O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, afirmou ontem que o debate em torno de um novo projeto para o Brasil precede qualquer discussão em torno de uma candidatura presidencial e as necessárias alianças partidárias para a sucessão de 2014. Ele reiterou sua preocupação com o impacto da crise financeira mundial no Brasil e a demora na recuperação do país – epicentro das turbulências internacionais, os Estados Unidos, destacou, voltaram a crescer em 2012 mais que a economia brasileira, e já discutem uma agenda que consolide a recuperação de sua economia. "Eu me preocupo, sim, com a inflação", afirmou o presidente nacional do PSB. Ele reiterou a necessidade de um amplo debate em torno dos problemas do país, sem preocupação eleitoral. "Nós não vamos mediocrizar o debate, discutindo alianças sem discutir em torno do quê", avisou. "Esse debate de conteúdo, do futuro do Brasil, presidirá a posição política que o PSB vai tomar. O PSB não fará, em 2014, uma opção eleitoral, mas uma opção eminentemente política em torno dos nossos sonhos, dos nossos valores e em busca de um Brasil que quer mudança efetiva na vida de cada um dos brasileiros", explicou. "Nós não achamos que está tudo feito, que está tudo pronto".
Eduardo Campos passará dois dias na cidade de Porto Alegre, onde cumprirá intensa agenda política. Seu primeiro compromisso foi a festa que comemorou os 50 anos do deputado Beto Albuquerque, dos quais 27 foram dedicados à vida pública, na noite de segunda-feira (08/04). O governador de Pernambuco foi recebido de forma calorosa pelos cerca de dois mil convidados; entre eles prefeitos, parlamentares federais, estaduais e municipais, lideranças do PSB e de outros partidos, militantes, empresários e representantes de diversos segmentos da sociedade organizada do Estado do Rio Grande do Sul. Em uma festa suprapartidária, Campos homenageou o colega de partido e destacou a tradição socialista em defesa do debate de ideias. "Eu aplaudo sua coerência, sua firmeza! seu caráter", afirmou, diante dos convidados.
Em entrevista à imprensa, o governador de Pernambuco avaliou a conjuntura brasileira, esclareceu denúncias, comentou sobre a reforma política e rechaçou o controle externo sobre a mídia. Leia os principais trechos da conversa:
PROPAGANDA PESSOAL NO DIÁRIO OFICIAL – "O Diário Oficial de Pernambuco, desde 1969, tem duas páginas de notícias do Executivo, do Ministério Público, Tribunal de Contas, e outras páginas encapando o caderno do Executivo, do Legislativo. Isso desde 1969. Quando eu cheguei, o Diário Oficial editava 20 mil jornais por dia e hoje edita 1.900. Nós estamos migrando para ter apenas uma edição on line, onde não tem esse tipo de noticia, de maneira que antes de eu terminar meu mandato não terá mais esse tipo de formato, que eu herdei, já recebi, e continuou sem que nunca nenhum órgão de controle tenha levantado essa questão. Até o final desse ano não teremos mais nenhum Diário Oficial editado, em papel, dessa forma."
RISCO DE INFLAÇÃO & GOVERNO DILMA – "Anda mal o que não anda bem. o Brasil precisa voltar a crescer, esse é um grande desafio, crescer incluído. Nós precisamos cuidar de um grande patrimônio que o Brasil construiu nos últimos 30 anos, que é a estabilidade com a geração de 20 milhões de empregos. Construímos cinco milhões de empregos no governo Fernando Henrique e 15 milhões de postos de trabalho no governo Lula. Nós precisamos, sim, cuidar da inflação. Eu tenho preocupação com a questão inflacionária, por isso sempre defendi nos últimos meses que 2013 é um ano estratégico para o Brasil, para pautar muito mais as convergências, para enxergar o que deve unir os brasileiros em termos de uma pauta econômica e de uma pauta social. Acho que nessa pauta econômica nós precisamos animar os investimentos privados, para isso é preciso ter muita clareza dos marcos legais, sobretudo nos principais setores econômicos. É preciso cuidar e animar também os investimentos públicos, com uma federação com mais possibilidades de investir. Ontem vocês viram, 96% dos municípios brasileiros estão no SPC público, que chama CALC. Nós precisamos, exatamente convergir em decisões que possam passar segurança ao ambiente de investimento privado e também desburocratizar todo o processo do investimento público no Brasil. É possível fazer isso de maneira inteligente, sem perda da qualidade do controle, mas aprendendo, inclusive, com quem fez o controle no Brasil nos últimos 15 anos, fazendo mais fundo a fundo, menos reprocesso de análise que hoje existe em muitos desses fluxos. Essa é uma tarefa que está posta diante do Brasil, para que a gente não passe o constrangimento de desconstruir aquilo que custou caro ao Brasil construir nas últimas duas décadas."
