Conhecer o sistema político e eleitoral da Argentina, Chile e Uruguai para debater a reforma política em pauta no Brasil. Esse foi o principal objetivo da atividade de formação política do PSB do Rio Grande do Sul realizada no último final de semana. A abertura do Seminário “Os Sistemas Eleitorais nos Países do Conesul” reuniu o vice-presidente Nacional do PSB, Roberto Amaral, o primeiro secretário Nacional do partido e presidente da Fundação João Mangabeira (FJM), Carlos Siqueira, e as principais lideranças do PSB gaúcho, como o vice-governador Beto Grill, o presidente do PSB do Rio Grande do Sul, Caleb de Oliveira, o deputado estadual Miki Breier, os deputados federais Luiz Noé e José Stédile, os secretários Beto Albuquerque, de Infraestrutura, e Mari Machado, adjunta do CDES, além de prefeitos e vereadores socialistas.
Caleb falou da importância do evento promovido pelos socialistas que visa a discutir as experiências dos sistemas eleitorais na América Latina. “Nossa intenção é juntar elementos para se fazer uma análise sobre como institucionalmente trabalham os sistemas para a discussão sobre a reforma política no Brasil”, apontou.
Na mesma linha, Mari Machado saudou a oportunidade de se “aprofundar os laços entre os países da America Latina no tocante às experiências socialistas e seus governos”. Ela citou a presença da experiência da Argentina, que tem o partido socialista constituído desde 1896, sendo o mais antigo na América do Sul.
Uma visão otimista sobre o sistema e a estrutura do Estado permeou a fala de Beto Grill. Ele entende que o País caminha em direção à inclusão e participação democrática. “Obviamente não é um caminho em linha reta, mas avança”, apontou.
Ao comemorar 25 anos desde a sua filiação no PSB, Beto Albuquerque refletiu sobre a real necessidade de o Brasil aprovar mudanças em seu código eleitoral. “Qual a razão para se votar em listas fechadas, se sabemos que sobrarão dois, três partidos. E que chance teremos nesta reorganização de elegermos pessoas com a biografia de Lula e Dilma?”, questionou. O secretário apontou o crescimento do PSB e sugeriu que se reflita sobre alterações para que “não sepultem um projeto de liberdade e democracia como o do PSB”.
Miki Breier, que preside o Bloco Brasileiro da União de Parlamentares do Mercosul (UPM), assinalou que as experiências políticas são fundamentais para a real integração entre os países do bloco. “Cabe a nós, socialistas, levar para os governos a integração de experiências positivas para o alinhamento, não somente econômico, mas também social.”
O deputado federal Luiz Noé entende que ao tratar da reforma política, o Brasil deve seguir um modelo de diversidade respeitando as características regionais. “Aqui, hoje, estamos apreendendo para formular as nossas propostas. Capacitando-nos para agir de maneira diferenciada”, citou, falando da importância de atividades de formação política.
José Stedile lembrou que o PSB tem sido muito fiel ao governo federal, mas coerente para dizer que não concorda com todas as suas propostas, entre elas, a de reforma política. “É preciso que se discuta um modelo que afaste o poder econômico”, sugeriu ao denunciar que o fim das coligações, como se está prevendo, serão extirpados os partidos menores, fazendo crescer apenas os quatro maiores. “Não é esta a reforma que se quer”, sentenciou.
Durante os painéis, mediados pelo presidente da FJM, Carlos Siqueira, o representante do Partido Socialista uruguaio, professor Fernando López D’Alessandro, destacou que com partidos políticos fortes e permanentes (os partidos Colorado e Nacional existem desde 1836), a população do Uruguai votou desde o início nas ideias defendidas pelas siglas e não em candidatos. “O voto, em tese, é feito na ideologia de cada partido”, afirma.
Sobre a transparência do processo eleitoral, Fernando D’Alessandro cita a criação da Corte Eleitoral, em 1925, como um grande marco para o país. O organismo de sete membros é eleito pelo parlamento e regulamenta todas as eleições, desde presidente da República e deputados a presidente de clubes e associações. Como reúne membros de diferentes partidos a Corte garante a clareza nas eleições. “É muito difícil haver fraude”, destaca o uruguaio.
Juan Valdes, consejal de La Granja, participou do Seminário representando o Partido Socialista chileno. Ele criticou o modelo adotado por seu país, avaliando-o como excludente, já que é fortemente influenciado por resquícios da administração de Pinochet, favorecendo partidos da direita e engessando a renovação e participação democrática.
