Em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada nesta sexta-feira (18), o governador de Pernambuco e vice-presidente nacional do PSB, Paulo Câmara, afirma que não apoiará uma reforma da Previdência aprovada “a toque de caixa” com os “erros” do projeto do ex-presidente Michel Temer. O socialista também se declarou contrário às privatizações das estatais do Estado e criticou o decreto aprovado na última terça-feira (15) que regulariza a posse de armas.
Confira a íntegra abaixo:
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), ainda aguarda uma chance de conversar pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro. Mas expõe de maneira clara suas divergências em relação ao Palácio do Planalto. Câmara, que por diversas vezes se declarou contrário a privatização da Chesf, diz também que não apoiará uma reforma da Previdência aprovada “a toque de caixa” com os “erros” do projeto do ex-presidente Michel Temer. “Os militares terão que se fazer presentes”, diz.
Para aceitar entrar no rateio dos custos de operação da transposição do Rio São Francisco, o governador cobrará a conclusão das obras complementares ao projeto, cujo canal principal está praticamente concluído.
Aos 46 anos, economista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e servidor público, Câmara elogia “a previsibilidade” do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas, em vários momento de entrevista concedida ao Valor, revela pensamento econômico mais alinhado à esquerda. Diz, por exemplo, que não vai privatizar nenhuma das estatais do Estado por serem “estratégicas”.
O governador acredita que a flexibilização da posse de arma pode contribuir como aumento da violência. “Mesmo sendo um decreto que regulariza a posse, ele pode levar a ter mais armas circulando”. Para Câmara, o governo federal não pode deixar esfriar a discussão sobre a política nacional de segurança. Ele considera que há risco de a crise de segurança do Ceará se espalhar para outros Estados. Confira os principais trechos da conversa, no Palácio do Campo das Princesas, no Recife:
Valor: O senhor ainda não se encontrou com presidente Jair Bolsonaro. Como está a relação com o novo governo?
Paulo Câmara: Há um período de montagem de equipe, planejamento, a gente entende esse período que é importante para eles. Já pedi audiência, mas a gente não tem nada urgentíssimo. Tudo no seu tempo, sabemos que o presidente vai se operar agora, terá eventos internacionais. Lógico que vou querer levar os pleitos de Pernambuco, como também exemplos daqui que podem ajudar o Brasil. A federação hoje está muito sofrida, as relações dos Estados não foram boas nos últimos com últimos governos, tivemos muita dificuldade de pensar um Brasil que se fortaleça tendo a participação dos Estados e municípios. Já temos alguns sinais positivos nessa questão do federalismo. O próprio ministro da economia [Paulo Guedes] tem sinalizado que quer reforçar as parcerias com Estados.
Valor: Está confiante com o discurso do ministro?
Câmara: Quando as coisas são mais previsíveis, eu prefiro. Paulo Guedes já disse o que pensa. Então, a gente sabe como é o interlocutor, como vai conversar, qual a forma de tentar sensibiliza-lo.
Valor: Em seu discurso de posse, o senhor mencionou uma mobilização para que o Brasil que as conquistas dos últimos 30 anos não sejam revogadas por nenhuma onda de conservadorismo e autoritarismo. O Brasil caminha para isso?
Câmara: Tivemos uma eleição, e a população fez uma escolha de um candidato de um perfil mais conservador e ganhou. A gente tem que aceitar os resultados das urnas e colaborar com o Brasil. As eleições são passado. Agora, tivemos conquistas nos últimos anos, que vão desde a redemocratização, passando pela estabilidade econômica e a conquistas sociais importantes. A pobreza diminuiu e houve um a melhor distribuição de renda. A gente tem que participar do debate, aceitar o contraditório, tem que ouvir, mas preservar valores básicos. O Brasil é uma democracia muito jovem, não pode ter retrocessos, vamos ser uma voz contra qualquer tipo de retrocesso.
Valor: O senhor mencionou que “Pernambuco jamais se submeteu a poder algum, por seu caráter libertário”. A que exatamente Pernambuco não vai se submeter?
