O federalismo só irá promover avanços se, ao invés de competitivo, adotar um modelo cooperativo, em que os entes federados consigam ultrapassar os interesses de suas fronteiras em nome do que for melhor para o conjunto. A avaliação é da professora-doutora Gesine Schwan, presidente da Escola de Governança Humboldt Viadrina, de Berlim, na Alemanha, que abriu no dia 17 mais um ciclo de palestras sobre política internacional promovido pela Fundação João Mangabeira (FJM) e o PSB, em Brasília.
Gesine Schwan, que é cientista política e concorreu por duas vezes (2004 e 2009) à Presidência da Alemanha pelo Partido Social-Democrata Alemão (SPD), foi a convidada para falar sobre Federalismo na Alemanha e na Europa. Ao lado de seu marido, o também professor-doutor alemão Peter Eigen, fundador e presidente da ONG Transparência Internacional, ex-diretor do Banco Mundial na África e conselheiro político de diversos governos africanos, que veio ao evento da FJM debater sobre a iniciativa de transparência na indústria extrativa. (http://www.psb40.org.br/not_det.asp?det=4654)
Ambos também estiveram nesta segunda-feira (21) com o presidente Nacional do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, em Recife.Foram tratar de uma cooperação entre o Governo do estado e a Escola de Governança Humboldt Viadrina, com a disponibilização de vagas para profissionais pernambucanos realizarem mestrado na instituição. Confira: http://www.psb40.org.br/not_det.asp?det=4633
Na palestra em Brasília, o presidente da Fundação João Mangabeirae primeiro Secretário Nacional do PSB, Carlos Siqueira, destacou a alegria e satisfação do partido em poder trazer o conhecimento de dois especialistas tão reconhecidos para compartilhar com a sua militância. “É uma noite muito especial para a Fundação e o PSB, pois o tema do federalismo é uma das principais bandeiras de nosso partido, há muitos anos que lutamos para que o nosso país possa realmente se transformar numa federação”, afirmou.
Ele também saudou Gesine Schwan como uma companheira, lembrando que o partido democrata da Alemanha é um partido co-irmão do PSB, e fez um agradecimento especial ao conselheiro de Assuntos Internacionais da FJM, Rafael Carneiro, por ter intermediado a vinda do casal ao Brasil.
Dificuldades em comum – A cientista política alemã revelou que esta foi a primeira vez que veio ao Brasil e que sentia certa vergonha disso, porém, como o marido veio diversas vezes em 25 anos de trabalhos de consultoria e atribuições na América Latina, afirmou que indiretamente conhece alguma coisa do Brasil. “Além disso, li bastante material sobre o federalismo brasileiro e sua Constituição Federal, então ficou claro para mim porque o tema é tão importante para vocês”, afirmou. “Como na Alemanha, que também é uma federação, o Brasil enfrenta dificuldades no funcionamento desse sistema”.
De acordo com a especialista, o tema do federalismo é difícil e complexo em todos os países e há diversos significados e sistemas para ele. O mais conhecido é modelo anglo-saxão, que foca muito nos estados federados e não da federação, em si. Já no Brasil e também na Alemanha, o federalismo estabelece uma relação um pouco mais solta entre essas instâncias.“Mas não podemos esquecer que o federalismo, numa definição breve, é uma forma de divisão de poderes. E, como ensinou Montesquieu no seu A Teoria do Direito, onde ele descreve a divisão de poderes, é preciso haver um mecanismo em que o poder pare o poder, ou seja, que possa detê-lo”, argumentou. “Essa é a quintessência da divisão de poderes, que equivale ao sistema de pesos e contrapesos, o conhecido checks and balances que o federalismo busca aplicar, na prática”.
Gesine Schwan disse que Montesquieu afirmava em sua obra que esse mecanismo deveria levar a um estancamento total do poder, com os poderes se barrando entre si – mas isso, porém, se o curso dos acontecimentos não fizesse com que as coisas evoluíssem fora desse controle. O problema, citou ela, é que Montesquieu não explica como o curso das coisas faz avançar esse processo.“A divisão de poderes pode, de fato, promover uma inércia, uma detenção do poder.
Muitas vezes, vemos que a divisão de poder entre o Congresso e o Governo, em relação ao orçamento, por exemplo, leva a esse impasse, a essa paralisia”, exemplificou. “Acabamos de ver o que aconteceu com o governo Obama nos EUA e a paralisia que sofreu em relação ao orçamento. Não podia mais pagar as dívidas nem fazer despesas porque não chegavam ao um consenso. Todos supunham que eles iriam chegar a um acordo em algum momento, mas havia a possibilidade concreta de não chegarem e o país correr um risco enorme com isso”.
Em função disso, na divisão de poderes no federalismo é importante haver estímulos permanentes – seja pelas instituições envolvidas, pelos interesses em jogo ou pela cultura de compromissos do país – para que as coisas não cheguem a esse ponto de inércia. E que possam avançar apesar da divisão de poderes e do “poder contra o poder”.
Vantagens do federalismo – Mas, se existe esse grande risco, qual a razão então de perseverarmos no federalismo?, questionou Gesine Schwan. Uma das vantagens, aponta, é que ele oferece a possibilidade de que muitos grupos, e diferentes grupos, possam participar do processo político, promovendo uma integração entre pessoas de diversas regiões e diversos níveis e, dessa forma, facilitando a proximidade com os cidadãos. “Com isso, o sistema não centraliza todas as decisões nas mãos do Governo, mas permite que pequenos grupos também possam participar. Então, o federalismo é um princípio que promove a democracia”.
