Autor: João Campos (PSB-PE)
Deputado federal
A economia, enquanto ciência, tem como pano de fundo a incerteza. Crises humanitárias, sociais, políticas, naturais ou de qualquer outra natureza tendem a elevar significativamente as inseguranças relacionadas ao futuro das naçoes, criando as condições para desestabilizar as economias no médio e longo prazos.
A crise do novo coronavírus tem este poder e já gerou incertezas que colocaram em xeque a efetividade do chamado neoliberalismo. Em tempos mais problemáticos, a mão invisível do mercado sai de cena e foge para lugares mais seguros, deixando claro que a ideia de que o mercado poderia substituir o estado como regulador da vida econômica e social nunca passou de uma história mal contada. Via de regra, os agentes do mercado tem como principal objetivo a maximização dos lucros e isso, por si só, é incompatível com o ideário de construção de um estado de bem estar social.
Diante de uma crise de tamanha proporção é o estado quem deve garantir bem estar para a população, mantendo os empregos, transferindo renda para camadas populacionais mais vulneráveis e adotando políticas anticrise. Hoje, até os economistas liberais estão sugerindo a adoção de políticas econômicas keynesianas que defende um maior intervenção do estado na economia.
No Brasil, país onde o rendimento médio do 1% mais rico da população é 33,8 vezes maior do que os rendimentos dos 50% mais pobres e que acumula um índice de desemprego na casa dos 11,7%, segundo o IBGE, a intervenção do estado na economia torna-se ainda mais necessária e urgente para corrigir estas distorções.
Ainda de acordo com o Instituto, a extrema pobreza no Brasil atingiu, em novembro de 2019, 13,5 milhões de pessoas e chegou ao maior nível nos últimos 7 anos. Além disso, aproximadamente 100 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto, segundo o Atlas do Esgoto da Agência Nacional de Águas (ANA).
Esses dados alarmantes colocam o Brasil numa zona de risco. Parte significativa do país não cmpre as duas exigências básicas para enfrentar o novo coronavírus: distribuição de renda e saneamento adequados.
A instituição da Renda Emergencial Básica criada pelo Congresso Nacional foi/é uma das condições para enfrentar a crise provocada pelo vírus. A implementação desta política pública pode garantir o êxito do isolamento social com dignidade, contribuindo para “achatar a curva” dos novos casos no país.
Além da renda emergencial, faz-se necessário a criação de uma série de novas medidas econômicas para conter o avanço do vírus e garantir estabilidade financeira das famílias. Na condição de deputado federal, apresentei uma série de propostas nesse sentido: ampliar o seguro-desemprego para todos os trabalhadores demitidos sem justa causa, oferecer um auxílio-doença para todos os trabalhadores com covid-19 independente do período de carência, criar uma taxação adicional temporária sobre 30% dos lucros líquidos dos bancos, aposentadoria automática, acabando com as filas do INSS, proteger microempreendedores individuais e trabalhadores de aplicativos com desconto de 30% em aluguéis com a suspensão de execuções hipotecárias e despejos, além de garantir a gratuidade de serviços públicos para pessoas de baixa renda.
O nível e a intensidade da intervenção do estado na resolução desta crise definirá o tempo da instabilidade social. Nesse momento a prioridade deve ser o enfrentamento ao vírus e seus efeitos sociais imediatos, mas é preciso aproveitar este momento para também pensar um projeto de longo prazo para o Brasil com mais inclusão, justiça e solidariedade.
Quando um presidente trata a pandemia como uma “gripezinha” ou falseia a realidade criando uma suposta contradição entre saúde e economia está contribuindo para ao prolongamento da crise, gerando mais incertezas políticas e econômicas, e atentando contra a saúde pública, desconsiderando as determinações técnicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as experiências recentes de outros países.
O Brasil não precisa de um agente do caos. O Brasil precisa de ponderação, equilíbrio e da ação de um estado regulador e forte para encurtar o tempo da crise e recolocar o país na trilha de um desenvolvimento mais sólido com garantia de direitos, distribuição de renda e democracia.
* Artigo originalmene publicado na Folha de Pernambuco em 7/5/2020