O professor de estatística da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Bracarense é o novo secretário de Relações Internacionais do PSB. Doutor em Inteligência Aplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina com estágio na University of South Florida, nos Estados Unidos, o socialista assumiu o cargo em maio deste ano com a missão de estreitar relações com socialistas e social-democratas de todos os continentes, mas em especial, da América Latina.
Mestre em Políticas Públicas pela Humboldt University of Berlin e pela European Viadrina University of Frankfurt (Oder), Bracarense é autor de dez livros dedicados a técnicas estatísticas aplicadas e a questões sociais e ambientais. Seu currículo é extenso. Ministrou diversos cursos em programas de pós-graduação e foi consultor ad hoc da Organização Internacional do Trabalho. Também ocupou o cargo de assessor especial do Ministério da Ciência e Tecnologia e foi diretor do Departamento de Ações Regionais e Tecnologias sociais da Pasta.
Bracarense também passa a comandar a Secretaria-Geral da Coordenação Socialista Latinoamericana (CSL), organização que reúne partidos co-irmãos da esquerda democrática na América Latina e que está sob a direção do PSB desde 2017.
Outras propostas para a área internacional do partido, segundo ele, é trazer experiências socialistas que tiveram sucesso em outros países e levar o exemplo da autorreforma do PSB como “contribuição inovadora” aos partidos parceiros.
“É importante que possamos trazer as experiências de outros partidos socialistas e de outros partidos social-democratas em torno do mundo. É claro que a nossa prioridade é a América Latina, e vamos buscar algumas relações especiais com partidos de plataformas muito próximas como é o caso do Partido Socialista de Portugal, do Partido Socialista Obreiro Espanhol, além dos partidos de esquerda e socialistas da África, em particular aqueles países que são falantes da língua portuguesa”, afirma o socialista em entrevista ao Portal do PSB.
Na entrevista, o secretário de Relações Internacionais afirma que os progressistas devem se reaproximar da população e dos movimentos sociais para enfrentar a extrema-direita. Ele também critica a situação de países comandados por governos autoritários, como é o caso de Venezuela, Nicarágua e El Salvador.
“No dizer do nosso primeiro presidente [João Mangabeira], não há socialismo sem liberdade e liberdade sem socialismo também não pode existir. Por isso nós defendemos por princípio e muito arraigadamente a democracia, os processos democráticos, os processos de liberdade e não aceitamos restrições dos espaços democráticos mesmo por partidos que se colocam no campo da esquerda”, declara.
Confira a íntegra da entrevista:
O senhor recém assumiu a secretaria de Relações Internacionais do PSB. Qual é a sua proposta de trabalho?
Assumi a Secretaria de Relações Internacionais do partido, o PSB, a partir do início do mês de maio, em substituição ao ex-deputado Alessandro Molon que assumiu outras tarefas partidárias no início deste ano. Farei uma continuidade do trabalho que vinha sendo executado pelo deputado. O objetivo é aumentar o intercâmbio de experiências entre o PSB e os partidos socialistas, tanto da América Latina, quanto no resto do mundo. Há uma decisão partidária no sentido de que devemos priorizar o trabalho em duas frentes. Uma, através do trabalho na América Latina, com a Coordenação Socialista Latinoamericana, que é composta de partidos socialistas da América Latina. A outra frente de trabalho é com a Aliança Progressista, organização mundial com cerca de 150 partidos socialistas e partidos social-democratas em todo o mundo.
Pretendemos então fazer um intercâmbio, levar aos demais partidos co-irmãos o nosso projeto de sociedade, recentemente aprovado no nosso Congresso da Autorreforma. Temos uma contribuição bastante importante, interessante e inovadora, tendo o socialismo criativo como o eixo principal de desenvolvimento nacional. Nosso programa discute vários aspectos do que seria um pré-projeto de plano nacional de desenvolvimento. É importante também que possamos trazer para o partido as experiências de outros partidos socialistas e de outros partidos social-democratas em torno do mundo. É claro que a nossa prioridade é a América Latina. É muito importante esse trabalho de relações internacionais com a América Latina e vamos buscar algumas relações especiais com partidos muito próximos, de plataformas muito próximas, como é o caso do Partido Socialista de Portugal, do Partido Socialista Obreiro Espanhol, além dos partidos de esquerdas e socialistas da África, em particular aqueles países que são falantes da língua portuguesa. E claro, vamos discutir todas as questões globais no contexto do fortalecimento da Secretaria de Relações Internacionais do PSB.
