A ascensão de partidos de direita e de extrema direita, acompanhada pela perda de espaço de partidos progressistas nos legislativos, pode ser atribuída à dificuldade enfrentada pela esquerda e pelo movimento progressista em apresentar um plano para o futuro da sociedade, avalia o coordenador da Aliança Progressista das Américas, Esteban Paulón.
“Nós temos conquistado muitos direitos que a sociedade desfruta hoje em dia, os direitos laborais, os direitos de igualdade de gênero, os direitos sociais, mas a sociedade não se conforma com isso porque isso já está, isso já tem. Já tem a saúde pública, já tem a educação pública, então sempre as sociedades querem seguir avançando”, analisou.
Diante desse cenário, na avaliação do socialista, é fundamental que os progressistas se reconectem com suas bases, apresentem propostas inovadoras e articulem uma visão de futuro inspiradora que responda aos anseios e desafios da sociedade do século XXI. “Temos que entender o que nós vamos propor à sociedade para esse avanço porque, basicamente, após o que temos construído durante todo século 20, esses movimentos progressistas, ficamos em um lugar de comodidade de dizer “já fizemos tudo e as pessoas têm que votar em nós sempre porque nós temos construído isso”, e não é assim. Sempre você tem que propor um futuro”.
Deputado nacional e secretário de Relações Internacionais do PS argentino, Estebán Paulón esteve no Rio de Janeiro para a reunião de diretoria e a Conferência da Aliança Progressista que reuniu, nos dias 22 e 23 de março, dezenas de representantes de partidos socialistas e social-democratas de países da Europa, Ásia, Américas, África e Oceania.
Leia a entrevista completa.
ESTAMOS OBSERVANDO EM VÁRIOS PAÍSES VITÓRIAS ELEITORAIS DE PARTIDOS DE DIREITA E DE EXTREMA DIREITA, E EM ALGUNS CASOS TAMBÉM A PERDA DE ESPAÇO DE PARTIDOS PROGRESSISTAS NOS LEGISLATIVOS. A QUE O SENHOR ATRIBUI ESSA CONJUNTURA ATUAL?
Esteban: Eu acho que, nos últimos anos, os partidos de esquerda e o movimento progressista, tivemos uma dificuldade para propor um projeto de futuro à sociedade. Nós temos conquistado muitos direitos que a sociedade desfruta hoje em dia, os direitos laborais, os direitos de igualdade de gênero, os direitos sociais, mas a sociedade não se conforma com isso porque isso já está, isso já tem. Já tem a saúde pública, já tem a educação pública, então sempre as sociedades querem seguir avançando. Então temos que entender o que nós vamos propor pra sociedade pra esse avanço porque, basicamente, após o que temos construído durante todo século 20, esses movimentos progressistas, ficamos como um lugar de comodidade de dizer “já fizemos tudo e as pessoas têm que votar em nós sempre porque nós temos construído isso”, e não é assim. Sempre você tem que propor um futuro. Então aparece a extrema-direita e constrói um relato, uma narrativa muito clara de que o mundo tem enormes desigualdades, que nós não temos conseguido resolver, que a responsabilidade dessas desigualdades tem a ver com os privilégios que o progressismo construiu.
[A narrativa diz que] o progressismo sempre construiu privilégios para alguns poucos e isso não é certo porque os direitos laborais e tantos outros direitos permitiram que as sociedades fossem mais igualitárias. Mas, nesse momento, estamos em uma etapa do capitalismo muito forte e que aprofunda as desigualdades. E nós temos que atentar para isso também. Então a extrema direita foi muito inteligente ao dizer qual é o problema, mas o responsável disso, o responsável dessas conquistas sociais é o socialismo, o progressismo e os movimentos de esquerda.
