O Mundo do Trabalho, a Democracia e o Compromisso Socialista com a Igualdade

Paulo Bracarense, membro da Comissão Executiva Nacional do PSB

João Vidal, presidente da Comissão Provisória Nacional da CMS/PSB

O presente texto oferece uma contribuição aos participantes dos Congressos Estaduais e do Congresso Nacional da Coordenação do Movimento Sindical (CMS) do PSB. A sua base está assentada no Programa do Partido aprovado no seu XV Congresso em 2022, o Congresso Constituinte da Autorreforma e na prática política da militância socialista no Movimento Sindical. O seu objetivo é reforçar a necessidade de os sindicalistas filiados ao Partido terem no Programa um guia inspirador e orientador de suas ações.

  1. O novo cenário do trabalho na era das tecnologias disruptivas

Vivemos uma época de transformações profundas no mundo do trabalho. O avanço acelerado de tecnologias como a inteligência artificial, big data, a internet das coisas e a robótica está mudando a forma como se produz, consome e se organiza a vida cotidiana. Essas inovações, por um lado, têm o potencial de aumentar a produtividade, criar novos serviços e impulsionar setores como saúde, educação e energia. Por outro, já provocam o desaparecimento de milhares de postos de trabalho tradicionais, aumentando a insegurança, o desemprego estrutural e a precarização das relações laborais.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) entende que o trabalho é um dos pilares fundamentais da dignidade humana e o valor central do projeto socialista. Por isso, recusa qualquer naturalização do desemprego em nome do progresso tecnológico. A revolução em curso não pode ser guiada apenas pelos interesses do mercado ou dos grandes conglomerados econômicos e tecnológicos. É dever do Estado democrático orientar essa transição com políticas públicas robustas de qualificação profissional, requalificação permanente, garantia de renda básica e proteção social. Nenhuma transformação tecnológica pode servir de pretexto para ampliar desigualdades ou excluir milhões de brasileiros do direito ao futuro.

  1. Democracia, soberania e o papel estratégico do Estado

O PSB não teme a sociedade do conhecimento — ao contrário, defende que o Brasil mergulhe de forma estratégica nesse novo tempo. A criatividade, a inovação e a ciência devem ser colocadas a serviço de um Projeto Nacional de Desenvolvimento sustentável e justo. Isso exige investimentos públicos em pesquisa, infraestrutura digital e formação de mão de obra capacitada para lidar com os desafios do século XXI.

Mas é preciso reconhecer que as decisões sobre o futuro do trabalho e da economia não podem seguir concentradas em mãos de poucos. A democracia, além de política, deve ser econômica e tecnológica. O país precisa democratizar o acesso ao conhecimento, ampliar o controle social sobre as novas tecnologias e garantir que os ganhos de produtividade sejam distribuídos entre todos — e não apropriados apenas por acionistas e corporações.

A ação moderadora e reguladora do Estado é, nesse sentido, indispensável. Não para travar a inovação, mas para garantir que ela beneficie a sociedade como um todo. Isso passa pela defesa de um novo marco legal para o trabalho, adequado às novas formas de ocupação e produção, que combata a informalidade, a “uberização” e o subemprego. Passa também pela promoção ativa do trabalho decente, como preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

  1. Sindicalismo, representação e renovação democrática

O avanço tecnológico tem desafiado não apenas os empregos tradicionais, mas também as formas de organização dos trabalhadores. A desestruturação dos vínculos formais de trabalho, somada à ofensiva neoliberal que enfraqueceu sindicatos e desregulamentou direitos, impõe um enorme desafio à luta coletiva.

O PSB acredita que é urgente atualizar a pauta sindical. É preciso repensar as formas de representação no contexto da economia 4.0, criando mecanismos eficazes de diálogo, proteção e negociação para as novas categorias de trabalhadores. Isso significa reconhecer os novos sujeitos do mundo do trabalho — jovens, autônomos, trabalhadores de aplicativos, profissionais criativos e técnicos digitais — e garantir que também eles tenham voz e vez na construção de políticas públicas.

Ao mesmo tempo, é necessário enfrentar os efeitos da Reforma Trabalhista de 2017, que desestruturou direitos conquistados com muito suor e luta. A Autorreforma do PSB passa pela defesa intransigente da Constituição de 1988 e pela construção de um novo marco trabalhista que enfrente os dilemas do presente com visão de futuro, recuperando o papel do Estado na promoção ativa do emprego e do trabalho digno.