VISÃO ESTRATÉGICA – "Nós estamos vivendo um mundo em grande transformação, onde blocos econômicos poderosos estão tentando se articular no pós-crise, como em outros momentos da história do mundo. Nós precisamos também ter a nossa articulação. O que é que nós pretendemos? Nós estamos vendo uma América onde aconteceu tudo, da onde partiu tudo, o sistema financeiro americano fez os derivados que devia, elegeram vários parlamentares e dirigentes políticos para mascarar uma situação, trilhões de dólares de poupadores, de servidores públicos aposentados, viúvas, de países que investiram em papel de terceiros derreteram nessa crise.
No ano passado, os Estados Unidos já cresceram mais do que o Brasil e já estão fazendo um profundo ajuste para um novo ciclo de expansão econômica. A China percebeu que não dava mais para segurar o modelo, que só exportar e só investir, que pra segurar a redução da atividade econômica globo afora, para onde ela estava acostumada a exportar é preciso ampliar seu mercado interno, cambiou o governo, começa a cambiar e fazer mudanças importantes no debate interno da política chinesa. A União Européia mudou 13 governos e começa a discutir com os Estados Unidos um novo acordo de comercio.Tudo isso está acontecendo e nós não podemos ficar aqui, na praça, dando milho aos pombos.
Nós precisamos fazer um debate intenso, pensando em perspectiva. Não são medidas pontuais. As medidas pontuais são importantes, quem governa precisa tomar decisões todo dia, mas quem governa tem o dever também de olhar ao longe, de ter um olhar estratégico. Se a gente perder o rumo estratégico, pode derreter as conquistas. Está faltando, sim, esse debate no Brasil e essa não é uma tarefa só do governo. É uma tarefa do governo,moda oposição, da academia, do empresariado. Nós não vamos manter os postos de trabalho só desonerando a folha, não vai ser assim.
Nós temos que incrementar a produtividade da industria brasileira em setores estratégicos, pois está encolhendo o tamanho da industria no PIB. Nós precisamos de investimento e há dois anos perdemos posição de investimento em relação ao PIB. E não vai se fazer investimento se a gente não passar para a sociedade global e a sociedade brasileira uma visão de futuro, do estratégico, se a gente não desburocratizar os investimentos públicos. Ora, quando 96% de um país que é uma federação, dos municípios, inabilitados para pactuar com o governo central, quando a gente sabe que da carga tributaria brasileira só 20% estão nos municípios, é óbvio que tem que dar uma parada, para organizar, discutir, olhar em perspectiva. E isso não é o jogo da acusação fácil, é fazer um debate elevado, estratégico. Eu acredito nisso. A vida inteira eu fiz isso, essa é a aposta do PSB para 2013 e a gente vai ter a oportunidade de avaliar quem estava com a razão."
ALIANÇAS PARTIDÁRIAS PARA 2014 – "Nós não temos procurado nenhum partido tratando de questão eleitoral em 2014. Nós temos conversado com diversos militantes políticos, eu tenho sido procurado, outros eu tenho procurado, para discutir o país, o Brasil, sem a ansiedade do eleitoral. Eu penso que o Brasil precisa fazer o debate mais político e menos eleitoral por que o que está em jogo é muita coisa, é o futuro da nação. Nós estamos vivendo o rescaldo, o repique, da maior crise do capitalismo mundial, que surgiu pela sanha da irresponsabilidade do capital financeiro no centro dele, nos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos já cresceram em 2012, mais que o Brasil, já estão discutindo alternativa energética que pode ser cinco, seis, sete vezes mais barata que o petróleo, já estão discutindo com a União Europeia um acordo de livre comércio que pode colocar a indústria brasileira em situação de dificuldade, e nós não podemos, aqui, só ficar pensando em eleição.
