Autor: Adriano Sandri
Cientista político e doutor em Relações Internacionais
Diante do gravíssimo problema do aquecimento global e da ameaça a todo o sistema ecológico terrestre, grupos organizados da sociedade humana vêm se organizando para reagir ao modelo de desenvolvimento econômico devastador.
A segunda guerra mundial terminou da pior forma possível: a explosão das primeiras duas bombas nucleares sobre duas cidades no Japão. Na guerra, morreram entre 75 e 85 milhões de pessoas, e, destes, 50 milhões de civis: no total, representaram cerca de 3% da população mundial. O economista Karl G. Silverstolpe calculou, em 1947, um dano econômico entre 100 e 200 bilhões de dólares.
Mas outra herança maldita e irrefreável desta guerra, cujo valor econômico é incalculável, foi a corrida ao rearmamento que iniciou logo em seguida e ainda em plena ascensão, tanto no setor tradicional como no nuclear.
O sistema econômico industrial se reergueu nas bases anteriores e impulsionou uma economia de consumo crescente numa base de absoluta devastação ambiental que só teve reações políticas na ONU no final do século XX.
A sociedade científica e civil, porém, começou a reagir já nas décadas de sessenta e setenta. Formaram-se os primeiros partidos verdes e inúmeros movimentos ecológicos. A consciência ecológica foi levantando uma questão: os filhos dos nossos filhos sobreviveriam ao desastre ecológico, esta tragédia anunciada?
O tema do desastre ecológico anunciado foi penetrando nas mais diferentes camadas sociais: cientistas, associações ideológicas, religiosas, artísticas, culturais e muitas outras, cada uma com características e tempos diferentes, foram se posicionando perante o problema.
De um lado o sistema capitalista, com suas incontáveis vertentes, vem construindo sua solução ecocapitalista que tem como base comum a visão de que o problema pode e deve ser resolvido com o aprimoramento de soluções técnicas.
Do outro lado, as forças sociais e culturais estão construindo propostas de enfrentamento mais radicais, cada uma a partir de seus embasamentos culturais.
Podemos, como exemplo claro e conhecido, citar a atual mobilização da Igreja Católica, sob a direção do Papa Francisco, que se inspira e reinterpreta os textos sagrados motivando os cristãos para um profundo engajamento para um modelo de “ecologia integral” (Instrumento Laboris, 26.10.2019).
No campo do socialismo existem várias vertentes ecológicas. O ECOSSOCIALISMO é uma vertente que se inspira no marxismo clássico onde encontra claras indicações de que, desde o século XIX, criticam o modelo consumista e devastador do capitalismo. No século XX, esta problemática não foi desenvolvida, e priorizou-se a ideologia em que o socialismo seria uma etapa posterior ao capitalismo. As lutas do campo socialista foram prioritariamente pela conquista do controle do Estado, para poder implementar um sistema socialista ou comunista. Neste século, a vertente do ecossocialismo está priorizando a questão ambiental.
A visão do PSB, dentro do socialismo democrático, precisa ser aprimorada em um posicionamento teórico e político.
A presença do PSB no campo ambiental não é de hoje. Seu posicionamento crítico com relação ao modelo de desenvolvimento capitalista começa a ser mais nítida a partir do início dos anos noventa, mas sua atuação precisa crescer muito. Muitos socialistas militantes e dirigentes estão envolvidos na questão ambiental. Falta uma ‘política de partido’ mais definida, organizada, atuante, estruturada, atualizada, com perspectiva não só imediata, mas de médio e longo prazo.
No processo de autorreforma em curso, o item do ‘DESENVOLVIMENTO, CULTURA E MEIO AMBIENTE’ deveria ser o primeiro capítulo, alicerce de todo o Programa do partido, inspirando a reforma política e todas as outras. Primeiro o modelo de sociedade, de desenvolvimento, depois as formas de concretizá-lo.
A questão ambiental, hoje, é a questão socialista do momento histórico, é a face da democracia socialista, é o alicerce da justiça social, da solidariedade. É a face que deve caracterizar o socialismo deste início do século XXI.
O que deve identificar o socialismo democrático não é mais a luta de classes, a questão do Estado, a ditadura do proletariado e todos os outros princípios da esquerda socialista, mas a questão ambiental em toda a sua dramaticidade e abrangência.
O PSB precisa de uma revolução ideológica porque a Terra precisa de vida. Enfrentar a ameaça à vida humana, que o Covid-19 destampou e jogou na cara do mundo inteiro de uma só vez, é a tarefa prioritária do socialismo, se ele não quiser perder a centralidade do processo histórico hoje dominado pelo sistema capitalista individualista, consumista, genocida, pelas políticas neoliberais, pelo centralismo do rentismo financeiro e tudo mais.
A Fundação João Mangabeira, desde o início deste ano, vem construindo uma proposta de atuação objetivando organizar a atuação do partido na problemática ambiental. Este projeto objetiva:
a) Constituir um Grupo de Trabalho permanente – GTp – nacional composto por representantes dos biomas que caracterizam o Brasil – Amazônia, Cerrado, Mata Atlântida, Pampa, Caatinga, Pantanal e Amazônia azul – e por especialistas que estudam e atuam nesses biomas;
b) Constituir um Grupo de Trabalho permanente – GTp – em cada um dos biomas que caracterizam o Brasil;
c) Estes GTPs têm como metas:
– organizar “oficinas” e estudos com o objetivo de elaborar propostas de ação a serem realizadas pelo PSB através da ação coletiva de vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais e senadores;
– Publicar regularmente, em todos os meios de comunicação do PSB e da FJM, estudos, artigos e realizações relativas à temática ambiental.
Este projeto, coordenado pelo professor Adriano Sandri, junto com João Capiberibe e Alexandre Navarro, em fase permanente de construção, está aberto a contribuições e a participação de todas as pessoas interessadas que podem se comunicar diretamente pelo endereço eletrônico [email protected]
O primeiro GTp já está formado: é o GTp “Amazônia Sustentável”, composto por dez pessoas, representando cada Estado da Amazônia, indicadas pela presidência do PSB de cada Estado, coordenado por João Capiberibe, exímio militante ambientalista, que muito fez e com muita criatividade sobretudo no Amapá como prefeito, governador e senador do Estado.