No dia em que o Brasil ultrapassou os 300 mil mortos pela Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro reuniu chefes dos Poderes Legislativo e Judiciário, governadores e ministros de Estado, nesta quarta-feira (24).
Segundo anunciado, o objetivo era tratar da maior crise humanitária da história do país, provocada pela Covid-19. Sem controle dos órgãos federais, em apenas 75 dias, o vírus matou 100 mil pessoas.
Ao final do encontro, o presidente anunciou a criação de um comitê para coordenar ações de enfrentamento ao coronavírus. Formado por membros do governo federal, do Senado e chefes de governos estaduais, o grupo deverá se reunir semanalmente.
A um ano do início da pandemia, o país vive o pior momento da crise, com contágio acelerado, colapso do sistema de saúde público e privado, falta de leitos de UTI, ausência de um plano nacional de vacinação, escassez de vacinas, de profissionais treinados, medicamentos e insumos básicos para os doentes graves, como oxigênio.
O resultado é uma tragédia humanitária sem precedentes em que pacientes morrem no chão de hospitais à espera de atendimento adequado, outros sofrem com o processo de intubação sem a devida sedação, e filas de pessoas infectadas, atormentadas pela dificuldade de respirar enquanto aguardam um leito. E anseiam por uma chance de salvar-se.
Em meio a esse quadro caótico, na saída do encontro, Bolsonaro disse à imprensa que defende “a vida em primeiro lugar”, desta vez, sem equiparar a preservação da vida à manutenção de empregos, como de costume. No último ano, no entanto, repetiu que “a economia não podia parar, que o país iria quebrar”, negou a importância do auxílio emergencial e do distanciamento social, medidas necessárias para evitar o avanço do vírus.
Após meses negando a gravidade da Covid-19, que chamou de “gripezinha”, nesta quarta-feira, o presidente citou a força das novas variantes do vírus para justificar sua preocupação.
Tratamento precoce
Mas o discurso ensaiado para a imprensa não foi o mesmo feito aos participantes da reunião, no Palácio da Alvorada.
No encontro, segundo relatos de presentes, Bolsonaro não mencionou nenhuma das medidas consideradas essenciais por especialistas neste momento: novas diretrizes na área da saúde, uma coordenação nacional, articulada com governadores e prefeitos, a compra de medicamentos e insumos e a reabertura de leitos de UTI.
Nem defendeu, tampouco, o distanciamento social ou o lockdown. Nos últimos dias, tentara, sem sucesso, barrar algumas medidas de isolamento adotadas nos Estados da Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.
Aos presentes, Bolsonaro voltou a propagandear o “tratamento precoce”, método que prevê a utilização de medicamentos defendidos por ele, mas que não têm eficácia contra a Covid-19, segundo pesquisas científicas internacionais.
“Tratamos também de possibilidade de tratamento precoce. Isso fica a cargo do ministro da Saúde, que respeita o direito e o dever do médico tratar ‘off-label’ os infectados”, admitiu aos repórteres.
Em sua fala, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a articulação entre União, estados e municípios – iniciativa que deveria ter sido adotada há um ano e que foi questionada por Bolsonaro quando o Supremo Tribunal Federal reafirmou a autonomia de Estados e municípios e a necessidade de ação conjunta dos três níveis federativos – vai ajudar a agilizar a vacinação e diminuir os efeitos da pandemia.
“A conclusão é o fortalecimento do SUS, articulado nos três níveis, para prover à população brasileira, com agilidade, uma campanha de vacinação que possa atingir uma cobertura vacinal capaz de reduzir a circulação do vírus”, afirmou o ministro.
Logo após a reunião coordenada pelo presidente da República, seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), atacou governadores e prefeitos, em postagem no Twitter.
“Muitos governadores e prefeitos matando as pessoas de fome, aumentando o número de mortes também com seus lockdowns, mas a narrativa não pode parar: A CULPA É DO PRESIDENTE, mesmo agindo desde o início!”, disparou.
Bolsonaro vive no “mundo da fantasia”
A afirmação de Queiroga, no entanto, é negada pela realidade. Desde o início, Bolsonaro atacou governadores e prefeitos e no encontro desta quarta-feira sequer convidou as duas entidades municipalistas – a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Presidida pelo ex-prefeito de Campinas Jonas Donizette (PSB), a FNP criticou a ausência de representantes dos municípios na reunião. Em nota, afirmou que não convidar prefeitos e prefeitas, responsáveis pela aplicação de vacinas contra a Covid-19, parece ser uma ideia de “federalismo de conveniência”.
A FNP representa as 412 cidades com mais de 80 mil habitantes.
“O presidente não disse nada com nada. Nem mencionou o novo ministro da Saúde. Ele se vende como um super-herói que não existe. Passa a ideia de que é uma pessoa isolada, que vive no mundo da fantasia”, criticou Donizette ao Broadcast Político, do Grupo Estado.
Para o presidente da FNP, isso demonstra a falta de disposição ao diálogo.
“Os prefeitos estão angustiadíssimos com a superlotação dos hospitais e a demora na distribuição das vacinas. Como não gosta de ser contrariado, Bolsonaro fez uma reunião da gente com a gente mesmo”, ironizou o ex-prefeito de Campinas.
“Desavenças acima do Brasil”
O líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB), também criticou o fato de Bolsonaro só ter convidado governadores aliados e excluído parte do país.
“Inacreditável! Para Bolsonaro, as desavenças estão acima do Brasil. Só ontem, morreram mais de 3 mil pessoas e o presidente convida apenas governadores amigos para uma reunião de ‘união nacional’ contra a covid. Que união é essa que exclui e divide parte do país?”, questionou em publicação no Twitter.
O deputado socialista Bira do Pindaré (PSB-MA), classificou o discurso do pronunciamento como “cinismo puro”.
O socialista Camilo Capiberibe, deputado federal pelo Amapá, disse que o avanço da pandemia no Brasil deixa claro que o discurso presidencial é mentiroso. E atacou a mensagem do presidente na véspera da reunião, em cadeia nacional de rádio e TV:
“O presidente se reinventou como o líder do combate à pandemia. O problema são os fatos: 300 mil brasileiros morreram enquanto ele aglomerava, sabotava a atuação de governos e prefeituras, distribuía cloroquina e, sem nenhum pudor, politizava as vacinas”, resumiu.
Assessoria de Comunicação/PSB Nacional