Representando o Partido Socialista argentino, Estela Molero disse que na Argentina também vota-se em partidos políticos e não em deputados. Conforme a painelista, este sistema de voto em lista deu às mulheres a garantia de contar com pelos 30% de representação no parlamento. “Hoje temos 42% de mulheres entre os deputados da Argentina”, comemorou Estela.
Roberto Amaral relatou as principais críticas ao modelo brasileiro, como o alto custo das eleições, que tornam impossível a participação sem o suporte de terceiros, do aparelho estatal ou de maneira corporativa. Entretanto, conforme o socialista, as alterações propostas não atendem aos desejos da sociedade, nem mesmo encontram amparo no bom desempenho da democracia brasileira. “O modelo atual tem todos os defeitos que lhe apontam, mas tem uma grande qualidade: desde 1964 não houve um abalo constitucional. Tivemos impeachment, elegemos e reelegemos um operário e, agora, se elegeu uma presidenta. O PSB é outro exemplo, pois se reorganizou na democratização e cresceu”, argumentou.
Após os painéis, os representantes dos Partidos Socialistas do Conesul responderam às perguntas do público e colaboraram no debate sobre a reforma política do Brasil, destacando os prós e contras de seus sistemas eleitorais. O grupo afirmou que não existe sistema eleitoral acabado, nem perfeito, sendo que cada modelo é construído de acordo com a história e as peculiaridades de cada país. “Como socialistas que somos não nos acomodamos, procuramos sempre aperfeiçoar nossos sistemas a fim de garantir a pluralidade e fortalecer a democracia”, afirmou o presidente do PSB gaúcho, Caleb de Oliveira.
Confira os painéis:
Sistema eleitoral uruguaio
O professor Fernando López D’Alessandro, representante do Partido Socialista uruguaio, destacou a origem da formação da nação uruguaia como o grande diferencial do sistema político daquele país. Conforme o painelista, o fato do Uruguai existir primeiro como estado e depois como nação possibilitou a construção de uma classe política antes mesmo do surgimento do Estado Moderno. “Quando o Império Britânico criou o Uruguai éramos um território pouquíssimo habitado, com cerca de 30 mil pessoas”, lembrou ele, apontando também a supremacia da qualidade sobre a quantidade para a formação da classe política.
Esta classe política tornou-se profissional a partir da criação da nação, quando o capitalismo moderno entrou no Uruguai. “São pessoas que vivem da política, pela política e a partir da política, sendo, portanto, os administradores naturais do Estado”, citou, destacando a grande participação política da sociedade. Com partidos políticos fortes e permanentes (os partidos Colorado e Nacional existem desde 1836), a população votou desde o início nas ideias defendidas pelas siglas e não em candidatos. “O voto, em tese, é feito na ideologia de cada partido”, afirma.
Além dos tradicionais Colorado e Nacional, o Uruguai conta ainda com partidos de esquerda há bastante tempo. O Partido Socialista tem 100 anos e o Comunista, 80. Mais recentemente, em 1971, os partidos de centro-esquerda formaram a Frente Ampla, que reúne diversas siglas com ideologia semelhante sob o mesmo lema e hoje governa o país com o presidente Pepe Mujica.
Sobre a transparência do processo eleitoral, Fernando D’Alessandro cita a criação da Corte Eleitoral, em 1925, como um grande marco para o país. O organismo de sete membros é eleito pelo parlamento e regulamenta todas as eleições, desde presidente da República e deputados e presidente de clubes e associações. Como reúne membros de diferentes partidos a Corte garante a clareza nas eleições. “É muito difícil haver fraude”, destaca o uruguaio.
Sistema eleitoral chileno
O consejal Juan Valdes, do Partido Socialista do Chile, apresentou a lógica do sistema eleitoral daquele país. Segundo ele, o modelo é fortemente influenciado por resquícios da administração de Pinochet, favorecendo partidos da direita e engessando a renovação e participação democrática. “É um sistema que tende sempre a excluir, não avançar com inclusão de novos agentes na política”, lamentou.
O Chile tem eleições periódicas, de dois turnos, onde vence quem atingir maioria simples. Para as escolhas nacionais, está dividido em 60 distritos que elegem 120 deputados e em 19 grandes regiões que fazem 36 senadores. “Até mesmo esta divisão está concebida para beneficiar o setor político da direita”, apontou Valdes.
A eleição para o congresso é feita por um sistema único no mundo, chamado binominal. Dois deputados e dois senadores são eleitos pelos distritos, numa engenharia eleitoral que, reunidos em quantidades diferentes, os distritos elegem o mesmo número de representantes para o legislativo. “Assim, apenas situações locais conseguem eleger candidatos independentes. Como se elegem só dois, entre as três listas apresentadas, para ganhar, é preciso dobrar a lista seguinte. Se a direita faz 30%, tenho que fazer 60% para se eleger os representantes”.
