Imagem: Bruno Santos/Folhapress

O médico cancerologista e escritor Dráuzio Varella fez uma defesa enfática do Sistema Único de Saúde (SUS) e uma crítica à profunda desigualdade social brasileira, em entrevista para o programa Estúdio CBN, nessa quinta-feira (16).

No momento em que o Brasil registra 33,8 mil casos confirmados de pessoas infectadas com o novo coronavírus e 2.141 mortes, Dráuzio foi contundente em afirmar que o SUS é o “maior Sistema de Saúde Pública do mundo” e mesmo assim os brasileiros não conseguem leva-lo a sério, lamentou. Ele disse que o SUS pode entrar em colapso e, por isso, temos que estar “de mãos dadas com a ciência” e não com “correntes ou ideologias”.

“Nós estamos pagando agora o descaso que tivemos com o SUS nesses anos todos e o descaso com a desigualdade social, que é imoral no Brasil, agora está aparecendo dinheiro de todo lado. Por que não fizemos tudo isso antes?”, protestou.

Confira abaixo os momentos mais relevantes da entrevista:

Contaminação e tratamento

“Antes da epidemia de coronavírus, já era difícil conseguir UTI em um hospital público. Estavam sempre lotadas por pessoas com outras doenças. Já era um problema crônico do SUS. De repente, surge uma doença que se dissemina com facilidade e normalmente não provoca casos graves. Porém, uma pequena parcela, de 10% a 20% das pessoas, começam a desenvolver falta de ar, elas vão precisar de cuidados mais intensivos.

Quando há aumento muito grande de casos, as pessoas tem que ir ao hospital. Falta de ar, por exemplo, um dos sintomas mais graves da doença, desespera quem está sentindo, as pessoas correm pro hospital. Aí está o risco do número de infectados ser maior que o número de leitos.

Quando falamos que o sistema pode entrar em colapso, é dessa situação que estamos falando. As pessoas no Brasil, que já tem uma visão muito distorcida do SUS, que é o maior sistema de saúde pública do mundo, não levam isso a sério. Essa doença evolui assim, tem uma febre, uma dor de garganta e entre o 5º e o 10º dia, muitos se curaram. Outros não, eles vão para o hospital com falta de ar e é nesse momento que vai faltar leitos. Se não tem respirador, a pessoa vai morrer de falta de ar, como vimos na Itália: médicos se queixando por ter que decidir quem vai para o respirador, quem não for, vai morrer por falta de ar. A mais dura morte que se pode imaginar. Além de todos os problemas de saúde que continuarão acontecendo. Não podemos chegar numa situação limite dessas, as pessoas vão morrer a míngua.”

Isolamento e desigualdade

“Nosso índice de isolamento não é ruim, mas poderia ser melhor. Conheço um pouco da realidade das periferias brasileiras, em alguns locais, em becos que não passam duas pessoas juntas, existem casas, famílias que dormem em um cômodo, seis, sete pessoas em um cômodo. Como segurar três crianças dentro de um cômodo? Tem pessoas que não aguentaram três dias de isolamento por que acabou a comida. O lockdown seria difícil para essa população mais vulnerável.

Descaso e Copa do Mundo

Nós estamos pagando agora o descaso que tivemos com o SUS nesses anos todos e o descaso com a desigualdade social que é imoral no Brasil, agora está aparecendo dinheiro de todo lado, pessoas doando. Por que não fizemos tudo isso antes? Fizemos lindos estádios pra copa do mundo, que agora só geram custo de manutenção e não estão utilizados. Na verdade, agora estamos fazendo hospital nesses estádios. Se nessa época tivéssemos nos preocupado com o SUS, não estávamos passando por isso agora.”

SUS

“Quando Mandetta fala que nós temos que nos basear na ciência, ele esta corretíssimo. Nós vamos nos basear em que? Na opinião de uma pessoa? De uma corrente? De uma ideologia? Não! Nós temos que nos basear em dados científicos.

Sempre uso uma fala do Gonzalo Vecina, professor da faculdade de saúde pública, médico muito respeitado entre nós, ele diz que o Brasil sem o SUS é uma barbárie. É a verdade! Eu fiz faculdade de medicina 20 anos antes da existência do SUS, se você era pobre,  não tinha direito ao antigo INPS, era considerado indigente, vinha carimbado no prontuário.  Ninguém tinha obrigação de te tratar.

Com o SUS, todo brasileiro passou a ter direito a assistência médica. Os brasileiros não sabem o que é o SUS, eles deveriam ter o maior orgulho dele. Nas Olimpíadas de Londres, os ingleses colocaram no centro do gramado o NHS, sigla de national health system, o sistema de saúde deles, que é brincadeira de criança perto do SUS. Um país de 66 milhões de habitantes, alto nível educacional, com dinheiro, ate eu organizo o sistema de saúde deles. Quero ver oferecer um sistema de saúde pra 209 milhões de pessoas, num país que não tem dinheiro suficiente, baixo nível educacional e uma desigualdade absurda. Se nós não tivéssemos o SUS agora, estaríamos perdidos.

Olha os EUA, não tem SUS lá, o que está acontecendo? Os pobres morrem. Porque estão morrendo tantos negros nos EUA? Por que são os mais pobres, aí o que eles fazem? Só vão para o hospital quando estão muito mal, por que lá tem que pagar. “Ah, mas ele pode ter um seguro”, pode até ter, mas eles pagam uma espécie de caução e esse valor é suficiente pra provocar a falência de uma família inteira.

Aqui nós temos essa maravilha que é ir ao hospital e não precisar pagar por isso. O SUS é a estrutura fundamental. As pessoas faziam um plano de saúde e pensavam, “nunca mais coloco os pés no SUS”. Você pode ter o melhor plano de saúde, acesso aos melhores hospitais, vai ter vaga nesses lugares em meio ao caos? Não adianta pagar muito, se estiver cheio, vai ter que ir para um hospital público. Eu espero que quando acabar tudo isso, tenhamos consciência que temos que ter um SUS forte, organizado, sem influência política. O Brasil não definiu um programa de saúde publica até hoje. Sabe por que não? Nos últimos 10 anos tivemos 13 ministros da saúde, indo pro 14º, a média de permanência no cargo é 10 meses.

Sou um eterno otimista, acredito que podemos sair dessa conscientes da importância do SUS. As pessoas vão entender que sem isso nós estamos perdidos, pode acontecer uma nova epidemia como essa a qualquer momento e nós podíamos estar muito mais preparados.”