As pessoas votam. Votam pra castigar essa esquerda que não propõe um futuro e também votam porque eles acham que, quiçá, se possível, voltar a um passado que idealmente foi melhor. Mas não foi melhor. Por exemplo, na Argentina, o presidente diz sempre “a Argentina foi no início do século 20 uma das três economias maiores do mundo”, e é mentira. Era um país que só se desenvolvia em Buenos Aires, é uma pequena porção do país. Então ele falava “vamos voltar a ser esse país”, então temos que voltar aos valores anteriores. Todo avanço do século 20 foi mal para o país, desconhecendo que boa parte da possibilidade de dar sindicatos, direitos laborais, férias, salários, tudo tem a ver com os movimentos progressistas e de esquerda.
Então temos que encontrar uma nova narrativa que enamore a sociedade, que a sociedade veja novamente na esquerda um projeto de futuro, um projeto de transformar que possa melhorar sua vida.
COMO ENFRENTAR ESSE CENÁRIO DE ASCENSÃO DA EXTREMA-DIREITA?
Esteban: É muito complicado, mas acho que um tema chave é a coordenação, é o trabalho conjunto de todos os movimentos de esquerda. O que fez a direita, muito inteligentemente, eles coordenaram uma narrativa, um conteúdo, um programa, um diagnóstico do que estava acontecendo. E o movimento progressista, a esquerda, acho que estão um pouco mais a trabalhar conjuntamente uma narrativa única.
Então temos que pensar essa perspectiva de como os movimentos de esquerda e progressistas podem fazer um diagnóstico, para comunicá-lo corretamente para que as pessoas, a sociedade compreendam o que estamos querendo dizer e podemos comunicar também nosso projeto.
Então diagnóstico, projeto e como vamos fazê-lo.
VOCÊ ENXERGA ALGUMA RELAÇÃO ENTRE O AVANÇO DE UM CONSERVADORISMO RADICAL COM ATAQUES A DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS, ENFRAQUECIMENTO DOS SINDICATOS E MOVIMENTOS SOCIAIS, POR EXEMPLO, DENTRO DE UMA AGENDA NEOLIBERAL?
Esteban: Sim, totalmente. A experiência em nossos países da América Latina nos anos 90, tanto no Brasil, como na Argentina, em outros países, no Chile um pouco mais cedo nos anos 70, desde os 1970 foi um projeto político que quer uma democracia débil, porque com uma sociedade mais débil são mais fortes os fatores de poder. Então as empresas, os empresários, as pessoas que têm mais recursos e mais poder, eles vão ter mais possibilidade de definir um projeto para o país. E esse projeto, geralmente, tem a ver com reformas econômicas, com a liberalização da economia, com a retirada do Estado e das responsabilidades que o Estado tem, e com o ideal de que a sociedade pode se regular sozinha. Então é muito estratégico fortalecer esses setores sociais que são os que resistem ante o avanço do neoliberalismo.
Diria que, inclusive, em alguns casos como o atual da Argentina, é uma versão extrema do neoliberalismo, já não é nem neoliberalismo, mas pior que isso. É uma ideia de que o Estado não tem que fazer nada, nem educação, nem saúde, nada. O Estado tem que virar-se e as pessoas tem que salvar elas mesmas. E essa é a lei da selva.
PARA FINALIZAR, SOBRE GOVERNOS AUTORITÁRIOS, PAÍSES DA AMÉRICA LATINA COMO VENEZUELA, NICARÁGUA, EL SALVADOR TEM SOFRIDO GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS. QUAL A TAREFA DOS PROGRESSITAS NO ENFRENTAMETNO DESSE CENÁRIO NESSES PAÍSES?
Esteban: Eu acho que a tarefa dos movimentos progressistas é apoiar e fortalecer os movimentos que, desde dentro dos países, tem que chegar ao governo pra mudar. Há muitas experiências desde a Venezuela, o assistencialismo, não apresentar-se às eleições, até Nicarágua pensar em que algo lá fora pode intervir, pode pedir intervenção, pedir sanções e isso acaba prejudicando as pessoas que vivem nesses países, as sociedades, não os governos que eles permanecem no poder.
Então temos que poder fortalecer com a pressão internacional exigindo eleições livres e transparentes, e fortalecendo aqueles partidos que vão participar.
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Assessoria de Comunicação/PSB nacional