O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, disse na última quinta-feira, 5, na abertura da reunião da Coordenação Socialista Latino-Americana (CSL), que lisura deve ser um pressuposto de qualquer atividade política. Para o dirigente, os escândalos de corrupção provocaram uma desacreditação da perspectiva utópica, o que degradou a política.
A reunião da CSL, realizada no Rio de Janeiro, teve como principal tema o uso de mecanismos de transparência para combater a corrupção.
Leia o discurso de Carlos Siqueira na íntegra:
Gostaria inicialmente de saudar os componentes da mesa desta manhã, dirijo também, a cada um dos demais presentes, ainda que não possa nominá-los, a mesma distinção fraterna a que fazem justiça, como militantes que são das causas populares.
É uma enorme satisfação ter a todos conosco hoje, no Rio de Janeiro, cidade cuja habitual simpatia pelo visitante se fará mais intensa, ao receber tanto a unidade que nos caracteriza como povos latino-americanos, quanto a riqueza de nossa diversidade cultural, história e social. Talvez pela questão da língua, os brasileiros tenham poucas oportunidades desse agradável exercício de pertencimento que realizamos agora e, desse modo, fico feliz que o Partido Socialista Brasileiro – PSB possa ser o anfitrião desse encontro.
A temática que nos reúne, fundamental para os destinos de nossos países, foi proposta pelo companheiro Fernando Lopes, do Partido Socialista Uruguaio, por ocasião da reunião realizada no Partido Socialista do Chile e diz respeito aos “Problemas dos governos latino-americanos: corrupção, transparência e controle social”.
Bom dia a todos e a todas
Quanto ao tema, gostaria de chamar à atenção, em primeiro lugar, que ele se inscreve como elemento fundamental para a compreensão da crise de escala planetária pela qual passa a atividade política. Se colocarmos as coisas em perspectiva, veremos de imediato que a corrupção emerge como grande questão, principalmente porque o sistema partidário deixou de se relacionar a projetos de larga envergadura, de transforma social efetiva, para se referir ao jogo de poder como um fim em si mesmo.
Há, nesse sentido, um nivelamento por baixo, porque os homens públicos e as instituições partidárias não têm encontrado formas de conquistar os corações e o imaginário popular, o que converte a disputa política em um exercício de força bruta, que requer uma enormidade de recursos financeiros, não apenas para o marketing político e eleitoral, mas também para realizar as cooptações inerentes a culturas políticas que vão demonstrando ser francamente antipopulares.
No meu entendimento, portanto, a corrupção passa a ser uma questão essencial, fundamentalmente porque houve uma desacreditação da perspectiva utópica, processo que degradou a atividade política como um todo, transformando-a em boa parte dos países democráticos, em uma luta eleitoral caríssima, em torno de muito pouca diferença programática.
Apresento essa digressão inicial porque, evidentemente, a lisura na condução da coisa pública não é ela mesma um problema político, mas um pressuposto de qualquer atividade política. Quando, portanto, eleições são disputadas e vencidas com base em plataforma que se dedicam essencialmente ao combate à corrupção, temos que prestar atenção não apenas ao tema e seu apelo eleitoral, mas ao fato de que o próprio sistema político provavelmente adoeceu, a ponto de não conseguir lidar adequadamente com aquilo que deveriam ser apenas as regras de acesso à atividade pública.
Nesse contexto específico – combate à corrupção, a qualificação legal para exercício de funções públicas –, no que se refere à experiência brasileira, deve-se saudar o posicionamento do Supremo Tribunal – STF, do nosso País, que proibiu o financiamento de campanhas por empresas, ressalvado que tal medida encontrou muita resistência entre as forças políticas conservadoras que integram o Congresso Nacional. Na mesma linha, é preciso reconhecer que o Tribunal de Contas da União e os tribunais de contas dos estados, o Ministério Público, a Polícia Federal, entre outras instituições, têm exercido suas missões com autonomia, o que nos dá sinais de que, aos poucos, a democracia vai de fato se consolidando em nosso País, também no tocante a este tema.
Vale observar, complementarmente, que o fato de que grande parte da energia investida no terreno político venham a cair recorrentemente sobre a corrupção elide problemas de maior envergadura em termos relativos, que se veem lançados a à invisibilidade, como se não tivessem importância, ou fossem dados de realidade, que não admitem intervenção da sociedade. Para todos que tenham bom senso, é um escândalo que o Brasil tenha pago no ano incompleto de 2015 R$ 408 bilhões a título de juros sobre a dívida pública. Esse fato, contudo, pouco anima a mídia nacional e raramente aparece como problema em plataformas partidárias.