Câmara: O povo pernambucano sabe o que quer e não quer. Temos posições que são importantes para o desenvolvimento do nosso Estado, que envolvem a questão das desigualdades regionais e sociais. Não vamos aceitar medidas que possam contribuir para o aprofundamento dessas desigualdades. Estaremos sempre muito vigilantes.
Valor: O senhor declarou diversas vezes ser contra a reforma da previdência apresentada pelo ex-presidente Michel Temer. Que mudanças a reforma precisa trazer para ter a sua aprovação?
Câmara: A discussão feita lá atrás foi muito ruim. O governo impôs uma reforma da Previdência que afetava aposentadorias rurais, justamente o povo mais pobre, afetava o BPC, além de ter outras questões muito mal desenhadas. Daquela forma não dá. Espero que a reforma possa ser apresentada corrigindo esses erros do passado. Um tema como esse não pode ser aprovado a toque de caixa. Tem que ter o rito da discussão. Todos os candidatos a presidente da Câmara com quem conversei colocam que o parlamento vai ser um grande fórum e que não vão aceitar nenhum tipo de imposição para acelerar a tramitação natural do processo.
Qualquer medida que possa fazer com que mais armas de fogo circulem é prejudicial à segurança pública
Valor: Mas o senhor concorda com a necessidade da reforma?
Câmara: Se puder ter um rito de discussão, mesmo a gente discordando de um ou outro tema, a gente sabe da necessidade. Não vamos aqui dizer que o Brasil não precisa da reforma. A população vivendo mais, o desequilíbrio é evidente. Mas não pode ser tudo em cima do mais vulnerável do que começa a trabalhar mais cedo, aos 17, 18, 16 anos. Tem que olhar as peculiaridades do Brasil, que é muito grande. Não pode achar que pode ter fórmulas iguais para todo o Brasil. Tem que o olhar o que acontece em cada região e ver como cada região pode contribuir.
Valor: A questão da inclusão dos militares é um ponto crítico?
Câmara: É um ponto a discutir. Tem que saber como afeta as contas. Não pode só um lado da sociedade pagar. Todos têm que ter sua contribuição, pode ser maior ou menor dentro do olhar federativo, mas todos tem que ter. Os militares também têm que se fazer presentes.
Valor: O TCU está questionando o decreto de prorrogação dos incentivos fiscais da Sudene e Sudam, porque não haveria uma compensação de receita. Qual a importância desses incentivos para as regiões Norte e Nordeste?
Câmara: É o último estímulo que resta, de atração de investimento federal porque nossa região tem atrasos estruturais, logísticos e de infraestrutura. É muito difícil o investidor querer implantar uma indústria aqui no Nordeste se não tem algum tipo de compensação. Enquanto houver esse conjunto de desigualdades, temos que utilizar esses instrumentos. Por isso o esforço perante o Congresso para aprovar a prorrogação dos benefícios. Esperamos que os que estão em andamento continuem e o que novos possam acontecer. Esses benefícios já existem, portanto já não existia essa receita. O que está colocado é a continuidade desses instrumentos. Isso não afeta em um primeiro momento nada em termos de caixa do governo, pois o benefício já existia. É importante para o Brasil retomar o crescimento, não apenas para o Nordeste.
Valor: A operação da transposição está custando R$ 600 milhões por ano aos cofres da União por ano e essa questão deve ser discutida com os Estados em breve. Quem deve pagar essa conta?
Câmara: A transposição não é só o canal, mas as adutoras e os ramais para que a água chegue de fato na casa das pessoas. Há um série de compromissos do governo federal aqui em Pernambuco que precisam ser feitos. Tem 60 municípios que podem se beneficiar das obras da transposição, as obras que foram feitas até agora beneficiam 20. Vamos sempre colocar essas obras complementares na mesa como essenciais para que se possa ter uma discussão sobre a questão da transposição como um todo. A gente tendo uma solução para isso, um calendário de prazos, não temos nenhum problema em participar dessa conta, que é cara, mas necessária por beneficiar milhares de pessoas. Vamos participar desse rateio, utilizando a nossa formula de gerir a questão do pagamento. Quem é baixa renda paga uma taxa diferenciada. A gente vê com muita dificuldade hoje a Codesvaf administrar isso, uma operação desse tamanho.. É um órgão com que está com poucas pessoas e recursos.
