, que ninguém defenda essa mudança.
Valor: Sobre a questão dos governadores. Semana passada teve uma entrevista do ministro Márcio França ao jornal “O Globo”, que comentou declaração do senhor dizendo que ele não deveria ser candidato ao governo de São Paulo porque a disputa já estava perdida para a esquerda. Qual será o plano para os Estados?
Siqueira: A disputa prioritária do PSB para 2026 é a Câmara dos Deputados. O Senado e, obviamente, lançar governadores, ao avaliar que essa candidatura ajuda as candidaturas de deputado federal. É uma estratégia muito clara, a prioridade é eleger mais parlamentares. Sobre França, eu espero que ele esteja certo, e eu, errado.