Neste mesmo aspecto, para o que espero contar com a devida licença de todos, julgo ser legítimo que reflitamos neste encontro sobre nossos problemas comuns e, em muitos aspectos, igualmente irresolvidos. Como agremiações posicionadas à esquerda, temos que pensar em escala planetária e continental sobre nossas dificuldades em promover desenvolvimento sustentável, em vencer a desigualdade social, a pobreza. Pesa sobre nós encontrar estratégias – comuns, se e quando possível – para que tenhamos educação de melhor qualidade, saúde pública digna. Mais do que expectativas, precisamos voltar a disseminar a esperança da emancipação dos nossos povos.
Esses são, em uma perspectiva progressista, os verdadeiros problemas políticos, porque o próprio exercício da legalidade implica, por vezes, uma injustiça distributiva, uma iniquidade de oportunidades, que chegam a ser abjetas. O que nossos países têm a oferecer nesse quadro aos debaixo, aos que são vitimados pela exclusão social, senão a espera resignada por um futuro melhor que o presente cuida diligentemente de postergar indefinidamente?
Nesse sentido, vejo com muitos bons olhos na experiência brasileira o avanço da legislação que prevê a transparência na administração pública e cujo grande marco regulatório foi iniciativa de nosso companheiro de partido, Senador João Capiberibe, que estará conosco na mesa de debates desta tarde.
Notem que transparência não diz respeito apenas ao combate à corrupção, ainda que não o exclua, mas se refere particularmente ao empoderamento da população para discutir a gestão da coisa pública. Questões como a economicidade das iniciativas estatais, as prioridades eleitas pelos distintos governos passam a estar ao alcance da população, que pode exercer seu direito ao controle social das políticas públicas.
A transparência, o controle exercido pelo cidadão sobre a atuação dos gestores públicos, que muito comumente têm sido pautas de organizações não governamentais, precisam adquirir sem qualquer prejuízo às atividades daquelas instituições, expressão política, de tal modo que o conhecimento adquirido, a compreensão quanto ao que, como e onde se gasta possam motivar debates com os partidos, Casas Parlamentares, gestores no exercício de mandatos nos executivos das distintas esferas de poder.
Gostaria a partir daqui de encaminhar a reflexão que fiz não para uma conclusão, pois espero aprender muito com todos os companheiros latino-americanos ao longo dos trabalhos, mas para uma determinada percepção sobre os temas desse encontro. Creio que precisamos torná-los efetivamente problemas políticos e, nesse sentido, refletir sobre as dificuldades das instituições partidárias para encantar os jovens e também o cidadão comum.
Temos que compreender porque o desafio eleitoral imediato acabou por subordinar a perspectiva de transformação radical de uma sociedade que é, no essencial injusta e excludente. Noto, em particular, que aos partidos de esquerda não pode interessar ganhar eleições a qualquer custo, porque nosso projeto político não é de curto prazo, mas se refere a criar uma nova civilização, o que implica mudanças na esfera pública, por certo, mas também comportamentais.
Nossa imagem do socialismo precisa evoluir e voltar a dar causa a sonhos e utopias. A maravilha tropical que o Rio de Janeiro é pode nos inspirar nesse sentido, mesclando política e cultura popular, para se opor à visão sanitária com que a ordem olha para as cidades e, porque não dizê-lo, para o povo.
Porque não podemos, por exemplo, almejar a realização de uma democracia praiana, que viesse a abraçar os morros e cujas favelas ensinassem aos burgueses do mundo não apenas o samba, mas uma relação com o espaço público, padrões de solidariedade comunitária e social, que criassem alternativas efetivas à insustentabilidade do modo de vida atualmente hegemônico?
Em nosso imaginário socialista, é este Rio de Janeiro aberto à atuação política, pleno em possibilidades, capaz de reconciliação do povo com o território em que vive que nos acolhe! Sejam, portanto, todos muito bem vindos ao Rio, inclusive aquele que ainda se apresenta como promessa.
Desejamos que todos se sintam em casa porque a cidade socialista que o Rio ainda virá a ser, mais do que simplesmente lugar da tolerância, é um território da hospitalidade e acolhimento fraterno.
Carlos Siqueira
Presidente Nacional do Partido Socialista Brasileiro – PSB