O número de trabalhadores em serviços de saúde no Brasil praticamente dobrou na última década – pulou de 3,5 milhões no ano 2000 para 6,04 milhões em 2010. E o crescimento abrange tanto os ocupados diretamente em saúde – que eram 1,416 milhão em 2000 e chegaram a 3,23 milhões em 2010, num incremento de 41,7% – quanto os ocupados em atividades complementares. Estes, cresceram ainda mais: 58%, saltando de 2,060 milhões para 2,813 milhões em dez anos.
“Ou seja, este é um setor que não pode mais ser desconsiderado pela economia do país”, resumiu o professor-adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ), Mário Roberto Dal Poz, em palestra na sexta-feira (06) na Fundação Joao Mangabeira (FJM). “E isso sem contar o poderoso setor farmacêutico e outros afins”, complementou o especialista, que coordenou um projeto na área nos últimos 12 anos junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) e atualmente participa de um projeto da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para pensar a saúde no Brasil nos próximos 30 anos.
Um dos convidados desta que foi a última oficina do ano da série de debates Diálogos do Desenvolvimento Brasileiro, promovidos pela Fundação e o PSB ao longo de 2013, ele revelou também particularidades preocupantes deste mercado de trabalho. Segundo dados de 2012 do setor, o Brasil tem hoje 376 mil médicos e o dobro de postos de trabalho para essa profissão, “o que pode parecer bom, porém, indica que praticamente todos mantêm dois empregos ao mesmo tempo”, observou. Ainda, 83% das instituições de ensino em saúde no Brasil – 916 de um total de 1.103 – são privadas, o que, no seu entender, demonstra que o sistema de ensino da área precisa ser rediscutido, e logo.
Por fim, Dal Poz informou que os cursos de Medicina no Brasil formam atualmente cerca de 14 mil 600 médicos por ano (dados de 2011), o que equivale quase ao total de médicos estrangeiros que o Governo Federal está trazendo para trabalhar no país. “Ou seja, temos total capacidade de dar conta da demanda que eles irão agora atender, a questão, claramente, é gerir melhor esses recursos humanos”, avaliou.
Nesse contexto, a perspectiva para quem se formar em Medicina nas próximas décadas é das melhores. “Todos os que se formarem terão emprego, é o mercado de trabalho que mais tende a crescer hoje no Brasil”, afirmou, ressaltando que municípios, estados e o Governo Federal disputam entre si esses profissionais, além de com o setor privado. “Em função disso, eles podem exigir salários cada vez melhores”.
Já os profissionais da área de Enfermagem enfrentam situação oposta: segundo o especialista, há muito mais formandos do que vagas no mercado, o que provoca a redução dos salários da categoria e, com ela, uma queda na qualidade dos serviços, balizados pelo menor valor.
Novas profissões – Para Dal Poz, esses dados indicam algumas tendências do mercado de trabalho em saúde no Brasil nos próximos anos. A primeira delas é o crescimento progressivo da participação dos profissionais de saúde no total da população economicamente ativa (PEA) do país. A outra é a necessidade de regulamentação contínua das várias profissões da área que as novas tecnologias vão pressionando o mercado a criar.
“Cada vez que uma nova tecnologia é introduzida na área médica, uma nova função é criada para operá-la e avaliá-la, além das funções paralelas que elas começam a demandar”, observou. Isso aconteceu, por exemplo, no caso dos tomógrafos e dos aparelhos de ressonância magnética. Segundo ele, já chegam a 14 as funções regulamentadas hoje em Medicina no Brasil, o que não ocorre com nenhuma outra profissão. “O que significa que na área da saúde a tecnologia não substituiu a força de trabalho humana e, portanto, a atividade segue com sua principal característica, que é ser eminentemente intensiva em mão-de-obra”, destacou.
Mas esse quadro aparentemente positivo enfrenta uma sobreposição de problemas e desafios, que Dal Poz chama de “dupla agenda”. Um dos problemas é a preponderância da mão-de-obra feminina entre os médicos, o que causa problemas para os gestores especialmente na formulação das escalas de trabalho/plantão em 24 horas. “As médicas geralmente são mães e enfrentam dupla ou tripla jornada de trabalho no dia, como a maioria das mulheres, daí não estarem disponíveis, muitas vezes, para esse tipo de regime”, explicou.
Outro problema é a distribuição geográfica desigual dos profissionais, que se concentram nas capitais, regiões e estados mais densamente povoados, onde já é grande o número de colegas na ativa. Também há desequilíbrios na composição de pessoal da saúde, ou seja, na proporção médico-enfermeiro – o Brasil tem hoje 0,5 enfermeiro para cada médico. Baixa produtividade, baixos salários, ambientes de trabalho inadequados e até pouco conhecimento sobre a área da atividade exercida são outros problemas revelados por Mário Dal Poz.
Já entre os desafios que o setor precisa enfrentar com urgência, apontou o especialista, um dos principais é o papel crescente do setor privado na área da saúde no Brasil. Outro é a migração não gerenciada dos profissionais de saúde, tanto globalmente como na circulação regional. Por fim, ele alertou que também é preciso enfrentar a transição epidemiológica. “As doenças crônicas que chegam com a velhice – e a população do Brasil já começa a envelhecer – requerem mais e intensivos cuidados destes pacientes e maior preparo e especialização dos profissionais. Ainda não começamos esse processo no Brasil”, concluiu.