Há 103 anos, neste mesmo dia, nascia um dos grandes líderes políticos da esquerda brasileira: Miguel Arraes de Alencar.
Doutor Arraes, como era chamado pelos políticos, ou “Pai Arraia”, como se referiam a ele, carinhosamente, homens e mulheres do povo, nasceu em Araripe, interior do Ceará, e construiu sua trajetória política em Pernambuco.
Teve sua vida pública marcada pelo compromisso com a redução das desigualdades sociais, a melhoria das condições de vida no campo, a conquista de direitos e a luta em defesa da democracia brasileira. Atitude que o levou, no golpe civil-militar de 1964, à deposição do governo do Estado, à prisão e, finalmente, a um longo exílio na Argélia.
Há um ano, Arraes passou a figurar no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria. Sua longa trajetória política inclui mandatos como deputado estadual, prefeito, deputado federal, três vezes governador, além de ser refundador e presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro.
Mas o reconhecimento também veio da arte e do samba, no Carnaval de 2016. “Cresci, sonhando renovar os sonhos/Revitalizar a vida/Que se equilibra sobre palafita/Dar pra gente tão sofrida/Dignidade e amor”, cantaram centenas de milhares de pessoas, em homenagem ao centenário de Arraes, durante o desfile da Unidos da Vila Isabel, no Sambódromo do Rio de Janeiro.
Advogado e economista, Arraes foi um homem à frente de seu tempo, que pensou um projeto de país para o Brasil e dedicou a maior parte de sua vida a mudar a realidade do povo mais sofrido de Pernambuco e a defender a democracia.
“Miguel Arraes sustentou a ideia de construirmos um projeto de nação, o que está pendente hoje. Por toda a sua vida, honrou a confiança do povo, o que lhe rendeu ameaças e perseguições. Mas, o que é mais importante, garantiu a eterna admiração e o reconhecimento popular”, lembra o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira.
“Arraes faz muita falta neste momento de retrocessos civilizatórios, de ameaças à democracia, de desvalorização da política, de abandono das classes mais pobres. Ele seria o primeiro a ocupar a trincheira na defesa dos direitos humanos e dos valores democráticos”, afirma Siqueira.
Embora não esteja entre nós, completa o socialista, Arraes deixou seu exemplo de cidadão, homem público, dirigente partidário e líder político, além de suas ideias, sua visão de mundo e sua disposição incansável de fazer o bom combate, sempre do lado certo da história”, afirma o presidente do PSB.
Ousadia e pioneirismo
Na Prefeitura do Recife, em 1961, mobilizou artistas, intelectuais e estudantes no Movimento de Cultura Popular, levando educação e cultura às multidões de miseráveis dos morros e alagados da capital pernambucana.
Em seu segundo governo, criou a fundação de amparo à pesquisa mais antiga do Brasil, depois da de São Paulo. E, com um intenso programa de eletrificação rural, incluiu 200 mil famílias pernambucanas no mundo da produção e do consumo em bases modernas. Pernambuco é, hoje, o Estado nordestino com maior índice de eletrificação rural graças a esse trabalho.
Conforme dizia o próprio dr. Arraes, modernidade, para quem não tem acesso a energia ou água tratada, pode ser “um bico de luz e uma torneira jorrando água em casa”.
Ainda no seu primeiro governo, interrompido pela brutalidade da ditadura de 64, ele implantou o Lafepe, laboratório pioneiro que, até hoje, produz remédios a baixíssimo custo para a população, sendo o embrião de projetos como o Farmácia Popular. Em 1987, pôs em funcionamento o primeiro laboratório de biotecnologia do Nordeste. E, com essas iniciativas, uniu o saber dos cientistas à sabedoria do povo no desenvolvimento de soluções adequadas aos problemas concretos da população.
Entre as iniciativas pioneiras de Arraes em Pernambuco, que serviram de inspiração para o país, estão o método de alfabetização de adultos desenvolvido pelo Movimento de Cultura Popular, sob a liderança de Paulo Freire, o Acordo do Campo, que garantiu pela primeira vez o pagamento de direitos aos trabalhadores rurais, e o Programa Cidadão, que registrou mais de 1 milhão de pessoas em Pernambuco.
O ex-governador foi responsável pela criação da primeira secretaria de Ciência e Tecnologia e do primeiro laboratório farmacêutico do Nordeste, além de implantar uma rede de farmácias para vender medicamentos mais baratos a população carente.
“Moderno. Esta é a palavra certa, talvez para provável surpresa daqueles que têm uma visão restritiva do termo (…) Não há modernidade no vácuo – ela existe em circunstâncias históricas concretas. E a modernidade que se vê na trajetória de Miguel Arraes é de outra natureza. Nasce de seu enraizamento em nossa experiência social. E da consistência de suas ações”, escreveu o neto Eduardo Campos, em agosto de 2005, por ocasião da morte do avô.