A ideia de criação de uma lei específica para o Cerrado ganhou força na audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) nesta terça-feira (10). Parlamentares e especialistas convidados ao debate defenderam uma legislação para esse bioma que é segundo maior do país, depois da Amazônia. Eles também pediram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Cerrado, que tramita na Câmara dos Deputados desde 1995.
Para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), o Cerrado, que compreende 10estados e o Distrito Federal, merece atenção especial por causa do processo de devastação, pois até 2008 cerca de 97,6 milhões de hectares já haviam sido desmatados. Isso significa que 47,9% de sua cobertura original já havia sido removida até 2008.
Juntamente com outros membros da CMA, Rollemberg analisa a possibilidade de apresentação de projeto de lei para proteger o Cerrado e orientar seu uso sustentável, iniciativa que está em consonância com o novo Código Florestal aprovado pelos senadores. O texto definiu a complementação de legislação para cada bioma. "Além de possuir uma vegetação altamente heterogênea, a região abrangida pelo Cerrado é o berço de grandes bacias hidrográficas que abastecem milhões de habitantes. O bioma é responsável por mais de 70% da vazão gerada nas bacias do Araguaia/Tocantins, São Francisco e Paraná/Paraguai”, justificou o senador do DF.
Os senadores Jorge Viana (PT/AC) e Sérgio Souza (PMDB/PR) também sustentaram a proposta de legislação própria para o Cerrado. Um dos convidados da audiência pública, César Victor do Espírito Santo, superintendente-executivo da Fundação Pró-Natureza (Funatura), lembrou que o Cerrado vem sofrendo rápida transformação nos últimos 50 anos. De acordo com ele, a Mata Atlântica demorou 500 anos para chegar hoje a um remanescente de 7% a 8% do bioma, enquanto o Cerrado, em apenas cinco décadas, já alterou 50% da sua área (dados do Ministério do Meio Ambiente).
Espírito Santo foi enfático ao defender a PEC do Cerrado e também uma futura lei do bioma."Na construção dessa lei devemos dar oportunidade aos diversos segmentos da sociedade de opinarem, com o foco realmente na conservação, no uso sustentável e no desenvolvimento sustentável do nosso bioma”, disse. Para reorganizar a utilização do bioma, o especialista propôs que o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) seja uma realidade.
Celeiro do Brasil
Roberto Brandão Cavalcanti, secretário de biodiversidade e florestas do Ministério do Meio Ambiente, falou da alta produção no Cerrado, considerado por muitos como o celeiro do país. Estatísticas de produção do ano de 2009 mostram que 47% dos grãos, 40% da carne bovina, 36% do leite do Brasil saem desse bioma. "Não é um lugar qualquer. É e quase 70% da soja. E esses dados evoluíram. Quando a gente olha o Cerrado, nós temos que olhar uma região de alta complexidade em todos os aspectos”, afirmou.
Cavalcanti observou ainda que existe uma forte interdependência entre biodiversidade, conservação, atividade econômica e culturas humanas presentes no Cerrado. Em sua opinião, a futura legislação deve inovar e englobar os aspectos: humano, econômico, social, biodiversidade e desenvolvimento.
Donizete Tokarski, presidente do conselho da Agência Brasileira de Meio Ambiente e Tecnologia da Informação (Ecodata), afirmou que é indispensável a aprovação da PEC do Cerrado. "Nós entendemos que a PEC 115, que está adormecida dentro do Congresso Nacional há muitos anos, deve ser aprovada para que possamos também ter um tratamento isonômico nos demais biomas”, observou.
Tokarskialertou quanto à baixa proteção do bioma nas unidades de conservação federal, ressaltando que apenas 2,6% do Cerrado são protegidos em unidade de conservação federal. De acordo com ele, a última unidade de conservação e proteção integral criada no Cerrado ocorreu no governo Juscelino Kubitschek. "De fato o Cerrado está abandonado do ponto de vista das unidades de conservação, principalmente federal, integral”, criticou.
Integração lavoura-pecuária – José Roberto Rodrigues Peres, chefe-geral da Embrapa Cerrados, disse que o bioma ocupa mais de 20% do território nacional e compreende diversos tipos de vegetação, que vão do campo limpo até o cerrado mais denso. Dos 207 milhões de hectares originais, cerca de 139 milhões de hectares são áreas agricultáveis, o que se constitui numa das maiores fronteiras agrícolas do mundo.
Como forma de garantir a produção racional, José Roberto Rodrigues Peres defendeu a aprovação de projeto de lei do senador Rodrigo Rollemberg, que cria lei para viabilizar e incrementar o uso da integração entre lavoura e pecuária. O projeto tramita atualmente na Câmara dos Deputados. O texto está pronto para ser votado em plenário e depois seguirá à sanção presidencial. "Com esse projeto teremos a grande oportunidade de, na Conferência Rio+20, mostrar que o Brasil produz, sim, boas práticas agrícolas e produtos limpos”, ponderou.
Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UNB), enfatizou os desafios da sustentabilidade no Cerrado em relação às mudanças ambientais globais. "O Cerrado hoje é um bioma no Brasil que talvez cristalize e representa, de forma mais emblemática, os grandes desafios que temos hoje em termos de garantir segurança alimentar, segurança energética e conservação dos recursos naturais”, destacou.
Para a professora, a questão do desmatamento não é um componente local, mas sim global porque é bastante significativo nas chamadas mudanças ambientais globais, incluindo as mudanças climáticas. "No caso do Brasil essa situação é particularmente crítica. Se pegarmos os dados da segunda comunicação nacional de emissão de gases de efeito estufa nós podemos observar que a área de mudança de uso da terra e floresta representam aproximadamente 77% das emissões brasileiras de CO2”, disse.