A Fundação João Mangabeira (FJM) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) realizaram, nesta quarta-feira (26), um debate para apresentar dados e discutir as manifestações populares que estão ocorrendo em todo país há mais de 15 dias. Com o tema “A Voz das Ruas” o encontro, com auditório lotado, manteve a atenção de todos os presentes para a discussão de um país realmente democrático e que atenda aos gritos do povo brasileiro.
Carlos Siqueira, primeiro-secretário Nacional do PSB e presidente da FJM, abriu o debate, agradecendo a presença de todos – deputados, socialistas e líderes dos segmentos socialistas (Juventude, LGBT, Sindical, Negritude, Popular e Mulheres). “Nosso debate tem como objetivo entender os últimos acontecimentos e as manifestações populares que estão acontecendo em todo país”.
Ele avaliou que “somente o fato de estarmos aqui reunidos e exatamente no horário de um jogo importante da seleção brasileira na Copa das Confederações já é revelador do novo momento que vive o país e que iremos debater”.
A diretora do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, foi a primeira a falar entre os palestrantes e trouxe aos presentes os resultados de três pesquisas que o instituto acaba de fazer sobre as manifestações populares que se espalharam pelo país nas últimas semanas. As pesquisas ouviram 1.775 internautas constantemente conectados na rede, entre os dias 5 e 17 de junho; 1.008 pessoas da população, nos dias 19 e 20 de junho; e 2.002 manifestantes que estavam nas ruas durantes os protestos de 20 de junho.
As três pesquisas, explicou a diretora do Ibope, foram distribuídas em oito capitais (ler a matéria “Diretora do Ibope fala sobre ‘A Voz das Ruas’”).
Durante o debate, Márcia Cavallari, considerou positivo que 59% da população acreditam que as manifestações são a melhor forma para cobrar mudanças no país e que, também, 94% dos manifestantes acreditam que elas gerarão, de fato, essas mudanças. “Mas isso num contexto em que 47% dos entrevistados nas ruas não acreditam nem confiam nos políticos, e 46% não acreditam nem confiam nos partidos políticos”.
Jessé José Freire de Souza, professor sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, analisou que há diversos aspectos sociais a serem observados em relação a essas manifestações populares. “Antes de tudo existe uma sensação quase unânime do que nós estamos vivenciando agora, é um ato único na história brasileira, especialmente pelo modo como foi realizado. Hoje há uma representatividade internacional”, iniciou.
“A manifestações começaram com o Movimento Passe Livre e depois atingiam amplos setores de classe média. Essas mudanças são muito significativas porque passam por bandeiras que anseiam o bem estar das pessoas”, afrmou o sociólogo.
Para o professor de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Piquet Carneiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da mesma universidade, a questão da Segurança Pública está no centro dos debates sobre as atuais manifestações públicas, e de duas formas. Primeiro, na ação cotidiana das polícias em relação ao enorme aumento da violência, roubos e homicídios tanto nas grandes e quanto nas pequenas cidades, que incidem diretamente sobre as populações mais pobres da sociedade, ainda atingidas pelo aumento do consumo de crack; e, em segundo, na ação das polícias para conter a violência e o vandalismo nas manifestações por todo o país.
Segundo ele, as práticas de todas as polícias brasileiras hoje são completamente inadequadas. Em vários estados do Norte e Nordeste elas são totalmente consumidas no serviço de segurança a autoridades e instituições estatais, municipais e do Judiciário. As taxas de indiciamento de homicídios são baixíssimas em todo o país e estes crimes acabam praticamente impunes, na maioria. A legislação penal, no que pese as tentativas de Câmara e Senado para atualizá-las, ainda tem muitas e sérias brechas; a ação do Ministério Público muitas vezes se restringe a aplicar multas pesadas; e o sistema carcerário está praticamente loteado pelos comandos dos criminosos, como o PCC.
“Esse conjunto de fatores, ao longo de muitos anos, criou um cenário que explica a violência e os saques nas manifestações populares de agora”, acredita Piquet. Na avaliação dele, as diferentes e variadas polícias não trocam dados nem se comunicam entre si e muito menos têm visão sobre os vínculos entre os incidentes, ou seja, falta um trabalho constante de inteligência, bem como a inteligência de campo. “Isso tudo gera um déficit de conhecimento que levou a Presidenta Dilma a questionar como surgiu um movimento tão forte e amplo sem que ela tivesse informações sobre sua formação”.
Para Piquet, esse déficit de conhecimento prejudica a capacidade e a velocidade das respostas a demandas como as manifestações populares nas ruas que vemos agora. “Mas não existe hora melhor para lançarmos um olhar sobre esse lado obscuro, sombrio dos governos. O povo nas ruas, nessa amplitude e espontaneidade, pode trazer luz para um debate sério e profundo sobre a questão da Segurança Pública no Brasil, na tentativa de encontrarmos novas e diferentes visões para começar a resolver, de fato, o problema”.
Luiza Erundina, deputada federal (PSB/SP), começou sua fala entoando o otimismo e emoção que sentiu ao receber o convite do encontro. “É uma grande oportunidade para fazermos uma reflexão sobre o atual cenário brasileiro”.
A deputada destacou ainda um dos motivos da explosão de manifestações espalhadas em todas as cidades do país. “O que detonou essa manifestação massiva, crescente e que dura mais de 15 dias, é o custo que incide no cotidiano do público brasileiro, daqueles que usam o transporte coletivo, ou melhor, disputam o transporte coletivo e individual todos os dias”, alertou.
“É preciso adotar medidas inteligentes e ousadas para resolver esses problemas. Para melhorar a vida das pessoas que vivem 24h na tragédia que são essas cidades grandes”, destacou a deputada sobre o caos em transporte e segurança que há na maioria das cidades brasileiras atualmente.
Erundina ainda comentou sobre as manifestações massivas que vem ocorrendo em todo o País, com iniciativa pacífica e saindo de controle em alguns locais e em pequenos grupos de manifestantes. “As manifestações populares de hoje são um grito, um desabafo da população brasileira”, afirmou.
“É uma expressão moderna, nova, de exercício de protagonismo político, das cidades hoje, dos fenômenos urbanos atuais. Sem presidente, sem segmentos, sem dirigentes”, definiu ainda a deputada.
Por fim, Erundina deixou um recado, uma esperança de que haja uma política pública, uma mudança, e que as manifestações não percam a força. “Se esse movimento não se apagar e eu espero que não, teremos que ajudar nessa luta com nossas lideranças em todo país, para que essas forças tomem um rumo e pressionem quem tem o poder”, concluiu.
Após as palestras, o vice-presidente Nacional do PSB, Roberto Amaral, foi enfático ao dizer que os jovens estão nas ruas fazendo o que a esquerda brasileira e deveria fazer: política. "Eu estava convencido que a juventude estava perdida. Mas não! A juventude está fazendo o que nos não conseguimos fazer que são as reformas de base estruturantes." Convencido de que o debate ajudará a discutir o que fazer, Amaral afirmou que "ou a esquerda ocupa as ruas, ao lado dos jovens, ou a direita tomara conta deste espaço".