Valor: O senhor encontra-se hoje [ontem] presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). O apoio do PSL à reeleição dele inviabilizou o do PSB?
Câmara: Havia discussões avançadas com Rodrigo Maia e a entrada do PSL realmente atrapalhou, houve uma mudança de curso. Sempre defendi e vou continuar defendendo, não sei se vou ter êxito, que o PSB busque alternativas e soluções em bloco, com legendas dos seu campo, o PCdoB, o PDT, o PT o Psol. Esses partidos estiveram juntos com PSB em muitos Estados nas eleições passadas. Se isso for possível, é o melhor caminho. Tenho muito respeito pelo Rodrigo Maia, pelos dois anos e meio que ele é presidente da Câmara. Sempre teve atenção diferenciada em relação a Pernambuco e a mim. Eu vou continuar colaborando, conversando com quem queira, buscando um entendimento. O parlamento precisa ser independente, focado nesses projetos de reforma e em condições de diálogo para aprimorá-las.
Valor: PCdoB e PDT declararam apoio a Maia. Então o PSB deveria seguir esse mesmo caminho?
Câmara: O PSB tem que insistir em uma solução que mantenha a unidade desse bloco. Enquanto ainda tiver tempo e possibilidade de discussão, não vamos esgotar. A eleição é no dia 1º. Vamos trabalhar para até o dia 31 ter uma formato que seja bom para todos.
Valor: A flexibilização da posse de armas impacta de forma positiva ou negativamente o combate a violência?
Câmara: Qualquer medida que possa fazer com que mais armas circulem é prejudicial à segurança pública. Mesmo sendo um decreto que regulariza a posse, ele pode levar a ter mais armas circulando, o que pode ser um indutor da violência. Além disso, essa é uma discussão muito aquém do que se precisa. Temos questões como tráfico de drogas, de armas, o controle das fronteiras. A discussão primeiro deveria ser num nível maior, para depois entrar em detalhes como posse ou não.
Valor: Pernambuco mandou policiais para ajudar o governo do Ceará no combate à onda de ataque das facções criminosas. Há risco dessa crise se espalhar para outros Estados?
Câmara: Existe sim. As facções estão por todos os Estados. Algumas décadas atrás, estavam muita concentradas no eixo Sul. Cabe a todo nós estarmos atentos, conversando, monitorando os serviços de inteligência. É importante o Brasil não retroceder na discussão da política nacional de segurança pública, iniciada no final do governo Temer, pelo ministro Raul Jungmann. Ele fez construções importantes, como marcos legais e garantia de recursos. Hoje não se combate mais a criminalidade Estado por Estado. Se não tiver uma coordenação nacional, a gente não vai conseguir. Cerca de 70% das ocorrências em Pernambuco têm relação com tráfico. Temos consciência de que a fronteira do Brasil é grande, mas temos que evitar de alguma forma que a droga e as armas entrem. Quando vemos explosão de banco, assaltos a carro-forte, são quadrilhas altamente especializadas, com armamento pesado que não é feito no Brasil.
Dentro dos limites legais, não deixarei de contratar pessoal, para diminuir limite [da folha sobre a receita]
Valor: O senhor tem plano de endurecer as regras do sistema prisional como está tentando o governador do Ceará?
Câmara: A gente tem tomado medidas, que não são fáceis por conta da superlotação. Quando assumi, tínhamos pouco mais de 11 mil vagas, hoje estamos em torno de 14 mil e construindo mais 5 mil. A estruturas novas já vêm com mais segurança e regras mais sólidas. Na medida em que vamos desafogando as estruturas antigas, a gente consegue também fazer as adaptações. É um processo lento.
Valor: Pernambuco conseguiu reduzir 23% em 2018 o número de homicídios, depois de três anos de resultados ruins do programa Pacto pela Vida. O que deu certo?