O fortalecimento da organização dos trabalhadores por meio de seus sindicatos é parte essencial dessa estratégia. O PSB defende a existência de sindicatos autônomos, combativos e representativos, com liberdade de atuação e financiamento estável, que possam articular lutas concretas por melhores condições de trabalho, salários dignos e direitos sociais. A reconstrução de um sindicalismo forte e plural é condição indispensável para a construção de uma democracia participativa e para a proteção dos interesses da classe trabalhadora frente às transformações tecnológicas e econômicas.

  1. Empregos verdes, sustentabilidade e justiça social

A transformação do mundo do trabalho também se cruza com a emergência ambiental. O PSB defende que a criação de empregos verdes — ocupações que ajudam a preservar ou restaurar o meio ambiente — seja colocada no centro das políticas públicas. Esses empregos não apenas enfrentam os efeitos da crise climática, como também abrem novas oportunidades econômicas e sociais para milhões de brasileiros.

A política econômica neoliberal, focada no lucro imediato e na exploração predatória dos recursos naturais, é incompatível com a ideia de desenvolvimento sustentável. É por isso que os socialistas brasileiros propõem uma mudança de paradigma: gerar riqueza com responsabilidade ambiental, articulando as políticas de emprego, conservação ambiental e proteção social.

Trabalhadores da agricultura familiar, da economia solidária, da transição energética e da recuperação de áreas degradadas devem ser reconhecidos como agentes estratégicos de uma nova economia inclusiva. Essa é uma aposta concreta para combater o desemprego, promover justiça climática e reduzir desigualdades históricas, sobretudo nas periferias urbanas e nas regiões mais empobrecidas do país.

  1. Igualdade, pluralidade e o compromisso com a democracia

A defesa do trabalho digno não pode estar desvinculada da luta por igualdade. O PSB entende que as bandeiras dos movimentos de mulheres, negros, juventudes, LGBTQIA+, indígenas, pessoas com deficiência e populações periféricas são fundamentais para a construção de um país mais justo. A diversidade da sociedade brasileira deve se refletir na formulação das políticas públicas e na própria organização partidária.

Mais do que representar esses grupos de forma simbólica, o Partido se compromete a construir espaços reais de poder e participação. Isso significa apoiar suas pautas, respeitar sua autonomia e garantir que suas vozes estejam presentes nas decisões estratégicas sobre o futuro do país. A luta contra as desigualdades de raça, gênero e território não é acessória — é central para qualquer projeto verdadeiramente democrático.

Essa compreensão se expressa também na defesa do direito ao trabalho como um direito social pleno, que deve ser garantido com o mesmo empenho com que se asseguram os direitos à saúde e à educação. O Estado brasileiro ainda precisa criar mecanismos efetivos para assegurar a todos e todas o acesso a uma ocupação produtiva, segura e bem remunerada.

  1. Autorreforma socialista: atualizar o projeto para transformar o Brasil

A Autorreforma do PSB é uma proposta viva, em constante diálogo com as transformações do mundo contemporâneo. Atualizar o projeto socialista não significa renunciar a seus princípios fundadores — justiça social, igualdade, democracia, soberania popular — mas sim traduzi-los para os dilemas do presente. No centro dessa atualização está o reconhecimento de que o trabalho segue sendo um eixo estruturante da sociedade, mas que precisa ser pensado a partir de uma nova realidade.

Por isso, o PSB propõe a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, como forma de redistribuir os ganhos da produtividade. Propõe também a criação de uma renda básica universal, para garantir segurança material em tempos de transição e fomentar a inclusão social. Defende a revalorização do papel do Estado como indutor do desenvolvimento, como regulador do mercado e como protetor dos mais vulneráveis.

Esse projeto exige coragem política, mobilização social e compromisso ético. Exige também que o Partido se abra à escuta da sociedade, incorpore as lutas populares e reforce os laços com os movimentos sociais. A transformação que o Brasil precisa passa pelo mundo do trabalho, pela valorização da democracia e pela construção coletiva de um futuro mais justo, feliz, inclusivo e sustentável.