A educadora Shirleide Pereira da Silva Cruz e a economista da área da Educação, Cristina Helena Almeida de Carvalho, ambas da Universidade Nacional de Brasília (UnB), também defenderam a necessidade de implantação urgente do Plano Nacional de Educação (PNE) durante suas palestras na Oficina Diálogos do Desenvolvimento Brasileiro, que o PSB e Fundação João Mangabeira (FJM) realizaram na sexta-feira (11) em Brasília.
A exemplo da conselheira Malvina Tânia Tuttmann, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que considera esse marco fundamental para estabelecer novos critérios de avaliação da educação, elas afirmaram que ele tem a mesma importância para a consolidação de um plano de carreira do magistério e do Piso Salarial Nacional e, ainda, de novas fontes de financiamento do setor.
Essa edição do evento teve como tema “Educação – Política Essencial para o Desenvolvimento” e, segundo oSecretário Nacional do PSB e presidente da FJM, Carlos Siqueira, teve como objetivo debater os sistemas atuais de avaliação da educação no Brasil, as fontes de financiamento do setor e as dificuldades de formação e remuneração do profissional educador. A Oficina de Educação foi realizada na sede da Fundação João Mangabeira e contou com participação de lideranças, militantes, convidados e representantes dos movimentos sociais do PSB – LGBT, Juventude, Negritude, Sindical, Mulheres e Popular.
Dificuldades de Formação e Remuneração do Educador
Shirleide Cruz, que é professora assistente da Universidade de Brasília no Departamento de Planejamento e Administração e integra, como formadora, o Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), alertou a plateia de socialistas sobre a necessidade de planos de carreira, piso salarial, ajustes de bolsas de estágios e outros aspectos relativos ao exercício da profissão de educador. “A gente destaca e agradece o privilégio de estar em um espaço diferenciado de diálogo como esse e falar para pessoas politizadas como vocês, sobre um assunto dessa importância e, ainda, neste momento por que passa o Brasil”, iniciou ela.
Também pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre História da Educação e Ensino de História em Pernambuco da UFPE, Shirleide defendeu que é preciso terclareza sobre os problemas que a educação enfrenta hoje no país para poder combatê-los. Nesse ponto, ela defendeu que uma das questões prioritárias do setor é a concretização do Plano Nacional de Educação, que aguarda votação no Congresso Nacional desde 2010. “É com ele que o governo irá verdadeiramente firmar compromisso com a carreira profissional do professor, que precisa ser avaliada ao longo dos anos analisando-se o Sistema Educacional e, também, o que foi discutido e decidido na Conferencia Nacional de Educação (Conae),em 2010”, detalha.
Essa Conferência, enfatizou, foi um espaço democrático aberto pelo poder público para que todos pudessem participar do desenvolvimento da educação e o tema escolhido para o primeiro encontro foi da maior importância para os educadores – “Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educação: Plano Nacional de Educação, suas Diretrizes e Estratégias de Ação”.
“Para pensarmos no professor como um formador essencial para construir a educação como direito social do país, é preciso termos conhecimento da realidade e estrutura que temos hoje”, destacou a educadora. “E, além do papel do professor nesse processo, há também o da escola. A função social da escola é fazer com que os sujeitos tenham acesso ao conhecimento e, ao mesmo tempo, também construam o conhecimento pela humanidade”.
Sobre o projeto pedagógico e as políticas públicas para a formação de professores ela analisou a necessidade de olhar para a educação como um elemento estruturante, que forma o Estado brasileiro como sólido, e não somente como mais uma profissão. “É preciso ter um equilíbrio e o Brasil hoje passa por um grande desequilíbrio: 78% dos professores são formados por instituições privadas”, disse Shirleide. “Precisamos atrair mais formandos para as cadeiras públicas de formação superior”.
A palestrante destacou ainda a baixa e desunificada remuneração salarial dos professores. “É preciso implementar, de fato, o Piso Salarial Nacional, só assim equilibra-se a profissão em todo nosso país”, salientou. Segundo ela, o quadro atual apresenta um quadro de déficit no erário e aplicações de remuneração por mérito que não refletem o ciclo de vida profissional – início e desenvolvimento de carreira e aposentadoria. “Isso não estimula quem acabou de entrar na carreira, já com baixo salário e sem plano definido de cargos e carreira. O plano atual intensifica muito mais a falta de motivação do professor”, lamentou. “Além disso, quando ele chega na aposentadoria percebe que vai receber um valor que não reflete seu esforço ao longo de sua profissão”.
Shirleide destacou ainda, dentre os problemas de condições de trabalho do professor que precisam de maior atenção, a necessidade de ampliação do programa de apoio didático pedagógico e construção de creches para auxiliar nos programas de governo destinados à educação infantil. Ela também abordou a falta de infraestrutura nas escolas públicas, a distante relação aluno-professor e professor-aluno e a ausência de horário remunerado para planejamento.
Fontes de financiamento da Educação no Brasil
Já a economista Cristina Helena Almeida de Carvalho, que é professora adjunta do Departamento de Planejamento e Administração da Educação (PAD) da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB) e especialista em Política Educacional, sobretudo em expansão e financiamento da educação superior, ministrou uma verdadeira aula sobre como funciona o sistema de financiamento do setor no Brasil. Ela detalhou todas as fontes de financiamento existentes atualmente, as leis que deliberam sobre sua destinação e, também, os projetos de lei que tramitam no Congresso para modificá-las e defendeu uma discussão sobre um novo federalismo como solução. “Não temos como prescindir dessa discussão no tema”, afirmou.
