Em mais um ataque ao serviço público e às carreiras de Estado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comparou servidores que ingressaram nos cargos por concurso com ‘militantes’.
“Poderíamos, assim como outros governos, estar abrindo concursos públicos, colocando gente para dentro, para aparelharmos o Estado e termos bastante militantes trabalhando para nós no futuro. Não estamos pensando assim, estamos pensando nas gerações futuras”, afirmou o ministro, nesta terça-feira (11), em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que analisa a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, a PEC 32.
Desde o início da gestão Bolsonaro, o governo praticamente zerou a realização de concursos, com exceção da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, que devem ocorrer neste ano.
Guedes criticou mais uma vez a diferença entre os salários no começo e no fim das carreiras e a estabilidade em pouco tempo de serviço. As duas questões são alvos da PEC do governo.
“É preciso entrar com salários comparáveis aos da iniciativa privada. Cada carreira de Estado que vai definir em que momento o novo servidor deve ter aumentos de salários e conquistar a estabilidade pelos serviços prestados. Será um prêmio ao bom desempenho, em vez de um cartório por passar em um exame”, completou Guedes.
Agenda liberal
Na verdade, o que Paulo Guedes persegue desde o início do governo Bolsonaro é implementar uma agenda ultraliberal nos moldes do que estudou na Universidade de Chicago, onde cursou pós-graduação, e onde conheceu vários estudantes chilenos que viriam a assumir postos relevantes no regime militar do ditador Augusto Pinochet, no Chile.
Esta agenda implantada naquele país, a partir de 1973, assim como no Reino Unido, na Argentina, no Uruguai e Brasil – nesses três durante regimes ditatoriais – tem como eixos a liberdade de preços, abertura econômica, redução de impostos, privatização de empresas estatais e redução do Estado, além de um processo de doutrinação da população, como detalha o economista chileno formado em Chicago Ricardo French-David, no filme sobre os seguidores da Escola de Chicago.
Se observarmos, a mesma pauta é repetida com insistência por Guedes desde 2019.
Uma das medidas adotadas à época no Chile, e que, felizmente, Guedes não conseguiu aprovar no Brasil, foi a substituição do modelo previdenciário distributivo pelo de capitalização, o que seria um desastre social ainda maior que o provocado pela reforma aprovada por Bolsonaro. No Chile, o modelo previdenciário criado no governo Pinochet, e operado por meia dúzia de bancos privados, se tornou um dos grandes tomentos para os pensionistas pela insuficiente remuneração.
Assim como Bolsonaro não esconde sua admiração pelo regime de Pinochet, entre os mais sanguinários de que se tem notícia, o seu atual ministro da secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, rasgou elogios ao modelo dos Chicago Boys chilenos, anos atrás: “O Chile para nós é um exemplo de país que estabeleceu elementos macroeconômicos muito sólidos, que lhe permitiram ser um país completamente diferente de toda a América Latina”. O discurso do ministro brasileiro está bem distante da realidade o país andino.
“Rabo do cachorro”
A “Escola de Chicago” tinha como homem-forte o economista Milton Friedman, morto em 2006, e pai intelectual de uma geração de economistas conhecidos como ‘Chicago Boys’.
Friedman teria convencido o general Pinochet, em março de 1975, a abrir espaços estratégicos em seu governo para os economistas de sua “escola”, que até aquele momento ocupavam cargos secundários. No encontro com o ditador, em Santiago, Friedman teria dito uma frase que ficou famosa, de que “as medidas devem ser tomadas de forma radical, porque é melhor cortar o rabo do cachorro de uma só vez do que em pedacinhos”.
A receita do guru número 1 dos liberais foi cumprida à risca pelo regime militar chileno e deixou marcas profundas no tecido social do país. Quando o Chile retomou a democracia, em 1990, 40% da população vivam em situação de pobreza. As transformações promovidas pelos governos que se seguiram, alternando a democracia-cristã e os socialistas, reduziu esse índice para 8,6%, de acordo com a Pesquisa Casen, 2017.
Como na maioria dos países ‘em desenvolvimento’, no Chile, a tarefa de reconstruir o país e recuperar a dignidade de seu povo tem sido dos democratas e progressistas.
Reforma Administrativa
A PEC da reforma administrativa, apresentada pelo governo federal em setembro de 2020, restringe a prerrogativa de estabilidade no emprego para os servidores públicos e acaba com uma série de benefícios. Ela fere os direitos e as garantias individuais e sociais, em claro retrocesso que serve de pano de fundo para o enfraquecimento do serviço público.
O projeto cria cinco tipos de vínculos para os novos servidores, apenas um deles com garantia de estabilidade no cargo após três anos.
O ministro considerou ainda que a digitalização de serviços – que reduz a necessidade de pessoal – tem elevado de maneira “extraordinária” a produtividade no serviço público e enfatizou o desafio da modernização do Estado, com mais digitalização e eficiência nos serviços, descentralização dos recursos e meritocracia nas carreiras.
Para o deputado federal Gervásio Maia (PSB), Integrante da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não é possível permitir que a PEC seja conduzida sem a participação da sociedade, sendo assim, o parlamentar protocolou requerimento para incluir representantes de diversas categorias dos servidores públicos nos debates sobre o projeto de reforma administrativa.
De acordo com Gervásio, a proposta “é mais um massacre” do governo Bolsonaro aos servidores, pois retira, mais uma vez, direitos conquistados “com muita luta”. “Não podemos permitir o desmonte do Estado e o abandono da defesa dos servidores”, ressaltou.
Com informações do Estado de S. Paulo