As chances de um paciente preto ou pardo, analfabeto, com Covid-19 morrer no Brasil são 3,8 vezes maiores do que de um paciente branco com nível superior.
Os dados que mostram que em qualquer recorte empregado a chance de um negro morrer por causa do novo coronavírus é sempre maior que a de um branco constam da última nota técnica do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS). O grupo é formado por cientistas da Pontifícia Universidade Católica (PUC), da Fiocruz, da UFRJ e do Instituto Dor de Pesquisa.
A pandemia de Covid-19 aprofundou ainda mais as imensas desigualdades brasileiras. As taxas de óbito refletem diretamente as desigualdades socioeconômicas, além da pirâmide etária e da distribuição geográfica. Para fazer a avaliação, o estudo usou dados do Ministério da Saúde atualizados até o último dia 18 de maio e avaliou cerca de 30 mil casos confirmados de covid-19 que já tenham tido alta médica ou morte.
Os cientistas envolvidos na análise afirmaram que os dados evidenciam discrepâncias: “a proporção de óbitos entre pretos e pardos foi maior do que a de brancos, seja por faixa etária, nível de escolaridade e em municípios de IDH elevado, confirmando as enormes disparidades no acesso e qualidade do tratamento no Brasil”.
Os cientistas responsáveis pelo estudo afirmam que além da dinâmica de contágio própria de uma epidemia “a progressão de casos confirmados de Covid-19 tem sido influenciada por fatores socioeconômicos”, já que a taxa de letalidade é influenciada pelas desigualdades no acesso ao tratamento.
Para o estudo, aproximadamente dez mil pacientes foram identificados como brancos e quase 9 mil como pretos ou pardos, de acordo com as categorizações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo com o número parecido de casos, ao analisar as mortes, o resultado choca, pois 55% dos pretos e pardos morreram, com os brancos o número foi 38%.
Quando a análise é voltada para o nível de escolaridade, os números são ainda mais chocantes já que os que não têm nível superior (71%) apresentaram taxas de óbito três vezes maiores dos que o possuem. Mais uma vez, a desigualdade de renda e de acesso a serviços básicos explica a diferença nos números.
Ao combinar raças e escolaridade, o estudo revelou que o porcentual de óbitos para pretos e pardos se mantém superior em todos os níveis. A média de diferença é de 37%, mas sobe para 50% para os que possuem nível superior. Quando todos os fatores são levados em conta, os negros sem escolaridade apresentam uma proporção quatro vezes maior de mortes do que os brancos com nível superior (80% contra 19%).
Segundo o Núcleo de Operações, a localização geográfica tem um forte impacto nas chances de sobreviver a doença: em um município com baixo ou médio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a chance de morte é quase o dobro do que numa cidade com IDH muito alto.
Favelas e periferias
Os milhões de habitantes das favelas brasileiras são a parcela da população que enfrentam as realidades mais adversas como falta de serviços básicos, assistência médica e a impossibilidade de cumprir o confinamento. Um levantamento da ONG Voz das Comunidades mostra que até o dia 21 de maio, apenas as favelas do Estado do Rio de Janeiro, registravam 176 mortes por Covid-19.
Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas, explica que mais da metade dos moradores de favelas vivem de forma autônoma ou informal: ”ou seja, eles têm renda zero e por isso não conseguem se sustentar por muito dias sem trabalhar”. Com a dificuldade em ter acesso ao auxílio emergencial, a situação dos moradores se complica cada vez mais.
“Há pouco a se fazer quando o Estado diz para ficar em casa, pois a vida é um bem maior. Então é preciso transferir renda. São pessoas que pagaram imposto a vida inteira”, protesta Athayde.
Com informações do Estadão