Além da Coordenação Socialista Latinoamericana, existem outros fóruns internacionais que reúnem partidos de esquerda, como a Aliança Progressista e o Foro de São Paulo. Por que o PSB decidiu integrar a CSL e decidiu sair do Foro de São Paulo, por exemplo?
Entendemos que a escolha de prioridades de participação nessas organizações internacionais está muito relacionada com os objetivos do trabalho partidário e do nosso programa. É claro que, além da CSL, além da Aliança Progressista, existem outras organizações que reúnem partidos de esquerda como a Internacional Socialista, por exemplo, como o Foro de São Paulo. Mas é uma questão de prioridade e de alinhamento com as linhas programáticas do nosso partido em relação a escolha de participar da CSL, da qual inclusive o PSB tem um protagonismo muito importante, porque a Secretaria-Geral da CSL é hospedada aqui no nosso partido. Então o secretário de Relações Internacionais do PSB é também o secretário-geral da CSL. Para a América Latina essa é a nossa prioridade, juntar os partidos socialistas. Teremos para o ano uma recomposição da direção da CSL, faremos um congresso latinoamericano dos partidos socialistas e com certeza a participação nossa, do PSB, nessa organização, nessa articulação, será muito importante para o acompanhamento das políticas, inclusive eleitorais que estão ocorrendo em toda a América Latina.
A Coordenação Socialista Latino-Americana é uma ferramenta importantíssima para a aproximação dos partidos socialistas e demais partidos afins no âmbito de toda América Latina. Na sua avaliação, o que deve ser feito para que esse papel seja cumprido?
A CSL já tem um histórico de contribuição para o desenvolvimento do socialismo na América Latina. Vários países têm os seus partidos socialistas discutindo a questão do socialismo na América Latina, como superar as imensas desigualdades sociais e a péssima distribuição de renda. Essa é uma marca latinoamericana que precisa ser superada. É muito importante construir propostas e programas socialistas dentro desse contexto de países em desenvolvimento que não estão na parcela mais desenvolvida do planeta. Nós somos resultado de um desenvolvimento capitalista que se reorganiza mundialmente e isso tem reflexos importantes na região. A CSL objetiva pensar, elaborar sobre essas condições, sobre essa situação de superar as desigualdades através da participação de nossos partidos, tanto nos movimentos sociais, quanto em governos e nos parlamentos latinoamericanos.
Poderia explicar como é a estrutura da CSL?
São associados à CSL todos aqueles partidos socialistas que assim manifestaram seu desejo de participar. Há uma estrutura de funcionamento, embora não seja uma associação cartorial, mas é uma estrutura de funcionamento. Há um secretariado geral com três secretários adjuntos, mais três secretários regionais, um para o Caribe, um para os países andinos e um para os países mais ao sul da América Latina. Além dessa composição temos também a CSL Mulheres, Gênero e Igualdade (CSL-MGI), um organismo da CSL que cuida das pautas identitárias.
Umas das questões muito importantes para a América Latina é a questão dos indígenas, nossos países têm uma cultura muito forte e populações extensas de povos originários, esse capítulo cuida dessas questões e em alguns países a questão do preconceito racial, ainda muito forte como é o caso do Brasil, e claro, a questão das mulheres que precisam ocupar um espaço no campo político, aqui e no mundo todo. A participação feminina nas determinações das políticas de Estado tem se mostrado bastante importante, como nos casos históricos da Nova Zelândia, Alemanha, Israel, Noruega e várias experiências que mostram a necessidade da maior participação das mulheres.
A CSL tem uma instância dedicada especialmente a questões de gênero, a CSL Mujeres, Género y Igualdad. De que forma os partidos que integram a coordenação podem contribuir para o aumento da participação feminina nas instâncias partidárias, nos parlamentos e no combate à violência de gênero?