Em sua opinião, o sistema só favorece a elitização da política, cria um modelo de representação dual, exclui outro tipo de representação e coloca em dúvida a qualidade da democracia chilena. “Neste sistema se exclui do parlamento uma grande parte da cidadania”, apontou. De acordo com o político, as principais dificuldades para se mudar o sistema é a subrepresentação das minorias, a formação artificial de blocos políticos, o conflito que se instala no interior dos blocos de partidos e entre os blocos adversários e o congelamento do sistema partidário. “A esquerda ainda não teve coragem de enfrentar a direta e fazer as reformas que o povo espera. Temos a convicção de que faltou coragem para se enfrentar resquícios da ditadura que ainda regem o sistema eleitoral. Recentemente, duzentos mil estudantes foram às ruas pedindo a reforma que o sistema político que ainda não se foi capaz de produzir”, destacou.
Sistema eleitoral argentino
Para a socialista argentina Estela Molero, a política de seu país pode ser dividida em antes e depois de 1912. Antes, com o voto facultativo (e facultado apenas aos homens) havia uma violenta pressão para que as pessoas votassem no partido do governo. Em 1902, a partir da tentativa de modificação do modelo eleitoral, com voto uninominal e por circunscrição, foi eleito o primeiro deputado socialista do país.
Em 1912 foi estabelecido o voto secreto, universal e obrigatório, ampliando a democracia argentina e transformando a relação entre candidatos e eleitores. O voto feminino foi conquistado em 1947. De 1953 a 1989 o a país viveu sob eleições indiretas.
Na reforma eleitoral de 1994 ficou definido o modelo com eleição direta para presidente, vice-presidente e senadores, além da “segunda vuelta”, uma espécie de segunda turno.
Em 2011, o país aprovou mudanças na propaganda política, limitando o aporte individual para as campanhas políticas e garantindo espaços de rádio e TV para todos os partidos, que até então precisavam pagar para exibir suas propagandas. Agora 50% dos espaços de mídia audiovisual são divididos de forma igual entre todos os partidos e os outros 50% de acordo com os votos de cada partido na última eleição. “Assim, igualam-se as condições dos partidos políticos e amplia-se a democracia”, afirmou Estela Molero .
Na Argentina também vota-se em partidos políticos e não em deputados. Conforme a painelista, este sistema de voto em lista deu às mulheres a garantia de contar com pelos 30% de representação no parlamento. “Hoje temos 42% de mulheres entre os deputados da Argentina”, comemorou Estela, que defendeu o estabelecimento pelos partidos de ações positivas que garantam a participação das mulheres em suas instâncias internas.
Sistema eleitoral brasileiro
Roberto Amaral, vice-presidente nacional do PSB, sintetizou o sistema e apontou as principais críticas ao modelo brasileiro. Falou do alto custo das eleições, que tornam impossível a participação sem o suporte de terceiros, do aparelho estatal ou de maneira corporativa. “É uma grande distorção que desfigura o sistema e não se vai mudar com o sistema em lista que se está prevendo na reforma política”, defendeu.
Outro custo destacado pelo político é imposto pelos sistemas de informação do Brasil. “Num país continental, o contato dos partidos com seus eleitores não é possível sem a intermediação dos veículos de massa. A imprensa, que é atualmente um partido, dita os passos da oposição e do governo, monta e desmonta ministérios, como está fazendo agora”.
Amaral destacou a fragilidade da representação partidária e, de outro lado, a força da elite brasileira que, segundo ele, busca evitar a participação do povo através das reformas em curso. “O objetivo é, em se reduzindo o número de partidos, reduzir as vozes ideológicas. Reduzindo as coligações, reduzir o número de partidos e, assim, as escolhas e os participantes do processo. O povo atrapalha as elites, que pretende mudar o sistema imediatamente, para que não haja mudanças depois”.
Conforme ele, as alterações propostas não atendem aos desejos da sociedade, nem mesmo encontram amparo no bom desempenho da democracia brasileira. “O modelo atual tem todos os defeitos que lhe apontam, mas tem uma grande qualidade: desde 1964 não houve um abalo constitucional. Tivemos impeachment, elegemos e reelegemos um operário e, agora, se elegeu uma presidenta. O PSB é outro exemplo, pois se reorganizou na democratização e cresceu: são quatro senadores, seis governadores, um vice-governador e prefeitos de cidades importantes”, argumentou.