Autor: Milton Coelho
Deputado Federal (PSB-PE)
Matéria publicada pelo UOL, no dia 14 de junho deste ano, trouxe novamente à tona o problema da fila no Bolsa Família: praticamente 4 milhões de pessoas aguardam para entrar no programa, sendo que mais de 1 milhão delas estão sem nenhuma proteção de renda, ou seja, não podem contar nem com o Bolsa Família, nem com o Auxílio Emergencial. No nosso estado de Pernambuco, são mais de 100 mil pessoas sem qualquer tipo de apoio do governo federal, num cenário de empobrecimento do Brasil. No dia seguinte à publicação da matéria, o presidente da República anunciou em entrevista que pretende reajustar o Bolsa Família, levando seu benefício médio mensal dos cerca de R,00 para R,00 por família. Mas isso não resolve o problema da fila e quero aqui explicar ao leitor o porquê.
Distintamente do que muitos pensam, o Bolsa Família até hoje não é um direito, ou seja, não há garantia de atendimento a todos que dele precisam. Isso depende da existência de vagas, ou, em outras palavras, da existência de orçamento para incorporar as famílias pobres no programa. Atualmente, o governo tem condições de aumentar o Bolsa Família por dois motivos: primeiro, porque economizou parte do orçamento do programa em 2021, pois muitos dos seus beneficiários estão recebendo o Auxílio Emergencial; segundo, porque a inflação vai permitir uma ampliação dos gastos em 2022 – e parte dela pode ser direcionada ao Bolsa Família.
Portanto, o aumento do benefício do Bolsa Família será viabilizado por uma circunstância orçamentária específica, e não por uma melhoria estrutural no programa. É uma espécie de remendo, que possibilita o reajuste neste momento, mas não evita a formação de fila com milhões de pessoas pobres à espera do programa. Isso porque o governo não corrige a questão de fundo, que é garantir que o Bolsa Família seja um direito, de modo que o reajuste para quem já recebe em nada garante a entrada de novas famílias no programa.
Mais ainda, o governo divulgou um reajuste no valor do benefício, mas vai deixar a linha de pobreza do programa praticamente inalterada. A linha de pobreza é o limite de renda que a família deve ter para ser considerada pobre e, portanto, poder ser atendida pelo Bolsa Família. Se esta linha não é reajustada, muitas pessoas que são pobres na realidade não são consideradas pobres pelo programa. Isso faz com que tenhamos não somente uma, mas duas filas no Bolsa Família. A primeira é a fila formal, de quem cumpre os critérios, mas não pode ser atendido por falta de orçamento. A segunda é a fila informal, de quem vive na miséria, mas não é considerado pobre, porque o governo não atualiza a linha de pobreza do programa.
Ambas as filas são um ato de desumanidade: ninguém merece enfrentá-las. Por isso, fiz questão de integrar, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial responsável pela análise da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 200/2019. Esta PEC torna o Bolsa Família um direito constitucional, impedindo as filas e reajustando anualmente os valores dos benefícios e a linha de pobreza do programa.
Precisamos ter a clareza de que as filas do Bolsa Família não são formadas por números e estatísticas frias, mas sim por milhares de mães e pais sem empregos ou salários dignos para sua sobrevivência, de pessoas sem alimentação adequada, de crianças empurradas ao trabalho infantil. A triste fila da miséria, portanto, só pode interessar a um governo completamente despreocupado com o bem-estar e com o desenvolvimento das famílias mais vulneráveis do nosso país.
* Artigo originalmente publicado no Diário de Pernambuco em 22/6/2021