O primeiro Secretário Nacional do PSB e presidente da Fundação João Mangabeira, Carlos Siqueira, fez uma análise nesta terça-feira (18) sobre as manifestações populares que tomaram as ruas das principais capitais do país na noite desta segunda-feira (17). De acordo com ele, é visível que elas foram geradas por uma insatisfação acumulada da sociedade, cansada de não ter suas demandas mais básicas e legítimas atendidas.
Ao mesmo tempo, ressalta o dirigente socialista, as manifestações atuais trazem dois fatores extremamente importantes a serem levados em conta pelas autoridades governamentais de todas as esferas e, especialmente, pelos partidos políticos: elas são totalmente espontâneas e apartidárias, inclusive organizadas sem a participação de nenhum partido político. “É um fato novo que precisa ser muito bem examinado, porque revela um distanciamento dos partidos das causas populares”, avalia Carlos Siqueira.
Para ele, as manifestações cada vez maiores com esse perfil indicam, inclusive, uma forma de superação da Democracia representativa. “Aqueles que supostamente representam a população não estão entendendo as prioridades de seus representados e o povo vai às ruas e diz diretamente a eles: Não, eu não quero o que você está fazendo, não quero estádios milionários de futebol, mas mais investimento em transporte público, saúde e educação”, apontou.
Siqueira destaca ainda a evolução que os modernos meios de comunicação digital e as redes sociais imprimiram a esse movimento, permitindo que a população se comunique melhor entre si, se mobilize e dê demonstrações de força política sem nenhuma outra intermediação.
Pela importância do processo, mesmo condenando os excessos e a violência que ocorreram em algumas manifestações, ele conclama a militância do PSB a também exercer a sua cidadania, colaborando com a população e participando das suas justas reivindicações de maneira pacífica.
Como o Sr. vê as manifestações que ocorreram ontem , na semana passada e que ainda devem se repetir ao longo dessa semana em alguns estados?
Carlos Siqueira –As manifestações foram muito importantes, porque revelaram o que vem se acumulando ao longo dos últimos tempos, que é uma insatisfação crescente da população com demandas básicas que não foram resolvidas. Políticas públicas essenciais que não foram implantadas e que, assim, não resolveram os problemas da grande maioria da população. Uma das questões que foi levantada por várias manifestações – que não se reduziram à questão inicial da tarifa de ônibus, felizmente – foi a da violência urbana. No Brasil, como se sabe, a violência urbana mata mais do que em muitas guerras e é inacreditável alguém poder imaginar que isso seja aceito de maneira resignada por tanto tempo. Evidentemente que a população, a um certo momento, cansa.
Mas há outras questões ainda que os manifestantes levantam.
Carlos Siqueira – Sim, vimos também a insatisfação com a questão da qualidade do ensino, do atendimento adequado à saúde, das demandas na área de saúde que estão reprimidas e não são atendidas adequadamente, ou seja, um conjunto de reivindicações que são absolutamente legítimas. E que a população percebe que não foram resolvidas e não estão sendo adotadas providências para solucioná-las. Essa insatisfação acumulada resultou numa manifestação que é espontânea. E esse espontaneísmo é também um fato novo na política brasileira. Porque, na vida Republicana do nosso país, não conheço nenhuma manifestação popular como as que ocorreram ontem que não tivessem por trás o incentivo e o planejamento dos partidos políticos de esquerda.
De fato, a mídia registrou os manifestantes pedindo que as poucas bandeiras partidárias que apareceram em meio à multidão fossem retiradas das passeatas.
Carlos Siqueira –Certamente, é a primeira vez no Brasil que reivindicações legítimas e grandes manifestações em massa não têm os partidos políticos dirigindo os movimentos. E isso é um fato novo que precisa ser examinado pelos partidos, porque ele revela, a meu ver, um distanciamento dos partidos políticos das causas populares. Ou seja, não é porque os partidos de esquerda estão no governo que os partidos não devam funcionar e incentivar a organização, manifestação, reivindicação e a solução desses problemas, das demandas populares. É necessário que se pense nisso, que se analise com profundidade o que definitivamente está acontecendo – que manifestações da importância e da dimensão das que ocorreram ontem não tenham a presença dos partidos de esquerda participando ativamente.
Elas deixaram claro que há uma insatisfação geral e do povo em geral.