Aqui na América Latina temos o exemplo do Brasil, tivemos uma presidente mulher, o Chile com um expoente muito importante como Michelle Bachelet e hoje temos várias mulheres disputando lugares de poder e direção na América Latina. Os países socialistas parecem ser os que melhor compreendem esta importância da participação feminina na política, não só na ocupação de espaços, mas na determinação de políticas públicas em setores em que as mulheres são especialmente atingidas. A tripla jornada feminina no campo, não só no campo, mas no campo isso é muito claro, na produção, na manutenção familiar e ainda na jornada de formação da família que implica nos próprios processos reprodutivos. Então é muito importante que a mulher participe das decisões políticas que afetam a ela e a toda sociedade. A esquerda entende isso muito claramente e a CSL privilegia a participação das mulheres na sua própria organização, não só no espaço de organização geral, como num capítulo específico onde as mulheres é que dirigem.
A coordenação da CSL Mulher também é feita pelo PSB, a companheira Dora Pires é quem faz a coordenação latinoamericana da CSL e a mesma organização regional também temos aqui representantes do Peru, México, Paraguai na direção da CSL Mulher. A CSL já fez encontros de mulheres e estamos programando para o ano que vem um grande congresso da CSL que também as mulheres terão um espaço para discussão das questões femininas e feministas.
Populações de países como Venezuela, Nicarágua e El Salvador sofrem com violações de direitos humanos por governos autoritários. Como enfrentar as ameaças à democracia na América Latina?
A situação de países como a Venezuela, Nicarágua e El Salvador, que são dirigidos por governos de partidos e organizações historicamente de esquerda e que enfrentam problemas de exercício pleno da democracia, nos faz refletir sobre a importância do desenvolvimento de amarras democráticas que façam com que esses preceitos possam ser os orientadores desses Estados. O nosso partido, o Partido Socialista Brasileiro, fundado em 1947, vem da esquerda democrática. Já naquela ocasião, logo após a segunda guerra mundial, nosso partido entendia que precisava ocupar um espaço na política brasileira que fosse diferente da tradicional esquerda muito relacionada com o partido comunista da União Soviética. Então a formação do nosso partido é essencialmente democrática. No dizer do nosso primeiro presidente [João Mangabeira], não há socialismo sem liberdade e liberdade sem socialismo também não pode existir. Por isso nós defendemos por princípio e muito arraigadamente a democracia, os processos democráticos, os processos de liberdade e não aceitamos restrições dos espaços democráticos mesmo por partidos que se colocam no campo da esquerda.
Governos liderados por forças progressistas como Brasil, Chile e Colômbia enfrentam dificuldades mediante ao conservadorismo predominante nos parlamentos desses países. Na sua opinião, como esses governos devem reagir a isso?
Nós estamos vivendo uma época na América Latina em que temos experimentado governos progressistas no Brasil, na Colômbia, no Chile, na Argentina, mas já tivemos a frente ampla no Uruguai, já tivemos experiências importantes no Paraguai, na Bolívia e no Equador. Há uma disputa nesses espaços entre proposições progressistas e proposições retrógradas. Há um fenômeno mundial que é o fortalecimento e o crescimento das expressões da extrema-direita. Conhecemos muito bem aqui no Brasil o que isso significa, o que foram esses últimos quatro anos de um governo que se aproximou muito das práticas fascistas e tinha no seu ideário a destruição dos espaços culturais, dos espaços democráticos que conquistamos no Brasil a partir do fim da ditadura militar, na metade da década de 80. Essas experiências das ditaduras ocorreram também praticamente em todos os países da América Latina, e essa disputa por hegemonia entre plataformas progressistas e a direita, e particularmente agora a extrema-direita, fazem com que os governos desses países que elegeram presidentes progressistas tenham que compor de alguma forma uma base partidária, uma base político-partidária muito atrasada. O processo de negociação, portanto, dos governos com os parlamentos, como têm sido experimentados no Chile, na Colômbia, e aqui no Brasil, particularmente, é conhecido de todos. É uma dificuldade muito grande que mudanças estruturais na economia consigam ser realizadas e que beneficiem a grande maioria do povo, principalmente aquele povo que mais necessita do aparato do Estado, por conta de parlamentos bastante conservadores. É um desafio. Na nossa avaliação, o governo Lula tem conseguido compor razoavelmente bem essa construção, esse diálogo com o Congresso, mas nós precisamos encontrar formas de mudar essa composição congressual para um congresso que represente melhor os anseios da sociedade.
Na sua avaliação, de que forma os progressistas podem enfrentar a extrema-direita na região?