Nós precisamos pensar nas próximas gerações, no que nós caminhamos nas últimas três décadas no pais, que não foi pouco, construir democracia, estabilidade, olhar para as desigualdades brasileiras. Agora, não foi ainda o suficiente, por que dentro desse Brasil que caminhou tem um outro Brasil que quer muito mais, um Brasil que quer escola que funcione, quer a saúde que não constranja, quer a segurança pública que não faça o medo estar tão presente na família brasileira como está hoje. Tudo isso só vai acontecer se formos discutir o conteúdo, aquilo que nos une. Não vai se fazer a conquista do direito à cidadania não só pelo direito ao consumo dos bens, mas o consumo daquilo que é coletivo, que são os serviços públicos de qualidade. Esse é um debate que as nações estão fazendo, que o Brasil precisa fazer com qualidade, sem a postura de dono da verdade, sem postura de excluir aqueles que colocam como sua visão que virou inimigo por que pode ser candidato. Eu acho que isso é muito desprovido de conteúdo e de sentimento de brasilidade.
O meu estado, como o Rio Grande do Sul, sabe o que custou ao país construir a nação brasileira. Os gaúchos, como os pernambucanos, são uma gente corajosa, que sabe ver adiante, que passou momentos muito duros para construir esse país e nós não vamos, efetivamente, mediocrizar o debate brasileiro, discutindo alianças antes de discutir em torno de quê. Você quer se juntar, mas qual é o conteúdo da aliança? O que é que está em jogo? Ao PSB não interessa um projeto de poder pelo poder. Ao PSB interessa um projeto de país, onde o povo e o interesse da sociedade seja colocado no centro dessa aliança."
REFORMA POLÍTICA – "Eu acho muito difícil aprovar uma reforma política com esse clima eleitoral que já está no Brasil. O único consenso, pelo que me consta, entre tantos pontos, é pela coincidência de mandatos. Eu sou testemunha e sei da dedicação do deputado gaúcho Henrique Fontana teve em todo esse debate, mas nós precisamos aprender a fazer reforma não para a próxima eleição. Toda eleição nesse país desde 1982 teve uma legislação, uma pretensa reforma política que virou uma reforma eleitoral. Tratar somente de temas eleitorais não é reforma política, é reforma eleitoral. Na hora em que se antecipou dessa maneira o debate eleitoral, qualquer mudança agora poderá sofrer a acusação, aos olhos de uns muito justa, de casuísmo, de tentativa de barrar o debate democrático, a expressão livre da sociedade brasileira. Eu acho que a reforma política foi ultrapassada pelo debate eleitoral que já chegou."
AGENDA DE VIAGENS & GESTÃO – "Eu estou viajando menos do que sempre viajei, só que agora a imprensa me acompanha mais. Antes eu passava e vocês não me perguntavam nada. E hoje, com as ferramentas que usamos, a gestão não depende da minha presença física. Eu trabalho muito com tecnologia de informação e um modelo de gestão premiado pela ONU, o que me permite andar com um tablet na mão e trabalhar de forma remota."
REGULAÇÃO DA MÍDIA – "Eu imagino que quem vai regular a mídia é o leitor. Se eu sou leitor e entendo que aquela é uma mídia conservadora, preconceituosa, que tem um viés atrasado, eu deixo de ler e passo a ler uma mídia que vá ao encontro da minha formação filosófica, da minha forma de ver o mundo, dos meus sonhos. Se for algo diferente disso, para mim, que nasci em uma família de perseguidos políticos… Eu nasci em 1965: uma parte da minha família estava presa, outra parte exilada, outra parte escondida, eu estava exatamente nesse parte escondida. Imagine o que é pra alguém que teve a formação dentro dessas circunstâncias entender que algo cheira a possibilidade de censurar. Nós precisamos usar o avanço dos meios de comunicação para fazer o exercício do conteúdo que a gente acredita e poder fazer o debate das ideias. Eu não comungo dessas ideias".