Carlos Siqueira –Sim, e nos parece evidente que o grau de insatisfação não é apenas revelado por aqueles que vão à rua, mas também por aqueles que ficaram em casa mas, ao mesmo tempo, se manifestaram de alguma forma, à sua maneira, em apoio àqueles que foram pra rua. Então, não é uma coisa singela, não é uma coisa simples, precisa ser examinada e também precisa, sobretudo, ser respeitada. Tanto pelos partidos quanto pelos políticos, até para que os faça repensar as suas atividades enquanto instituições importantes para a Democracia. E sobre como eles podem estar ausentes de manifestações tão expressivas como as que aconteceram ontem.
A Reforma Urbana, que engloba a maior parte das demandas reivindicadas, é uma das bandeiras históricas do PSB. Seria o momento de o partido atuar ainda mais sobre o tema?
Carlos Siqueira –Todas as bandeiras que foram colocadas e expressadas por esses movimentos que foram às ruas nos últimos dias, todas elas estão dentro do guarda-chuva dos temas relacionados com a reforma urbana. Uma das principais e que foi a que deu início aos movimentos é a questão da mobilidade nas grandes cidades. Se nós fôssemos um país que não tivesse recursos suficientes para resolver a questão da construção de linhas de metrô nas grandes cidades, eu acho que a população até poderia compreender. Mas ela não vai entender, por exemplo, que numa cidade como Brasília, que tem um enorme problema de mobilidade, assim como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e tantas outras, se construa um estádio de 1 bilhão e 500 milhões de reais, que é muito dinheiro em qualquer parte do mundo, e não se resolva o problema de transporte público. Nem o da saúde e nem se dê melhor qualidade à educação. A população está percebendo que suas demandas não são levadas em conta e, ao perceber isso, está tomando consciência de que ela precisa se manifestar, para que as autoridades também percebam que os problemas estão aí, que não estão resolvidos e que o povo, que paga os impostos, exige que eles sejam solucionados.
Será que estamos entrando numa época em que acabou a dicotomia pão e o circo? Antigamente se construía um estádio, por menor que fosse – e eles não eram tão caros quanto os atuais – e o povo ficava feliz porque era para ver o futebol. Agora, a população está tomando consciência de que é mais importante melhorar a qualidade de vida do que ter o circo?
Carlos Siqueira – Não tenho a menor dúvida de que há uma evolução na consciência política da população, de compreender que não é construindo estádio, não é recebendo uma Copa do Mundo que se resolve os problemas que o governo deveria resolver para a população. As demandas das políticas públicas que não estão sendo atendidas são prioridade para a população hoje. Por isso, o povo está indo às ruas e indicando suas prioridades, que não são necessariamente as prioridades das autoridades. Está dizendo, por exemplo, eu não quero um estádio, eu não quero Copa, eu quero melhor saúde, melhor educação, transporte coletivo digno, o que significa dizer: É isso que eu quero com os impostos que eu pago. Isso é muito importante, porque é uma forma, inclusive, de superação da Democracia representativa. Aqueles que supostamente representam a população não estão entendendo as prioridades de seus representados e o povo vai às ruas e diretamente diz a eles: Não, eu não quero o que você está fazendo, eu quero tais e tais políticas. Acho que é uma evolução em vários sentidos. Os modernos meios de comunicação digital permitem que a população se comunique melhor entre si, se mobilize e dê demonstrações de força política, independente dos partidos. Isso não deixa de ser grave, mas ao mesmo tempo não deixa de ser importante. E é importante porque os partidos e os políticos precisam entender o recado da população, que está democraticamente se manifestando. Nós esperamos que a militância do PSB, até para exercer a sua cidadania política, possa participar também das manifestações que ainda virão nos próximos dias.
Em alguns lugares, principalmente no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, embora somente no final das manifestações, houve momentos de vandalismo e violência nas manifestações. Como o Sr. vê isso?
Carlos Siqueira –As manifestações em geral foram pacíficas, a grande maioria da população que está indo às ruas – e, inclusive, usou a cor branca, que é a cor da paz – quer apenas expressar a sua insatisfação e fazer reivindicações justas e democráticas. Porém, em toda grande manifestação popular, lamentavelmente, ocorrem excessos e excessos em regra não são controláveis. São pessoas que se excedem no exercício da sua cidadania. Isto é preciso que seja evitado, na medida do possível, mas em qualquer parte do mundo existem esses grupos menores que desviam, de certa maneira, a finalidade do protesto. É preciso se ter muito cuidado com isso, que se procure evitar esses excessos, mas não por isso se deixe de participar das manifestações. Por isso, a militância do PSB deve exercer a sua cidadania, colaborando com a população e participando das suas justas reivindicações de maneira pacífica.