A procuradora regional da República, Raquel Branquinho, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro violou a Constituição ao determinar ao Exército a revogação de portarias que facilitavam o controle sobre armas e munição no país, dificultando o acesso a elas, principalmente, pelo crime organizado.
O Ministério Público Federal abriu duas investigações para apurar indícios de interferência do presidente em atos exclusivos do Exército após ter revogado três portarias sem qualquer justificativa plausível.
Para Branquinho, o presidente pode ter agido para beneficiar uma parcela do seu eleitorado, que defende a indústria das armas. O pedido de abertura de investigação foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Ao assim agir, ou seja, ao impedir a edição de normas compatíveis ao ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da atividade desempenhada pelo comando do Exército, o sr. presidente da República viola a Constituição Federal, na medida em que impede a proteção eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é a segurança pública”, escreveu a procuradora.
As portarias (46, 60 e 61) estabeleciam o controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e para abastecer os quartéis. Na avaliação de procuradores do Ministério Público Federal, as normas revogadas pelo presidente em 17 de abril dificultavam o acesso do crime organizado a munições e armas desviadas de quartéis.
Ao comunicar que iria revogar as três portarias criadas pelo Comando Logístico do Exército, Bolsonaro apenas afirmou que as medidas não se adequavam “às minhas diretrizes definidas em decretos”.
Em carta entregue a subordinados e superiores, o general Eugênio Pacelli Vieira Mota, responsável pelas portarias revogadas por Bolsonaro, afirmou que as normas em questão visavam à segurança nacional e não atenderam aos “interesses pontuais do setor armamentista”.
O general foi exonerado do cargo de diretor de fiscalização de produtos controlados uma semana após a publicação dos atos pelo Exército.
Socialistas contra a revogação
Além do Ministério Público, a Câmara deve analisar a revogação das portarias. O líder do PSB na Casa, deputado federal Alessandro Molon, também apresentou um projeto de decreto legislativo (nº 156/2020) para sustar os efeitos da portaria editada pelo governo federal.
Para Molon, ao dispensar a responsabilidade do poder público de proteger os cidadãos, o governo Bolsonaro inverte a lógica da segurança pública, instituindo um regime de “segurança privada” que abandona a população à própria sorte.
“Não há nenhuma razão que justifique esse retrocesso [a revogação das portarias]. Políticas que coloquem armas nas mãos das pessoas de maneira irresponsável e sem estatísticas que justifiquem tal ato, precisam vir acompanhadas de políticas que garantam segurança para os cidadãos”, afirma.
Tráfico de armas
A última análise para o setor feita pelo Ministério da Justiça, em 2010, mostrou que o número de armas ilegais no Brasil ultrapassava 7 milhões. Dados mais recentes divulgados pela ONG Small Arms Survey, em 2016,comprovam esse aumento. O estudo apontou que existem 14,84 milhões de armas em posse de civis no Brasil, oito para cada 100 habitantes. O estudo considera armas registradas e em situação ilegal. O número coloca o Brasil em sétimo lugar no ranking de países com mais armas de fogo em circulação.
O número é alarmante, pois mesmo sabendo que desse total 80% delas são de fabricação nacional, tendo origem legal, elas acabam entrando para o mercado clandestino após roubos e corrupção policial, já que a comercialização de substâncias ilícitas demanda uma forte militarização dos envolvidos.
O cancelamento das portarias e a saída do general do cargo ocorreram sob pressão de lobistas de empresas de armas e munições, de acordo com informações do Estado de S. Paulo.