“O resgate da verdade do que ocorreu durante a ditadura militar vai ajudar a reescrever a história do Brasil”, Carlos Siqueira – presidente da Fundação João Mangabeira e primeiro secretário Nacional do PSB.
A união de esforços para desvendar uma época negra da política brasileira ganhou um marco importante. A Câmara dos Deputados com o apoio da Fundação João Mangabeira (FJM) realizou, em Brasília, o Seminário Internacional Operação Condor. O evento que contou com a participação do primeiro secretário Nacional do PSB e presidenta da FJM, Carlos Siqueira, e da deputada e coordenadora da Comissão Parlamentar da Verdade, Memória e Justiça, Luiza Erundina (PSB-SP) serviu para unir mecanismos e articulações no sentido de buscar a verdade sobre a repressão aos opositores de ditaduras sul-americanas e eliminar líderes de esquerda instalados nos seis países do Cone Sul.
Carlos Siqueira foi um dos expositores da Mesa “Operação Condor: Perspectiva Histórica”. “Nós, brasileiros, estamos muito atrasados. Os demais países, nossos vizinhos, já esclareceram, julgaram e prenderam os ditadores e os torturadores. É muito importante, que esse seminário internacional sobre a Operação Condor, possa trazer elementos que subsidiarão as Comissões da Verdade do legislativo e do executivo para que, desta forma, possamos tomar providências e reescrever a nossa história, contando, verdadeiramente, como aconteceram os episódios durante aquele período de ditadura militar em nosso País”, explicou.
Segundo o socialista, a participação de parlamentares e especialistas estrangeiros foi fundamental para fortalecer os trabalhos da comissão.
Já a deputada Luiza Erundina disse ser necessário que o debate não permaneça apenas nos relatórios da Comissão. “É impossível obter a reconciliação nacional com a democracia sem justiça às vítimas da ditadura militar e com uma lei de anistia que beneficia os torturadores. Com influência do governo americano, o Congresso votou essa lei, que precisa ser reinterpretada”, explanou Erundina.
Outro ponto muito discutido na reunião foi a necessidade de contar com a sociedade, que precisa estar sempre vigilante e buscar entender as causas e o funcionamento das ditaduras para evitar que momentos de repressão da ordem democrática voltem a ocorrer. “Essa comissão é uma construção coletiva. Trata-se de uma tarefa suprapartidária para que consigamos romper limites e nos comprometer com os direitos humanos, 24h por dia”, explicou a deputada.
Erundina enfatizou que o fato de “trazer a verdade” sobre os crimes cometidos pelo estado e instituições brasileiras incomoda e isso deve se tornar uma arma na busca pela justiça. “Temos que fazer o esforço para mudar essa cultura de violência que existe na sociedade”.
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse que as ditaduras ocorridas na América Latina foram resultado, entre outros aspectos, de um mundo em meio à Guerra Fria, que visava a desconstrução e o extermínio dos movimentos de esquerda. “As ditaduras no continente latino-americano são resultado do mesmo movimento. Não partir dessa origem, é ignorar que o contexto internacional condiciona o contexto nacional. Precisamos construir fortalezas para evitar que isso ocorra novamente”, argumentou Abrão.
O juiz federal da Argentina, Daniel Rafecas, afirmou que até agora foram identificadas dez mil vítimas da ditadura militar no país, durante a Operação Condor, na década de 60. Ele disse que essas vítimas foram identificadas com a abertura de mil processos contra pessoas que atuaram durante a operação. “Respondem a processos chefes dos centros clandestinos de detenção e chefe das forças armadas, por exemplo. Até agora 250 já foram condenados por crimes graves. Os números são provisórios porque esse processo está em desenvolvimento”, explicou.
Revisão da anistia – A deputada Luiza Erundina espera que a pressão da sociedade civil torne possível a revisão a Lei da Anistia (6.683/79) para punir os agentes do regime militar que torturaram presos políticos.
“Se for o caso, vamos encaminhar as informações levantadas no seminário ao Ministério Público e à Comissão da Verdade. Todos os crimes de tortura, perseguição e assassinatos se deram numa articulação criminosa entre os países que promoveram essa operação”, disse.
O seminário abordou ainda aspectos relativos à operação político-militar ocorrida no Brasil, na Argentina, no Paraguai, Uruguai e no Chile na década de 1960.
Dez mil vítimas – O juiz federal da Argentina, Daniel Rafecas, que também participou do evento, afirmou que até agora foram identificadas dez mil vítimas da ditadura militar no país, durante a Operação Condor. Ele afirmou que essas vítimas foram identificadas com a abertura de mil processos contra pessoas acusadas de torturas.
Segundo ele, respondem a processos chefes dos centros clandestinos de detenção e chefes das Forças Armadas, por exemplo. “Até agora, 250 já foram condenados por crimes graves. Os números são provisórios porque esse processo está em desenvolvimento”, disse.
Já o deputado da Argentina Remo Gerardo Carlotto afirmou que foram abertos 365 centros clandestinos de detenção no país durante a ditadura militar. Ele disse que os julgamentos dos crimes praticados pela Operação Condor devem ser considerados como uma política de Estado. “O Estado democrático deve prestar contar daquilo que foi feito pelo Estado terrorista anteriormente”.
O deputado declarou ainda que a ditadura na Argentina contou com o apoio de grandes grupos econômicos. “Um dos grupos se colocou à disposição do regime para sequestrar 300 pessoas, uma delas continua desaparecida até hoje”, disse.
Retrocesso no Uruguai – Por sua vez, o jornalista do Uruguai Samuel Blinxen afirmou que houve retrocesso no seu país com relação à investigação da Operação Condor. “O Estado uruguaio não quer saber quem cometeu os delitos. O Uruguai amparou a impunidade.”
Ele disse que a Operação Condor é a expressão máxima do terrorismo do Estado nos países – Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai – que se uniram para cometer crimes como prisões ilegais e assassinatos.
“A operação promoveu o extermínio dos atores sociais que podiam alterar o livre jogo do mercado. Os militares não estavam sozinhos. Eles precisavam de dinheiro, transportes e comunicação”, afirmou.
De acordo com Luiza Erundina, em agosto será realizado um grande evento juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil para homenagear os profissionais que sofreram com a repressão. “Vamos devolver simbolicamente os mandatos populares que lhe foram usurpados pela ditadura militar.”
O presidente da FJM, Carlos Siqueira, ressaltou que “o resgate da verdade do que ocorreu durante a ditadura militar vai ajudar a reescrever a história do Brasil.”
“Arquivo do Terror”
A Operação Condor acentuou-se com o golpe militar no Chile que, em setembro de 1973, derrubou o governo socialista de Salvador Allende. Até hoje não se tem uma dimensão exata sobre o número de vítimas da operação. O “arquivo do terror” – quatro toneladas de papéis descobertos no Paraguai, em 1992 – preservou intactos diários, arquivos, fotos, correspondências e a rotina da operação. São mais de 60 mil documentos, totalizando 593 mil páginas microfilmadas pela burocracia da repressão.
Esse arquivo resultou nas seguintes estimativas: 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos, 400 mil encarcerados. Já o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), de Porto Alegre, aponta que investigações oficiais realizadas por comissões independentes chegaram a números menores: 13.960 mortos e desaparecidos políticos no Cone Sul, no período de atuação da Operação Condor.