Em audiência pública sobre a reforma do Código Florestal (PLC 30/2011), na última semana, especialistas apontaram várias questões que segundo eles necessitam ser sanadas pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização Financeira (CMA), que é a última Comissão a analisar a matéria antes de sua votação no plenário do Senado. A delimitação da anistia a quem promoveu desmatamentos até 22 de julho de 2008 foi consenso entre os participantes do debate.
Eles solicitaram que os senadores criem alternativas para diferenciar situações e adotem dispositivos para que de fato as Áreas de Preservação Permanente (APPs) sejam recuperadas e o replantio seja viabilizado por meio de incentivos e instrumentos financeiros.
O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da CMA, disse que nas próximas duas próximas semanas a Comissão promoverá os últimos ajustes no texto, após quase nove meses de intensos debates e conversas com os dois relatores do projeto. "Estamos num momento importante, quando analisaremos o mérito da matéria. Confio que os ajustes no texto serão compatíveis com as expectativas da população e que o texto final trará segurança jurídica e tranquilidade ao campo”, afirmou Rollemberg.
Para José Carlos Carvalho, ex-ministro do Meio Ambiente e representante da Fundação Amazônia Sustentável, o projeto não pode admitir anistia ampla e irrestrita, ainda que as ocupações em APPs tenham sido patrocinadas pelo governo. "Nesse caso o Estado deve assumir os erros do passado. A descriminalização do uso da APP para o pequeno produtor agrícola é fundamental, mas o governo precisa criar mecanismos para proteger essas áreas”, destacou.
Ele também criticou a ausência de uma política florestal eficiente no país, o que pode inviabilizar o êxito do futuro código, pela ausência de estrutura e a inexistência de mudas para fazer o reflorestamento. "O Brasil não tem uma rede de bancos de semente para assegurar essas regras. Não podemos cair na armadilha de uma lei que se esgota em seus enunciados bonitos”, informou.
Ativo florestal
Um dos problemas para a efetivação de uma política florestal, de acordo com o ex-ministro, é que o sistema financeiro nacional não considera as florestas como um ativo na hora em que o produtor vai contrair um empréstimo. Outro convidado da audiência, André Lima, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), apresentou algumas propostas da entidade para aperfeiçoar o projeto.
Uma das sugestões é que o texto considere como ativo florestal a vegetação que exceder a 50% de florestas nos imóveis rurais situados em "municípios verdes” ou em zonas de consolidação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Outra proposta do Ipam é que o ZEE seja fortalecido como forte instrumento de consolidação de áreas já abertas em locais desmatadas até julho de 2008.
Expectativa do governo
Bráulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, disse que o projeto precisa aprimorar mecanismos de apoio e incentivo financeiro para manter as florestas em pé e dar tratamento diferenciado aos que já cumprem a lei e mantêm a vegetação nativa.
Segundo ele, o uso consolidado do solo não deve servir de desculpa para destruir APPs. Para ele, a suspensão da multa aos desmatadores só deve ocorrer para quem assumir compromissos de recuperação das áreas degradadas. "Se perdermos solo, água e biodiversidade, a produtividade agrícola se tornará insustentável em pouco tempo”, advertiu.
O secretário alegou, ainda, que deve ser considerado no projeto o valor das florestas, que é bastante significativo. Conforme estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), o desmatamento e a degradação das florestas causam um prejuízo entre 2,5 e 4,5 trilhões de dólares por ano para a economia global.
Bráulio Dias pontuou como outros itens a serem observados a criação de parâmetros mínimos de recuperação da mata ciliar; estímulos para recuperação de área degradada e aprimoramento do capítulo sobre incêndios florestais.
Judicialização
Roberto Smeraldi, diretor da Oscip Amigos da Terra, alertou para a possibilidade de o código judicializar ainda mais o conflito no campo, se não for bem definida a questão da anistia aos produtores. Em sua visão, o atual texto pode demandar novas anistias, em cadeia. Ele disse que não há nenhum argumento legal para consolidar a área rural com ocupação antrópica tomando como base 22 de julho de 2008, pois o projeto remete esse tipo de "perdão ao infrator”, estipulando esse período em alusão ao Decreto 6514, que está em vigor desde 22 de julho de 2008. "O decreto não trata de Código Florestal, mas da regulamentação da Lei dos Crimes Ambientais, que é de 1998. Após 22 de julho de 2008, mais de 45 mil km² de vegetação já foram desmatados no Brasil inteiro”, afirmou.
O senador Jorge Viana (PT-AC), relator do Código Florestal na CMA, presidiu parte da audiência pública desta sexta-feira. Ele afirmou que levará em conta as observações dos especialistas, a fim de aperfeiçoar, no que for possível, o texto final da matéria.