Autor: João Capiberibe
Ex-senador pelo PSB-AP e autor da Lei da Transparência
O povo anda desesperançado, descrente da sua representação política e das suas instituições. Vive-se um tempo de ruptura entre governantes e governados.
Como sair desse beco (que parece) sem saída?
Apostar na transparência dos gastos públicos é uma constante em minha vida pública. Agi assim nos mandatos de prefeito e governador, e no Senado transformei essa prática em projeto nacional, aprovando a Lei Complementar 131/2009, conhecida como Lei da Transparência. Dei essa contribuição inicial, que se transformou em um marco da transparência no Brasil, imaginando que, com as informações disponíveis nos portais de transparência, a sociedade poderia dar um passo além e se mobilizar para acompanhar a aplicação dos seus impostos, e assim controlar o desperdício e a corrupção.
Tenho o povo do Amapá como companheiro nessa caminhada. É nos diálogos constantes que tenho com ele que surgem ideias novas. Desde 2015 venho intensificando essas conversas sobre transparência e controle social dos recursos públicos, desde lá já se vão centenas de reuniões e rodas de conversas com cidadãos e cidadãs.
Nessas andanças me chama atenção duas frases que sempre ouço a respeito dos políticos: “eles (políticos) só aparecem por aqui na época de eleição” ou “eles não nos representam”.
Esses moradores, do centro ou da periferia de Macapá, afirmam nunca ter visto um vereador pelo bairro a quem pudessem recorrer para encaminhar suas reivindicações junto à prefeitura. Essas pessoas vivem sem representação política, e com razão se sentem abandonadas pelo poder público.
Essa constatação, que veio a partir do contato direto com o povo, levou-me a desenvolver e construir uma rede de comunicação direta entre cidadão e agentes públicos, que mais tarde denominamos Gestão Compartilhada, uma tecnologia social inovadora, que permite ampliar a democracia. É disso que falaremos a seguir.
A Gestão Compartilhada permite uma ação colaborativa, ou seja, o acompanhamento, a fiscalização e a decisão em conjunto entre moradores, gestores públicos e representantes de empresas; isso se dá durante a execução de obras, serviços públicos e compras governamentais, por meio de grupos de WhatsApp ou de outros aplicativos, onde estão representantes dessas três categorias sociais.
A ideia é simples, vamos demonstrar com exemplos práticos. Em duas obras de pavimentação nos bairros Morada das Palmeiras e Conjunto Embrapa em Macapá, foram criados grupos de WhatsApp, nos quais foram adicionados cidadãos moradores do local, representantes da Prefeitura e representantes das empresas contratadas. Os recursos eram oriundos de emendas parlamentares de minha autoria como senador, e da deputada Janete Capiberibe. Juntos, os participantes dos grupos passaram a acompanhar e dialogar em torno de cada passo da execução das obras. Temas como qualidade das obras, pagamentos em dia, preços, e adequações necessárias aos projetos de engenharia, foram debatidos e decididos pelos integrantes dos grupos. Conclusão, elas foram entregues nos prazos, com qualidade e mais, sobrou dinheiro.
O tipo de participação que ocorre com a Gestão Compartilhada vai além da troca de opiniões, ela consiste na escuta da população no que diz respeito ao compartilhamento de ideias e conhecimento necessários para que a atuação do poder público seja mais eficiente. Afinal, quem melhor do que o morador para detectar imprecisões e falhas de um projeto de pavimentação, ou de infraestrutura que está sendo executado no seu bairro?
Esse sistema é bom para os cidadãos porque a obra sai bem feita e com qualidade; é bom para os gestores, pois o acompanhamento da execução faz com que todo o processo tenha transparência e diminua as possibilidades de que ele venha a ser questionado juridicamente no futuro. A prefeita do município de Conde/PB, Márcia Lucena, que aprovou na Câmara Municipal a Lei Nº 0989/2018, que institui a Gestão Compartilhada no seu município, afirma o seguinte:
“O gestor público sai depois de quatro anos se dedicando à gestão pública e passa 20 anos respondendo processos por coisas que poderiam ter sido evitadas e esse olhar que a Lei de gestão compartilhada coloca sobre a prática, esse olhar evita muita coisa.”
A partir das observações dessas experiências bem sucedidas, elaborei o texto legislativo, PLS 325/2017, que tramitou favoravelmente em três comissões, e no plenário do Senado foi aprovado por unanimidade. Atualmente, com nova denominação, PL 9617/2018, já aprovado por unanimidade em três comissões na Câmara Federal, está pronto para votação em plenário. Está a um triz de virar Lei Nacional. Uma vez aprovada e promulgada, a gestão compartilhada poderá dar uma enorme contribuição para a reaproximação entre cidadãos e poder público no Brasil.