A deputada federal Janete Capiberibe (PSB-AP) afirmou na última sexta-feira (20) que os indígenas e seus descendentes têm direito à indenização pelas violências cometidas pelo Estado Brasileiro através de seus agentes, em meados do século passado. A defesa foi feita durante a audiência pública do Grupo de Trabalho Destinado a Debater a Questão das Terras Indígenas – GTTerra – quando foi debatido o “Relatório Figueiredo”.
“Eu fui obrigada ao exílio, pela ditadura. Companheiros foram torturados e mortos. Suas famílias foram indenizadas pelo Estado brasileiro. Assim como eu fui indenizada, esses povos indígenas também precisam ter direito à indenização pelo Estado brasileiro”, afirmou.
A deputada disse ainda que as informações do relatório Figueiredo servem para desmascarar a posse de terras por grande parte dos latifundiários daquela região.
“Reconhecer a propriedade resultante de crime é reconhecer o crime como forma legítima para o acúmulo de riqueza e posses. O direito de propriedade reivindicado por proprietários rurais como direito constitucional deve ser confrontado com o direito inalienável à vida, tomada dos ocupantes originários das terras para que propriedade fosse dada por um Estado, repito, criminoso, ilegítimo”.
DEMARCAÇÃO
A socialista defende que o rito para demarcar as terras indígenas não pode ser modificado. Segundo ela, representaria “um retrocesso ao período da ditadura militar, com o mesmo objetivo de setores ligados ao agronegócio de obter terras para sua atividade e de expulsar e exterminar as populações indígenas”.
Para Janete, a mudança no rito demarcatório das terras indígenas é a negação da Constituição Cidadã de 1988, que pretendeu construir um país diferente, inclusivo, com proteções e garantias para que fossem evitados abusos de poder, intolerâncias, crimes habituais cometidos pela ditadura civil militar — implantada e sustentada, inclusive, pelo latifúndio.
Lideranças indígenas afirmaram que a melhor indenização é a demarcação das Terras Indígenas com rapidez, evitando-se os conflitos ou a expulsão das comunidades das áreas que ocupam.
O GTTerra é composto por igual número de deputados e índios para debater as propostas relacionadas à questão indígena em tramitação na Câmara dos Deputados. Resultou da negociação após a ocupação do plenário da Câmara dos Deputados pelos índios em protesto contra a PEC 215/2000, em 18 de abril passado.
A PEC quer transferir para o Congresso a competência pela homologação e demarcação das Terras Indígenas. Outros projetos que os índios consideram prejudiciais é o da mineração nas Terras Indígenas e o que permite o arrendamento dessas Terras para a produção agropecuária.
RELATÓRIO
O documento de sete mil páginas foi elaborado pelo procurador Jader Figueiredo, em 1968, para relatar as atrocidades cometidas contra os povos indígenas do Mato Grosso (à época, um estado único) pelas chamadas “frentes civilizatórias”.
O relatório aponta o uso de metralhadoras e dinamites atiradas de aviões nas chamadas “caçadas humanas”. Mostra ainda que, para dizimar tribos indígenas mais isoladas, empresas e agentes públicos distribuíram aos índios açúcar misturado com estricnina, um veneno poderoso usado para matar ratos.
O Sistema de Proteção ao Índio – SPI, criado em 1910 para proteger os índios (substituído em 1967 pela FUNAI), foi conivente e acobertou as atrocidades.
A investigação foi feita a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima. O procurador Jader de Figueiredo percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Figueiredo morreu num acidente de ônibus não esclarecido em 1976, aos 53 anos.
AUDIÊNCIA
Foram ouvidos na audiência o vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, o Jornalista dos Diários Associados Felipe Canedo, que fez as primeiras matérias sobre o documento, o Secretário-Geral do Conselho Indigenista Missionário – CIMI Cleber Buzatto e o indigenista especializado da FUNAI Manoel do Prado Jr.
As próximas reuniões do GTTerra estão marcadas para os dias 13, 14 e 15 de Agosto, na Câmara dos Deputados.