Autor: Flávio Arns (PSB-PR)
Senador da República
Começo esse artigo com uma pergunta básica e que, pasmem, nem todos sabem a resposta: o que são doenças raras e por quê falar delas?
No Brasil, uma doença é classificada como rara quando afeta até 65 pessoas a cada 100 mil. Estima-se que existam cerca de 13 milhões de brasileiros vivendo com essa condição. São mais de 7.000 tipos diferentes de doenças raras, que podem se manifestar em qualquer momento da vida, do nascimento, ou antes, até a fase adulta. Além disso, os sintomas variam de pessoa para pessoa, ainda que tenham a mesma doença.
Com base nesses dados iniciais, passemos ao passo seguinte, que consiste em saber mais sobre o diagnóstico e o tratamento. Aí, infelizmente, começam os desafios. A baixa oferta de informações e conhecimentos influenciam diretamente no diagnóstico. Além de haver necessidade de mais capacitação dos profissionais de saúde, a heterogeneidade dos sintomas requer uma qualificação especial, com testes específicos para muitas dessas doenças.
Uma vez que os pacientes consigam transpor a barreira do diagnóstico, enfrentam novos obstáculos por causa da falta de medicamentos adequados, no acesso aos tratamentos de alto custo e obstáculos junto aos serviços de saúde.
Para os pacientes com doenças raras, a busca por medicamentos é uma caminhada longa e angustiante. Além de haver poucos deles disponíveis pelo SUS (Sistema Único de Saúde), esses normalmente são de alto custo e alguns ainda não estão presentes no mercado brasileiro.
Em muitos casos, as pessoas recorrem a importações ou participam de programas de fornecimento de medicamentos em estudos ou pós-estudos, com acesso limitado para atender necessidades urgentes.
Os altos custos dos tratamentos muitas vezes são insustentáveis para as famílias dos pacientes, que sofrem com a falta de políticas públicas eficazes para garantir o acesso a esses medicamentos.
Nesse contexto, como senador, estou atento às necessidades, investindo na disponibilização de orientação e apoio para as demandas das pessoas com doenças raras, famílias, movimentos e organizações. Relizei, inclusive, interlocuções políticas com o Ministério da Saúde, sempre no sentido de que os pacientes recebam o que necessitam do governo, uma vez que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
No Senado, temos promovido discussões temáticas por meio das sessões plenárias nas comissões, subcomissões e audiências públicas. Apesar das dificuldades enfrentadas em um assunto de baixa prioridade orçamentária, temos avançado no sentido de que os medicamentos e tratamentos cheguem às pessoas.
Participamos de diversas frentes de luta das doenças raras e elas estão em diferentes estágios na busca por tratamentos no SUS. Ao longo dos últimos meses, as áreas do Ministério da Saúde foram oficiadas sobre as necessidades que identificamos nas nossas inúmeras iniciativas nesse segmento.
Acompanhamos com atenção a incorporação de tratamentos, medicamentos e PCDTs (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas) para as doenças raras na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde).
Essa comissão assessora o Ministério da Saúde e faz recomendações sobre a entrada ou exclusão de medicamentos, tecnologias e tratamentos no SUS, além dos PCDTs, que descrevem os passos no serviço de saúde para garantir que a medicação seja segura e produza os efeitos esperados. Estamos empenhados no diálogo que envolve as áreas técnicas do Ministério, secretarias estaduais, municipais e o Poder Judiciário.
A fim de exemplificar, podemos destacar 3 doenças raras que estão em estágio avançado em relação à oferta da medicação:
atrofia muscular espinhal (AME) – uma doença hereditária degenerativa e gradual, na qual o corpo deixa de produzir uma proteína para os neurônios motores, o que causa impacto na força muscular e dificulta atos como respirar, engolir e se mover;
doença de Batten (Lipofuscinose Ceroide Neuronal Tipo 2) – é marcada por convulsões, evolução na perda de capacidades mentais, motoras e perda da visão, que se manifestam a partir dos 5 anos de idade; e
fibrose cística ou mucoviscidose – é uma doença genética crônica que induz o corpo a produzir um muco espesso que provoca infecções, principalmente nos pulmões, pâncreas e no sistema digestivo.
Para o tratamento de cada uma dessas doenças, os pacientes precisam de medicamentos específicos. Para a AME, o Zolgensma; para a doença de Batten, o Brineura; e para a fibrose cística, o Trikafta.
Esses pacientes lidam com expectativas de acesso para essas medicações, mas a realidade é cruel. Buscam e não encontram os remédios no SUS, precisam recorrer às vias judiciais, ou até mesmo optam por tratamentos complementares.
Atrasos, descumprimento de prazos, falta de registros e burocracias. Pacientes e famílias sofrem pela falta de acesso à medicação. Não podemos ser indiferentes à lentidão dos processos. É nosso dever minimizar o sofrimento de quem convive diariamente com algum tipo de doença rara.
A dor não pode ser maior que o amor, o cuidado e o afeto. Não deixarei de ser proativo junto aos órgãos competentes na busca por uma vida digna para as pessoas com doenças raras. A vida dos raros importa.
Flávio Arns
Flávio Arns, 73 anos, é senador pelo PSB e presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. É formado em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e em letras pela PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Tem Ph.D. em linguística pela Northwestern University (EUA). Em 1983, participou da fundação da Pastoral da Criança. Iniciou sua caminhada política em 1991, quando assumiu o 1º de 3 mandatos como deputado federal. Em 2002, elegeu-se senador. De 2011 a 2014, foi vice-governador do Paraná e secretário de Educação.
* Artigo originalmente publicado no site do Poder 360º em 31.3.2024