Câmara: O Pacto pela Vida foi instituído em 2007 e tivemos 7 anos de muito êxito. Pernambuco foi o único Estado do Brasil que de 2007 a 2013 reduziu todo ano a violência. Em 2014, ela voltou a crescer por vários fatores. Tivemos uma greve da polícia e greve é uma questão que é muito cara porque provoca uma quebra de princípios básicos dentro de uma estrutura militar: a disciplina e a hierarquia. A retomada não é automática. Além disso, Pernambuco talvez tenha sido o Estado onde a taxa de desemprego tenha aumentado mais na crise a partir de 2015. Isso levou mais vulnerabilidade nas áreas sociais, que se somou ao da violência em todo o Brasil. Tivemos que nos adaptar. Em 2017, fizemos o maior investimento da história da segurança pública em Pernambuco e os fluxos estão vindo agora. Não temos nenhuma pretensão de dizer que as coisas estão resolvidas, pelo contrário, estão longe disso. Mas construímos um caminho. São 13 meses de redução dos homicídios, isso é consistente. Temos uma média de mais de 50% de resolução dos assassinatos. A média nacional é 8%. A retomada da economia ajuda no entorno. Criamos uma secretaria específica de prevenção e combate às drogas. A parte de repressão foi restabelecida, estamos prendendo mais, faz parte do jogo. Agora estamos preparando a parte de ressocialização.
Valor: O governo do Estado está atrasando os salários, mas também não consegue ampliar sua capacidade de investimento, congelada em R$ 1,5 bilhão em três anos. É possível conseguir investir mais sem empréstimos?
Câmara: É uma dificuldade porque Pernambuco sempre se desenvolveu com operações de crédito, dado que é um Estado pouco endividado. Temos dívida de 50% da receita corrente líquida quando o limite máximo é 200%, temos capacidade de pagamento, pagamento de 7% de receita corrente líquida com o serviço da dívida quando limite é 13%. Vamos conversar com o governo para ver essa regra dos empréstimos, porque não queremos que não seja para obras, para ajudar nas contrapartidas de investimentos federais. Se o Brasil que retomar o crescimento de maneira sustentável, essa discussão passa por parcerias com os Estados.
Valor: Todos Estados estão próximos ou acima do limite legal de gastos com pessoal. É possível reduzir significativamente essa despesa sem mexer na estabilidade do servidor?
Câmara: Não poderia ver o que estava acontecendo na segurança e não contratar policiais militares. Não posso ter a melhor educação pública do ensino médio, sem contratar professor. Não ver que 200 mil pernambucanos perderam seus planos de saúde, e não contratar médicos. Nosso aumento de gastos com pessoal foi nessas três áreas. É um valor que vamos continuar, com equilíbrio. Lógico que não vai ter desperdício, mas temos que ver que o serviço tem que melhorar. Dentro dos limites legais, não vou deixar de contratar pessoal, para diminuir limite ou diminuir despesa para fazer obra. O que pesa hoje nos Estados é a previdência. Pernambuco gasto em torno de R$ 2,5 bi para dar equilíbrio ao sistema.
Valor: A contribuição dos servidores no Estado ainda não é o máximo de 14%. O senhor pretende aumentar?
Câmara: É 13,5%. Hoje não é significativo aumentar de 13,5% para 14%. O Estados têm poucos artifícios em termos de medidas previdenciárias. Uma é essa, outra é o regime de capitalização da previdência dos nossos servidores, que vamos implementar esse ano. A reforma é que pode dar outros instrumentos.
Valor: Há planos de privatizações no Estado? Sempre se fala na Copergás….
Câmara: Não. O Estado tem o controle administrativo da Copergás, mas só tem 17% das ações, então seria um valor pequeno. E a Copergás ainda tem um valor social a ser feito. A gente ainda tem que levar gás a muitas áreas e muita vezes, no olhar do investidor privado, isso não garante lucro imediato. A empresa ainda é estratégica para o desenvolvimento do Estado. Não vejo nenhum ativo de Pernambuco, que possa ser para venda. Copergás não, água (Compesa) muito menos. Podemos fazer parcerias, concessões, PPPs, mas o controle a gente vai manter.