De acordo com Cristina Helena, que já foi consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) junto ao Ministério da Educação (MEC) e também consultora/ pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), outra questão urgente e prioritária para o financiamento do setor é a da definição do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) que será destinado à Educação. “Qual será esse percentual? Conseguiremos alcançar os 10% defendidos por muitos, como o PSB? Além disso, esse percentual será destinado somente à educação pública ou também alcançará a privada?”, questionou. “Essa, aliás, será a grande questão desse debate: a relação público-privada nos recursos públicos”.
Segundo a economista, os principais marcos legais ou arcabouços jurídicos do sistema que atualmente financia a Educação no país são:
· A Constituição Federal de 1988, artigos 145 a 162 e 211 a 215;
· O Fundo Social de Emergência (FSE), o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e a Desvinculação de Receita da União (DRU), que vigorou de 1994 a 2009;
· A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB, de 1996, artigos 6 a 77);
· A Emenda Constitucional nº 14 de 1996, que definiu o Fundef;
· A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF/2000) – que determina limites para os gastos públicos com pessoal e é o principal argumento dos Prefeitos para não conseguir pagar o Piso Salarial Nacional dos professores;
· O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001-2010 – Lei 10.172/01;
· A Emenda Constitucional nº 53/2006 – que criou o Fundeb;
· A Emenda Constitucional nº 59/09 – que determina a extensão da obrigatoriedade para a educação básica (de 4 a 17 anos), define o fim gradativo da DRU, que hoje não vigora mais, para a educação, e define um percentual do PIB para a educação;
· O Projeto de Lei nº 8035/2010 – Plano Nacional de Educação (PNE).
“Temos uma das mais avançadas legislações da área, garantidas pela Constituição Federal e nascidas a partir dela, o problema é a implementação, na prática, das políticas públicas para educação, o que ainda requer um bom aprimoramento”, resumiu a especialista. Para ela, um dos grandes desafios do setor hoje, em termos de financiamento, é a educação infantil, que é de responsabilidade dos municípios. “Eles não têm recursos suficientes, uma vez que é especialidade que envolve custos elevados e requer investimentos principalmente na qualidade da educação na primeira infância”, preocupa-se Cristina Helena.
Mas o maior desafio apontado por ela no tema financiamento educacional é mudar a lógica desse financiamento. “Ou seja, não dá para ficar planejando quanto é possível gastar por aluno, mas priorizar o quanto é necessário investir em educação para termos uma educação de qualidade”, comparou. “É um desafio de mudança de lógica: ao invés do custo-aluno, vamos definir a qualidade da educação básica como referencial para o financiamento”. Cristina Helena também defende uma reforma tributária como forma de aumentar os recursos para a educação e um novo pacto federativo, com maior equilíbrio entre o recebimento de recursos e as funções dos entes federados. “Só com o país crescendo e com desenvolvimento é que se pode arrecadar mais e aplicar mais em educação”, afirmou.
Por fim, a economista apontou os principais dilemas e desafios do financiamento educacional hoje no Brasil.
Dilemas e desafios do financiamento da Educação
1) O Sistema Nacional de Educação (SNE) ainda está em construção, os grandes desafios são na articulação do regime de colaboração e temos ausência de uma Lei Complementar nesse sentido;
2) A educação é a única área que tem recursos vinculados e garantidos pela Constituição desde 1934 no Brasil, mas seguidamente há tentativas dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento de acabar com essa vinculação, utilizando-se da tese de engessamento dos recursos públicos e retirada da capacidade discricionária do gestor;
3) Há uma subordinação da política educacional à política fiscal no Brasil. Ex: o governo primeiro define o quanto se precisa economizar para depois avaliar o quanto gastará com o setor, ou seja, há uma definição de meta prévia de superávit primário;
4) A DRU de 20% foi importante de 1994 a 2009; com o fim gradativo dela até 2011, agora o setor carece de outra fonte de financiamento.
5) Há um impasse sobre o pagamento do Piso Nacional Salarial do magistério, hoje de R$ 1.567, em todo o país. Seu reajuste, determinado pela variação do Fundeb, que é bem maior que a da inflação oficial, já levou vários prefeitos a recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF). Eles também alegam que não podem pagar o piso porque ele leva os orçamentos municipais a extrapolarem o teto de 60% de gastos com pessoal determinado pela LRF – é outro grande desafio do setor.
6) Pelo princípio constitucional da escolaridade obrigatória, precisamos colocar todas as crianças de 04 a 17 anos na escola até 2016. É um enorme desafio quantitativo,pois atualmente temos mais de 4 milhões de crianças fora da escola;
7) Há uma pressão maior sobre os estados pela responsabilidade com o ensino médio e sobre os municípios pela educação infantil, que tem custos maiores. O Governo Federal fica apenas com a responsabilidade no ensino fundamental – é preciso reequilibrar isso entre os três;
8) Também é preciso ponderar o caráter provisório do Fundeb, que por lei (CF/88, artigo 60/ADCT) tem validade somente até 2020, e definir o que será desse fundo e como ele ficará quando o PNE entrar em vigor. Nossa proposta é de um Fundeb único, para a redução das desigualdades interestaduais, e não apenas as intraestaduais.
* CONFIRA AQUI A ABERTURA DO EVENTO – http://www.psb40.org.br/not_det.asp?det=4600