Para as esquerdas, para os progressistas, a forma de enfrentar a extrema-direita, tanto na América Latina, como em qualquer outro lugar do mundo é compondo aliança com a população. É necessário que os partidos de esquerda entendam que os processos políticos não podem ficar restritos ao parlamento e aos Executivos. A ação dos partidos de esquerda junto aos movimentos sociais, mobilizando a população é fundamental para que as proposições progressistas possam ser efetivadas. Uma novidade do governo protofascista que acabamos de derrotar aqui no Brasil foi a grande capacidade que a direita mostrou na mobilização popular. Ir às ruas é uma estratégia historicamente ligada às esquerdas. Nos anos recentes a direita conseguiu também exercer esse protagonismo. É nesse espaço que precisamos disputar a força política que vai repetir no parlamento e no Executivo a determinação de políticas que sirvam à grande maioria da população. É fundamental que haja mobilização, que os partidos políticos retornem às suas origens que são os movimentos sociais, estudantis, sindicais e de bairros.
Neste ano o Brasil decidiu voltar à União de Nações Sul-americanas, a Unasul. Como o senhor vê a participação do Brasil nos blocos regionais, como o Mercosul e os Brics?
A participação do Brasil no Mercosul e no Brics é fundamental para que possamos ter o desenvolvimento de políticas que garantam a nossa soberania. A divisão do mundo logo após a Guerra Fria em dois blocos, a geopolítica bipolar, conheceu seu fim com a derrocada da experiência soviética e dos países do leste europeu. E, alguma experiência ainda com a China, uma experiência socialista sobreviveu a essa confirmação geopolítica.
No entanto, nós entendemos que o mundo unipolar desejado por países do Ocidente não é a melhor forma de desenvolver as necessidades da humanidade. Nós acreditamos que a formação de um mundo multipolar, com vários centros e interesses é o formato que melhor pode garantir aos países, em especial os países em desenvolvimento, sua plena soberania.
Portanto, para participar desse contexto internacional é muito importante que os países se organizem em alianças e, para nós, o mais próximo é o Mercosul, que é uma aliança política e econômica para uma região bastante importante, principalmente na produção de alimentos para o mundo todo. E também do Brics, que é uma possibilidade de o Brasil e outros países não ficarem dependendo exclusivamente do FMI e do Banco Mundial. Então é uma reorganização na qual acreditamos que o Brics terá um protagonismo muito importante.
No Brics estamos falando de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul e agora a possibilidade do Brics+ com a adesão de importantes economias nesse bloco econômico que tem Dilma Roussef como importante liderança. É um banco que está prometendo uma relação de crédito diferente do que estamos acostumados, como os impostos pelo FMI e Banco Mundial, e que tem levado as economias regionais e algumas de países a grandes dificuldades econômicas, como é o caso agora da Argentina.
Com o PSB enxerga a geopolítica em torno da guerra da Ucrânia?
Com relação à guerra da Ucrânia entendemos que ela precisa ser olhada não com o filtro regional entre dois países, uma superpotência como a Rússia que invade seu vizinho, Ucrânia. Na verdade esse conflito tem que ser visto num contexto da geopolítica internacional. Em primeiro lugar, o PSB tem muito claro a autodeterminação dos povos e nós, do partido, temos em nosso manifesto e programa o posicionamento contrário a qualquer processo de intervenção de um país em outro, seja qual for a justifica. No entanto, entendemos que esse conflito da Rússia com a Ucrância revela um conflito maior.
A Ucrânia é um país muito importante para formação da própria Rússia e pode ser considerada um berço da Rússia. Mas o que a Ucrânia representa hoje é a ponta de lança da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], que é uma organização militar. Há aí um patrocínio importante dos EUA para a mudança da geopolítica local.
Portanto, somos contra a invasão da Rússia na Ucrânia, mas acreditamos que a construção da paz se dará não com o envio de mais armamentos para aquele campo de conflito. O Brasil, na sua política externa, historicamente se coloca numa posição de equidistância nesses conflitos e é o que esperamos do governo brasileiro, que se coloque dessa forma, como um patrocinador da paz. Inclusive consta no nosso manifesto e no nosso programa a manutenção e o fortalecimento da paz mundial.
Assessoria de Comunicação/PSB nacional