Outro ponto favorável do federalismo é justamente a diversidade que ele torna possível– de posições, de interesses diferenciados, estratégias, políticas. “Isso tudo é muito bom para a democracia. Por exemplo, na educação, é possível a cada ente federado fazer experiências diferentes, nem tudo é regulado pelo estado federal. E isso na Alemanha é muito importante, pois o ensino é atribuição dos estados e, assim, eles podem realizar novas experiências e mudanças”, relatou a cientista política.
Por outro lado, há também problemas, como as contínuas campanhas eleitorais para estados e municípios, além da federal, que também ocorrem na República Federal da Alemanha. “Está sempre havendo alguma eleição em nosso país e, neste cenário complexo, os políticos não gostam de arriscar e evitam as decisões desagradáveis”, revelou. “Tanto que na Alemanha chamamos isso de campanha eleitoral permanente, o que faz com que decisões importantes sejam sempre adiadas. Ou nem sejam tomadas. Também, por vezes há falta de clareza nas competências entre a federação e os federados, sobre quem decide o quê e quando. Além dos problemas no financiamento”.
Segundo Gesine Schwan, na Alemanha há um federalismo executivo, do qual participam, além da União federativa e do parlamento representativo, também o conselho dos estados e, ainda, um conselho de intermediação. Todos com poder ter de veto suspensivo, ou seja, são várias alianças por coalizão que têm de chegar a um entendimento.
“São tentativas de reagir ao crescente poder da esfera federal, que foi aumentando ano a ano desde a criação do estado Alemão”, avaliou. “Há muito que os alemães buscam modificar essa proporção entre estados e governo federal, mas nunca encontramos uma situação satisfatória. Por isso, no momento atual, em que estamos formando um novo governo federal, a reforma federalista é um dos problemas centrais – e isso apesar de já termos feito uma reforma recente nesse sentido, em 2006”.
A cientista política diz que, pelo que estudou e leu sobre o Brasil, enfrentamos situação semelhante. “Há uma grande discussão no Brasil atualmente sobre a utilidade do modelo de federalismo em vigor, e garanto que isso é uma coisa muito difícil de ser estabelecida em todos os países”, ponderou ela. “Porque esse sistema de checks and balances tem que ser aplicado de forma inteligente, mas existe sempre a tentação de que o poder que uma das parte pode exercer para deter a outra seja usado durante tanto tempo que inviabilize uma solução”.
Reforma federativa – Ela exemplificou com a experiência da Alemanha quando, em 2006, fez a reforma do federalismo e decidiu sair do modelo cooperativo para o competitivo, a fim de tornar as políticas públicas mais eficientes, especialmente na área da Educação. Pela reforma, caberia à União apenas o investimento nas pesquisas do setor e os estados ficariam com as responsabilidades práticas da Educação, sem nenhuma interferência do Governo Federal.
Porém, apenas sete anos depois da mudança, a população percebeu que as verbas federais estão fazendo falta, que se criaram grandes diferenças entre os estados nos níveis de ensino, as famílias se queixam de que não há mais compatibilização entre os diversos sistemas educacionais, por isso não podem mudar de um estado para o outro, porque não há correspondência nem nos métodos nem nos currículos.
“Assim, na nova reforma que estamos construindo agora em 2013, o foco não está mais no federalismo competitivo, a maioria dos alemães quer voltar para o modelo cooperativo porque o outro levou a muitas desigualdades dentro do país”, afirmou. Também, no caso da Alemanha, os estados federados alemães são muito fortes em relação à atuação na União Europeia, o que é outro ponto polêmico. “O que acaba às vezes constrangendo o nosso governo federal, que fica com a atuação limitada em suas decisões em algumas questões, devido à influência dos estados que ali estão representados”.
Gesine Schwan também percebeu que há uma grande diferença entre o federalismo alemão e o brasileiro: na Alemanha, apontou, os partidos federais tem prioridade e não há divergência entre eles no nível federal e as suas representações estaduais. “No Brasil, entretanto, vejo que os partidos e seus aparelhos eleitorais nos estados têm uma grande influência, são muitos poderosos. Assim, sob esse ponto de vista, como fonte de poder político, o federalismo brasileiro se assemelha mais ao do contexto europeu”, comparou.
Finalizando sua palestra, a especialista concluiu que quadros como esse e a complexidade das relações políticas atuais exige um grau cada vez maior de cooperação, e isso deve servir de motivo para que o federalismo seja praticado de maneira cooperativa, “senão as decisões não são possíveis”.
“O federalismo precisa ser desenvolvido de uma forma inteligente. Nós só avançaremos se realmente de fato quisermos cooperar uns com os outros”, afirmou. “Eu acredito que no longo prazo alcançaremos isso, tanto na Alemanha e União Europeia como no Brasil, se transpusermos as fronteiras para uma melhor governança – e elas incluem não apenas os governos (federais e estaduais), mas também a iniciativa privada e a própria sociedade. Sem esse princípio, não sairemos do egoísmo dos estados nacionais e das perspectivas míopes que costumam ter, por não conseguirem mais achar saídas”.