Autor: Tadeu Alencar
Deputado federal (PSB-PE)
A Constituição de 1988 desenhou um rosto para o Estado brasileiro, fortalecendo as instituições de controle no País, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, as controladorias, bem como a advocacia pública, no seu papel de controle de legalidade, de recuperação de créditos e na defesa do patrimônio público, além de dar a esta, instrumental que fortaleceu a sua defesa em face do forte contencioso contra a Fazenda Pública.
A Carta Política deu também relevo ao Poder Judiciário, consagrando a independência funcional como atributo essencial à proteção da cidadania, quando desrespeitados os seus direitos.
Esse pacto social restou firmado pelos representantes do povo, depois de uma batalha entre os conservadores pouco afeiçoados às conquistas democráticas e as forças progressistas que sabem que justiça social e democracia dependem do livre funcionamento das instituições. Tal conformação do Estado brasileiro não foi assimilada com tranquilidade, provocando várias tentativas de modificá-la, ainda que com diversa motivação.
O que é certo é que, de tempos em tempos, vem-se tentando cassar prerrogativas que visam limitar a ação das instituições republicanas ou enfraquecê-las. A última delas foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/21 que, a pretexto de corrigir excessos, terminou ensejando um relatório que, na prática, permitiria um controle político sobre a atividade finalística do Ministério Público.
A mudança, se aprovada, teria comprometido a sua independência funcional da classe, ferindo de morte o espírito da Carta Magna, que instituiu tal prerrogativa como um corolário da guarda dos direitos individuais, coletivos e sociais, bem como da defesa do patrimônio público, do meio-ambiente, da moralidade pública, da impessoalidade, da legalidade constitucional.
O combate à corrupção restou enormemente fortalecido com esse perfil do Ministério Público, que deve ser defendido, não só pelos integrantes da corporação, mas por toda a sociedade, a quem deve interessar o controle do poder, que deve sempre estar submetido a rígido e sólido controle, como o exige a crença republicana. Por isso, causa espécie que se queira influenciar a escolha do Corregedor Nacional de Justiça, membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Que razões de ordem pública moldam o desejo do parlamento de querer decidir sobre o Órgão correcional do Ministério Público? Esse desejo é para fortalecê-lo ou para diminui-lo, tolhendo a atuação dos seus integrantes? A possibilidade de controle político sobre a atividade fim do Ministério Público restou evidenciada com a possibilidade de anulação pelo CNMP, de atos decorrentes das atribuições institucionais dos membros dos diversos ramos do Ministério Público brasileiro.
A despeito das evoluções inegáveis nos diversos textos apresentados, a PEC 05 ficou marcada pelo signo da extemporaneidade — em plena pandemia e na vigência de um governo de corte autoritário — e da falta de debate. O texto sequer foi votado na Comissão Especial, que não realizou as audiências públicas que teriam evidenciado os equívocos da proposta. Ainda que houvesse boa intenção à iniciativa, o resultado representaria uma ofensiva à livre atuação do Ministério Público. Por isso é que desde a CCJ firmamos posição convicta contra a PEC 05/21, e assumimos decidida atuação contra ela em Plenário. Imagino que essa mesma preocupação é o que fez minguarem os votos necessários à sua aprovação.
Isso significa que o Ministério Público está isento de erros? Em absoluto, esses erros existem e são muitos. A ação espetaculosa, parcial, e, mesmo, política, de alguns de seus membros, deve ser discutida e aperfeiçoados os mecanismos de controle de sua atividade. É possível fazê-lo? Sim, pois não se pode permitir a adulteração da função pública, ainda mais em uma de tamanho relevo, que subordine as prerrogativas institucionais a interesses e apetites inconfessáveis, ou desafiadoramente reconhecidos.
Atuações ao arrepio da lei devem ser submetidas a diligente controle, cabendo ao próprio Ministério Público participar desse debate e influenciá-lo, a fim de ver resguardada a sua atuação dentro dos limites da lei e da Constituição, pois só assim terá legitimidade democrática.
Aperfeiçoar os mecanismos de controle exige autoridade política para fazê-lo, discussão profunda, paciência, respeito às divergências, observância dos ritos para alteração da Constituição, desapego corporativo, visão de Estado. Melhorar o funcionamento do Ministério Público é desejável, necessário e urgente. Tem o meu irrestrito apoio. Enfraquecê-lo, jamais!
*Tadeu Alencar é deputado federal pelo Estado de Pernambuco, ex-líder do PSB na Câmara dos Deputados. Também foi bancário, procurador da Fazenda Nacional e Secretário da Casa Civil em Pernambuco
* Artigo originalmente publicado no Estadão em 29.10.2021