Autor: Caio França
Deputado Estadual (PSB-SP)
Caso de americano que teve conta de R$ 5,5 milhões ao sair de hospital reforça importância do serviço público de saúde
O que o americano Michael Flor, de 70 anos, tem em comum com 520.734 brasileiros? Todos se curaram da Covid-19!
O que eles têm de desigual? Nenhum dos 520.734 brasileiros recebeu uma conta de R$ 5,5 milhões ao sair do hospital.
Após 62 dias internado, a notícia de alta médica de Michael Flor foi acompanhada de uma conta com 181 páginas descrevendo os procedimentos médicos aos quais foi submetido ao longo da internação e o valor de US$ 1,1 milhão (ou R$ 5,5 milhões) do hospital onde se tratou de Covid-19, em Seattle, nos Estados Unidos.
Naquele momento, o coração de Michael Flor quase parou pela segunda vez. Felizmente, o americano possui seguros de saúde, incluindo o Medicare, então talvez não tenha que pagar nada, nem mesmo as cobranças diretas da apólice do Medicare Advantage, que poderiam chegar a US$ 6 mil (R$ 30 mil).
Fica a pergunta: e se o americano não tivesse seguros de saúde?
Essa reflexão é importante porque por aqui o SUS (Sistema Único de Saúde) está instalado em todas as cidades através de Hospitais Estaduais e Municipais, UPA’s, ESF’s, UBS’s, postos de saúde etc.
Todavia, o sistema de saúde pública nos Estados Unidos não contempla toda a população e os serviços são extremamente caros. Os cidadãos ficam sem outra opção além de obrigatoriamente contratar convênios ou seguros particulares para garantir seus cuidados médicos. A forma mais comum de obter um plano de saúde particular nos Estados Unidos é trabalhando em uma empresa que ofereça o benefício aos funcionários.
No entanto, grande parte dos americanos não é beneficiada por essa prática e não tem dinheiro suficiente para pagar um convênio. Em 2007, 46 milhões de pessoas não tinham seguro, de acordo com dados do Census Bureau divulgados pela BBC. Após a criação do Obamacare, esse número vem caindo. Em 2016, 28 milhões não tinham convênio médico. Os que não o possuem enfrentam dificuldades quando precisam arcar com cuidados médicos. Tratar uma perna quebrada, por exemplo, pode custar US$ 7.5 mil (mais de R$ 37.5 mil). Dependendo da complexidade do atendimento necessário, é possível ir à falência.
Em razão disso, o Congresso Americano teve que agir para incentivar as pessoas que não possuem seguro de saúde a procurar exames e tratamentos. De acordo com o jornal “The Seattle Times”, como o Congresso americano reservou mais de US$ 100 milhões (ou mais de R$ 500 milhões) para ajudar hospitais e companhias de seguros a arcar com os custos da pandemia.
Graças ao SUS, o Brasil é hoje uma boa referência na área de saúde pública e é exemplo para outros países que buscam sistemas mais igualitários de saúde, sendo um dos primeiros países a prever na legislação o acesso universal aos serviços de saúde, reconhecendo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Mas é claro que isso não significa que temos uma saúde pública perfeita, estamos bem distantes disso inclusive.
Os principais desafios estão concentrados na gestão, no subfinanciamento e na falta de investimentos em prevenção. Alguns ao invés de fiscalizar e exigir administração séria e de qualidade, preferem inflamar parte da população e do seu eleitorado tentando convencê-los de que o SUS não funciona, propondo a diminuição de investimentos. Também existe concentração de recursos na União, sendo que estados e municípios acabam tendo que oferecer a estrutura completa.
Os municípios investem muito mais do que os 15% previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, o que acaba sobrecarregando o orçamento municipal. Existe uma ausência muito grande do governo federal para que se possam ter avanços significativos.
Ora, mas o problema está no SUS que é referência mundial ou nos gestores que o administram?
Já pararam para pensar: o que seria do nosso povo sem acesso à educação e saúde públicas gratuitas? Para uma pequena parcela da população que não utiliza da saúde, educação, transporte, entre outros serviços públicos, infelizmente enxerga o Estado como um peso para a sua vida. No entanto, se muitos dos serviços públicos tivessem a mesma qualidade dos particulares, você ou sua família não os utilizaria? Se sim, então porque não defender, exigir e fiscalizar uma melhor gestão e administração desses serviços públicos, ao invés de defender o fim ou a redução de investimentos?
Não podemos fechar os olhos para a nossa realidade. Vivemos em um país em que uma pequena parcela da população precisou de uma pandemia para “descobrir” que uma grande parcela da população faz a sua única refeição do dia na escola pública em razão da merenda escolar.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento domiciliar per capita, ou seja, a soma dos rendimentos dos moradores de uma residência é de R$ 1.438,67. Um pouco mais de um salário mínimo…
Uma das piores pandemias do século está evidenciando o que defendo diariamente na ALESP: serviços públicos de qualidade e a importância de valorizarmos os servidores. Neste momento de dificuldade são eles que estão lá na ponta garantindo os serviços essenciais.
Que a pandemia também sirva de aprendizado para que os investimentos em ciência, tecnologia e inovação sejam prioritários quando o assunto for saúde pública.
* Artigo originalmente publicado no site A Tribuna Digital